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Bebés prematuros revelam fragilidades no pré-natal 

Há cada vez mais bebés a nascerem antes do tempo em Nampula. A falta de acompanhamento sanitário adequado nas consultas pré-natais é uma das causas. Associado à prematuridade, há muitas mortes neonatais. Só este ano, 170 bebés prematuros não resistiram e perderam a vida.

Débora Pendula, 30 anos, tem três filhos, todos do sexo masculino. Está grávida de 29 semanas e vive contando os dias, ansiosa, porque está à espera de uma menina.

“É felicidade só…estou a ser atendida aqui. Vou aguardar os resultados e seguir em frente”, diz, Débora, dando explicação do sentido da promessa inusitada que se fez de ficar 30 dias sem tomar banho caso consiga dar à luz a menina de que tanto espera. 

A conversa é no pequeno compartimento do serviço de Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Central de Nampula (HCN) onde o médico gineco-obstetra Dinis Viegas assiste às gestantes e outras pacientes.

Débora está deitada de costas na maca e exibe uma curvatura para cima que denuncia a gravidez já evoluída. “Trinta semanas e dois dias! A data provável de parto vai ser 13 de Março”, fala o médico, meio que a sussurrar, para a alegria de Débora.

A mão do médico faz deslizar a sonda acoplada ao aparelho de ecografia e desliza na barriga impulsionada pelo gel aplicado para o efeito. O seu olhar atento ao monitor do aparelho cria-lhe a atenção ao ler ondas, números minúsculos e um conjunto de códigos que só um especialista consegue decifrar. E encontra o que parecia andar a desconfiar.

“Quando a tensão começa a subir de forma descontrolada somos obrigados a ter que tirar o bebé o mais cedo possível, senão vais perder o bebé”. 

O exame de ecografia mostra que o feto está com um bom desenvolvimento, mas o médico descobre que ela está com ameaça de parto pré-termo, que é o nascimento que ocorre antes da gestação completar 37 semanas porque Débora sofre de hipertensão crónica e não trata mesmo depois de começar as fazer as consultas pré-natais.

“Ela tem um quadro de hipertensão crónica que é uma das principais causas do parto pré-termo. O que esperamos é que este quadro de hipertensão crónica não esteja associado a pré -eclâmpsia que é a hipertensão que coincide com a gravidez ”.

Uma situação que, de resto, a gestante não ignorava. “Já tinha algum conhecimento, por alguma ignorância dos mais velhos que alegavam que ainda é muito cedo para seguir o tratamento porque depois ficaria viciada e aconselhavam a controlar com certas ervas”.

A hipertensão é a segunda causa de morte materna em Moçambique, depois da hemorragia e uma das primeiras causas de partos prematuros. E por falar em partos prematuros, é o que deverá acontecer com Débora para evitar o pior.

Lurdes Momade, 28 anos, é outra gestante que se apresenta ao Dr. Dinis. Tem uma filha e agora está grávida de 32 semanas. 

Está muito preocupada porque no dia que fizemos a reportagem (sexta-feira, 29.11), estava a perder o líquido amniótico, colocando em risco a sobrevivência do feto.

“Estava a fazer alguns movimentos na cozinha. Fui urinar e apercebi-me que estava a escorrer”, lembra. 

“A bolsa amniótica rompeu muito cedo. Este bebé tem mais ou menos 32 semanas com um peso estimado de mil e novecentos gramas. Portanto, é uma prematuridade extrema. Qual deve ter sido a causa? Provavelmente uma infecção no trato urinário ou genital. Mais uma vez são situações que podem ser prevenidas durante o pré-natal. O que devia ter sido feito no pré-natal era fazer a colheita da urina, fazer urocultura, exame de urina, para descartar uma infecção no trato urinário”, esclarece Dinis Viegas, mostrando de forma clara que a negligência no seguimento de consultas pré-natais propiciada pela falta de rigor nas unidades sanitárias concorre para muitos problemas que afectam o desenvolvimento do fecto e que pode levar ao parto antes das 37 semanas normais.       

O berçário principal do Hospital Central de Nampula é o único a nível da província que oferece melhores condições para cuidar da saúde dos bebés prematuros que nascem necessitando de acompanhamento especializado. 

E por ser o único, a gestão tem sido difícil quando há muitos bebés. A solução, por vezes, tem sido colocar dois bebés na mesma incubadora. “Quando recebemos os bebés prematuros é aqui onde os acomodamos. Dentro das incubadoras tem uma temperatura óptima e adequada para os bebés. Não digamos que é comparado à cavidade uterina, mas tem uma temperatura regulada para o recém-nascido prematuro”, assegura Carlos Lino, médico residente e pediatra do berçário principal do HCN. Aliás, é no local onde se desenrola a entrevista, observado todo o protocolo de segurança sanitária exigido para a nossa entrada no recinto. 

De Janeiro a Setembro deste ano, 397 prematuros entraram naquele berçário, desses cerca de 170 não resistiram e morreram. O médico explica as causas por trás dessas mortes. “Temos aquelas situações em que são bebés prematuros com muito baixo peso, para além de que têm idade gestacional muito inferior, neste caso aqueles abaixo de 28 semanas, estes concorrem com o síndrome de distress respiratório. Estamos a falar, por exemplo, do pulmão que não está muito bem formado (…)”  

O ideal nesses casos seria garantir uma respiração mecânica, mas o berçário do Hospital Central de Nampula não dispõe dessas condições.

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