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As possibilidades do ‘Beco onde nasci’ em Quehá

“O Beco onde nasci” é uma obra de arte do artista plástico João Paulo Quehá (Maputo, 1975), que está patente na galeria da Fundação Fernando Leite Couto, e pode ser apreciada até 29 de Junho. A peça é aprimorada com recurso à técnica acrílico e óleo sobre tela, com as dimensões 109x99cm, criada em 2022.

O título “O beco onde nasci” dá-nos a ideia de que o autor pretende fazer um flashback (regresso no tempo) das suas memórias prescritas, levando à obra traços e vislumbres do lugar onde existe, isto é, o beco onde nasceu, com as obscenidades ou excentricidades da sua comunidade. Assim, com efeito, estabelece um resgate da criança dentro de si através da arte.

Num primeiro olhar, o quadro de Quehá apresenta figuras animalescas. No entanto, com mais concentração, notam se vestigios de humanidade que parecem abrir interrogações profundas ao espectador.

As figuras tecidas por linhas finas, com formas ovais e curvadas, parecem co-habitar pacificamente nesse “beco”, ao mesmo tempo que buscam algo em comum, que, pelo diálogo visual, ainda não encontraram. Seria essa busca a liberdade? A solidariedade? A compaixão pelo próximo? O autor pode, aqui, estar a sugerir à sociedade para uma busca em comum. A harmonia das formas e a metamorfose das imagens revelam o seu talento refinado em projectar a sua imaginação.

Em “O Beco onde nasci”, cada figura parece estar ciente do seu espaço e a ser protagonista nas vivências de outras figuras, reforçando a ideia duma possível descoberta.

As cores da obra de Quehá são vivas, simulam uma marrabenta harmónica e exótica, onde o talento do autor também vibra na exploração de várias tonalidades de verde e azul, variando entre tons suaves de vermelho e outras pinceladas, o que causa um equilíbrio sensual de formas.

A harmonia de cores primárias e a beleza da sua execução é uma marca da obra. Ainda assim, a combinação multicolor não deixa de ter um tom misterioso e questionador no ar.

A tela de Quehá projecta, sobretudo, uma sobreposição de objectos, que recebem profundidades parciais acentuadas pelo sentido enigmático. Os objectos enfatizam a sensação de mistério, e descoberta, vão ganhando múltiplos significados em diferentes prespectivas de observação, ora lidando com meio-homens, ora com meio-animais, não excluindo o sussurro das aves à volta dessa interacção.

Na apreciação de “O Beco onde nasci”, olho do espectador é atraído, primeiro, para o canto esquerdo, devido a maior intensidade de luz e à forma figurante mais humana, constratando com outras formas mais enigmáticas. A sensação que se tem é que as figuras estão em assembleia, em torno dum propósito comum. O contorno mais ousado do mistério parece ser contemplado num braço aparentemente humano, com um olho vermelho, que pode ser a cabeça duma ave nocturna, ou do que a imaginação puder oferecer ao espectador.

“O beco onde nasci” é uma peça misteriosa tanto quanto sedutora, recheada por uma execução ímpar de cores, formas e talento. A obra parece apresentar um paradigma social, com questões profundas como esta: O que temos buscado como sociedade e o que devíamos buscar?

 

Nota do editor: A tela “O beco onde nasci” pode ser apreciada até 29 de Junho, na galeria da Fundação Fernando Leite Couto, em Maputo, onde está patente a colectiva de artes plásticas de Quehá e Santos Mabunda.

O texto de António Magaia foi escrito no contexto da Oficina de escrita: crítica de arte, organizada pela Fundação Fernando Leite Couto, com a pretensão de estimular a crítica artística no país.

 

 

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