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Bajulação: a degradação da política e da esfera pública em Moçambique

Na actualidade a sociedade moçambicana enfrenta diferentes patologias sociais. Há uma tese quase que partilhada de que a sociedade vive uma crise de valores. Uma crise que afecta às instituições incluindo a família. A bajulação é uma dessas patologias. É a patologia aparentemente menos evasiva, mas cujas consequências têm sido devastadoras para o país.

A bajulação, adulação, lambebotismo ou puxa-saquismo ganha campo e se afirma nos campos político, económico, social e cultural. O campo político é, sem dúvidas, aquele em que é mais facilmente observável o crescimento e afirmação deste fenómeno. Entendemos que a bajulação é como o acto de fazer excessivos e falsos elogios a outrem, normalmente alguém que dispõe de poder e/ou tem capacidade de redistribuir recursos, com o propósito de conquistar algo em troca e colocar-se em posição de vantagem para deles usufruir.

Em Moçambique a bajulação é uma patologia social que se incrustou nas instituições e que deve merecer a atenção dos decisores públicos. Este acto deve, ainda, merecer a atenção daqueles que determinam as políticas de educação e das instituições religiosas que são o pilar da moral, bons costumes e da ética nas sociedades. Só há bajulação onde há bajulados sedentos de ser adulados.

A consolidação da bajulação na esfera pública moçambicana é sintomática de que as lideranças das mais diversas esferas se confortam. Esta prática só se afirma onde as lideranças são narcisistas. Estas lideranças têm facilidade de se relacionar com esse perfil de profissionais, porque preferem o elogio à interpelação crítica, criando bolhas que as levam a viver longe da realidade.

A psicologia explica que a bajulação funciona devido a um fenómeno cerebral conhecido como “comportamento de atraso”. Sempre que um indivíduo recebe um elogio não sincero a primeira reação é de rejeição e desconsideração desse elogio.

Não obstante a rejeição, a bajulação fica registada, cria raízes e se estabelece no cérebro do indivíduo. A partir desse momento, passa a pesar subjectivamente no julgamento do elogiado que tende, com o tempo, a formar uma imagem mais positiva do bajulador. Ora, a suscetibilidade à bajulação nasce do profundo desejo do ser humano de se sentir bem consigo mesmo. Logo, a obviedade e o descaramento do elogio falso, paradoxalmente, conferem-lhe maior força. Esta explicação revela o quão dependentes da bajulação estão os líderes narcisistas. Eles não vivem e não se conseguem afirmar sem os bajuladores.

Argumentamos que os bajuladores são perniciosos para as instituições e organizações, por isso devem ser combatidos. Quaisquer que sejam as organizações, desde partidos políticos às empresas, organizações da sociedade civil, mídia e até as confissões religiosas enfrentam, na nossa sociedade actual, o perigo dos bajuladores. Estes são profissionais oportunistas que querem ganhar a simpatia de outras pessoas, normalmente detentoras de poder ou recursos, através de elogios exagerados e falsos.

Para alcançar o seu propósito, os bajuladores são capazes de distorcer a realidade, criando uma imagem falsa da realidade política, económica e social ou da pessoa. Em situações em que a sociedade não abona uma decisão surgem com narrativas desfasadas da realidade com o fito de agradar as lideranças. Os bajuladores têm falta de autenticidade e honestidade nas críticas, sendo desonestos e manipuladores.

Um bajulador não tem ética e não tem vergonha na cara. Não está preocupado com o sucesso da liderança muito menos com o da organização. Ao agradar a liderança o bajulador espera obter recompensa que pode ser em forma de promoção, ganhos financeiros ou confiança dos líderes podendo através dela manipulá-los para o alcance dos seus propósitos.

Por isso os bajuladores, normalmente, enredam as lideranças não as deixando ter contacto com narrativas diferentes da que eles apresentam. Nesse processo constroem uma tese de que todo o pensamento contrário ao seu visa fazer mal a liderança. São estes profissionais que fazem emergir e afirmar na esfera pública expressões totalitárias que fazem crer que só a uma verdade absoluta. A verdade do CHEFE. Trata-se de expressões como “antipatriotas, “vendidos ao ocidente”, “os críticos”, “doa a quem doer, “alinhamento”entre outras, todas tendentes a diabolizar quem pensa diferente.

Mais do que diabolizar, os bajuladores sedimentam uma cultura política onde sobrevive somente a visão da liderança conduzida pelas aduladores. Os bajuladores são hostis aodebate livre de ideias e fazem de tudo para criar um deserto social de ideias onde somente a narrativa do chefe é certa.

Toda a narrativa que tenta, com factos, mostrar que a visão do Chefe pode levar a organização para o caos é, imediatamente, silenciada. Há um trabalho de assassinato de carácter e de tentativa de desqualificação pública de quem ouse sair da caixa. Esse assassinato de carácter muitas vezes com recurso a devassa da vida privada. Este recurso a devassa da vida privada é porque os bajuladores são fracos no debate argumentativo.

Os bajuladores têm uma técnica e estratégia de comunicação que levam os adulados a acreditar e sentirem-se mais importantes do que realmente são, o que vezes sem conta conduz a comportamentos arrogantes e desrespeitosos.

Uma pessoa equilibrada, que tem amor-próprio, é realista sobre si mesma, aceita-se melhor e é imune à bajulação. As lideranças que se entregam ao oportunismo dos bajuladores não incentivam o trabalho em equipa, dado que procuram, a todo o custo, escamotear a sua insegurança ou incapacidade de liderar pessoas e as suas diferenças. Afirmam-se donos da verdade; fecham-se sobre si. A bajulação é a ruína da autoestima, o prejuízo da competência e a falência do profissionalismo.

Os bajuladores contribuem para o enfraquecimento da democracia. A sua actuação não permite a afirmação e consolidação de uma esfera pública onde é normal o contraditório assente no debate livre de ideias. Não permitem a afirmação da liderança democrática, pelo contrário, sedimentam uma cultura política tóxica. A proeminência dos bajuladores na esfera pública moçambicana, em particular nos partidos políticos, têm contribuído para a emergência da tirania e da intolerância política.

Na conjuntura actual, o debate livre de ideias esmoreceu nos partidos políticos. Os partidos fecharam-se sobre si, os seus debates não são expostos aqueles que no final do dia escrutinam os seus projectos de governação. A narrativa que os partidos apresentam para a sociedade é de um unanimismo Luiscatorziano. Esta forma de actuar contribuiu sobremaneira para que o modelo Luiscatorziano se consolide em todos os campos da sociedade moçambicana.

Os laivos de liderança narcisista apimentada pela bajulação são vividos desde a família, emprego e, de mansinho, se incrustam na esfera religiosa. A forma naive como os decisores políticos têm lidado com a bajulação e contribui para crise estrutural em que vive a sociedade moçambicana. As lideranças, de grosso modo, se recusam a buscar feedback honesto e construtivo para melhorar o trabalho.

Portanto, se a bajulação não contribui para o desenvolvimento de uma sociedade democrática nem para a afirmação de uma liderança democrática não faz sentido a sua promoção. Como referimos, a sua promoção é alimentada por lideranças narcisistas e hostis à crítica.

É fundamental que as lideranças políticas neste país, em particular os governantes e líderes de partidos políticos, estejam comprometidas com uma uma sociedade aberta onde se consolida o debate livre de ideias. Os partidos políticos não precisam de bajuladores.

O governo não precisa de bajuladores. Os partidos políticos e o Governo devem ser interpelados criticamente pela sociedade todos os dias para que consigam aprimorar a qualidade do seu trabalho. Mas, só faz sentido retirar o espaço proeminente aos bajuladores se as lideranças estiverem comprometidas em construir, em Moçambique, uma sociedade ética e meritocrática. Uma sociedade em que se valoriza a competência técnica, o saber local e a experiência profissional.

As sociedades onde há debate livre de ideias, promove-se o contraditório desde tenra idade há inovação, criatividade e instituições fortes. No próximo ciclo de governação as lideranças precisam ousar e criar as condições para afirmação de uma sociedade onde os seus concidadãos tenham debate livre de ideias, a ética, moral e a vergonha na cara sejam modelos a seguir a inovação e a criatividade se afirmem. Uma sociedade que não dependa de one man shows e da sua rede de bajuladores em qualquer que seja o campo.
Os Verdadeiros líderes sabem que deixar cercar-se de bajuladores é um grande risco para o desenvolvimento e fortalecimento das instituições.. Não existe conquista sem superar desafios, portanto pessoas prontas para enfrentá-los e não apenas subestimá-los vendendo imagem de um país ou pessoas ideais. Quem vende mundos ideais pode comprometer a evolução do país e das organizações bem como das suas lideranças.

O filósofo italiano Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, na sua obra O príncipe propôs uma excelente solução ao príncipe (neste artigo entenda-se lideranças) para livrar-se dos bajuladores: “um príncipe prudente deve escolher homens sábios e somente a eles deve dar a liberdade de falar-lhe a verdade daquilo que ele pergunte e nada mais. Deve consultá-los sobre todos os assuntos e ouvir as suas opiniões; depois, deliberar por si, a seu modo, e, com estes conselhos e com cada um deles, portar-se de forma que todos compreendam que quanto mais livremente falarem, tanto mais facilmente serão aceitas suas opiniões (Maquiavel, 2008. 5.º Vol).

Para Maquiavel a única forma do príncipe, neste casos dos governantes, se protegerem da adulação é fazer com que os seus subordinados entendam que não ofendem dizendo a verdade. Mas devem dizer a verdade sem faltar a reverência.

Na mesma linha, Barack Obama defendeu que as lideranças devem livrar-se dos bajuladores e manter por perto pessoas que avisam quando erra. O desafio está colocado a todos. Moçambique precisa de líderes não narcisistas e as instituições públicas e privadas deste país precisam livrar-se dos bajuladores.

Eles, os bajuladores, são um perigo na longa marcha para a consolidação de uma sociedade democrática, ética, meritocrática e desenvolvida. Tal só será possível com lideranças comprometidas com resultados e lideranças que visem empreender mudanças na sociedade combatendo a mesmice.

Não é possível ousar gerar mudança na transformação da sociedade sem antes empreender mudanças a nível da esfera micro. Estarão os nossos governantes e lideranças dos partidos políticos preparados e dispostos viver sem os bajuladores? Estarão elas próprias para uma sociedade aberta em que há debate livre de ideias? A escolha que for feita no próximo ciclo de governação determinará o nosso futuro como Nação. Os bajuladores são seres sociais. Empreendida a mudança para uma sociedade de denate licre de ideias eles vão aprender a viver numa sociedade democrática normal.

PS; abraço amigo a todos os profissionais e quadros deste país que no espírito de bem servir a Nação foram vítimas dos bajuladores. Eduardo Chivambo Mondlane desafiou-nos a sempre, Lutar por Moçambique.

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