A antiga directora do Trabalho Migratório disse, hoje, em Tribunal, que a instituição usou de forma indevida 45 milhões de Meticais das contribuições dos mineiros para o pagamento de bens e serviços, depois de o Ministério das Finanças ter retido 91 milhões de Meticais de que a DTM precisava para as suas actividades.
É a última ré do caso de desvio de mais de 113 milhões de Meticais da Direcção do Trabalho Migratório. Chama-se Anastácia Zita e, à altura dos factos, era directora do pelouro. Das várias contas que aquela instituição detém, a arguida está na extensa lista dos assinantes e foi daí que a juíza Evandra Uamusse quis saber a quem competia solicitar a abertura de contas.
“As unidades orgânicas, na qualidade de operadoras, havendo necessidade, podem solicitar a autorização da ministra para a abertura de contas”, respondeu Anastácia Zita. A juíza prosseguiu: “quem propõe os assinantes de contas bancárias na DTM?” E a antiga directora do Trabalho Migratório esclareceu: “A entidade superior indica as pessoas que possam ser assinantes das contas em função das ocupações que desempenham e a direcção formaliza a proposta para autorização do ministro”, disse para em seguida acrescentar que a sua assinatura como directora era obrigatória, mas tinha, também, a dos co-réus José Monjane, Pedro Taimo, Sidónio dos Anjos e outros.
Sucede que, entre 2012 e 2014, a DTM não canalizava, na totalidade, à Recebedoria da Fazenda do 1º bairro fiscal a receita resultante da colecta de taxas de contratação da mão-de-obra estrangeira, sendo que tal valor foi usado para atender às necessidades da própria direcção, o que suscitou mais questionamentos.
“A DTM comunicou a Recebedoria da Fazenda sobre a não canalização na totalidade da receita nalguns meses?”, indagou a juíza da causa e, de imediato, teve a resposta da ré Anastácia Zita: “Houve uma comunicação por ofício assinado por sua excelência ministra (ré Helena Taipo) dirigida ao ministro das Finanças na altura dos factos”.
Das várias contas, prosseguiu a juíza com a contextualização, “consta dos autos que foi retirada da conta 53956348 um valor global de 45 milhões de Meticais e dado um destino alheio à sua finalidade” e culminou com mais uma pergunta: “Por que utilizaram os fundos provenientes desta conta para aquisição de bens e prestação de serviços?”
“As necessidades pelas quais esta conta foi usada são derivadas de dois factores. O primeiro é que foi usada em forma de adiantamento para responder a uma situação de crise que se verificava no âmbito do pagamento deferido, cujos valores adiantados foram reembolsados, integrados e enviados à Conta Única do Tesouro”, expôs Anastácia Zita, antiga directora do Trabalho Migratório.
E continuou, “o segundo factor é que, no âmbito da contratação da mão-de-obra estrangeira, temos direito a 40% das receitas colectadas. Esse valor deve ser consignado à DTM e foi comunicado pelas Finanças que correspondia a um montante de 91 milhões de Meticais. É um valor que é da DTM por direito”, mas nisto tudo havia um problema. O Ministério das Finanças reteve o valor “e não mais foi consignado, deixando a DTM com actividades iniciadas e em curso sem a necessária cobertura orçamental. Foi então que a saída encontrada para suportar as despesas foi o recurso à conta das taxas de mão-de-obra estrangeira”.
À luz da lei de 1964, os ex-mineiros e/ou seus dependentes não receberam, entre 2013 e 2014, mais de 68 milhões de Meticais, e tal não aconteceu porque o dinheiro foi alocado às outras actividades do Ministério do Trabalho para a realização, segundo as palavras da ré, de algumas despesas do próprio mineiro lideradas pela própria DTM.
Outro dinheiro dos mineiros foi usado para suportar a delegação da MWFP (Empresa sul-africana que gere os mineiros), que esteve no país, para uma série de eventos em 2013. Além de custear a estadia da delegação em Moçambique, houve assinatura de contratos para prestação de serviços.
Juíza Evandra Uamusse contextualizou e questionou: “Consta dos autos que foi celebrado um contrato de fornecimento de serviços, de mais de seis milhões de Meticais, entre o Ministério do Trabalho e Bela Eventos, cujo objecto consistia no fornecimento de serviços de cobertura de evento da previdência social dos trabalhadores das minas e/ou seus dependentes. Qual foi a modalidade de contratação para estes serviços?”
Ré Anastácia Zita reagiu: “A modalidade aplicada foi de ajuste directo”. E a juíza insistiu: “O Ministério do Trabalho chegou a celebrar o contrato com a Bela Eventos?” E a ré negou este facto: “Não! O contrato surge depois, no âmbito da regularização do processo inicial, porque os serviços haviam sido prestados sem contrato”, mas também reconheceu que a foi ela quem assinou o contrato e que a proposta do mesmo foi elaborado pelo co-réu José Monjane.
Mas este não é o único contrato que passou sem visto do Tribunal Administrativo. Há uma suposta casa de Helena Taipo construída com o dinheiro da Direcção do Trabalho Migratório, mas, antes, há que contextualizar.
“Consta dos autos que entre a ré Anastácia e a empresa Construções Ku Yaka foi celebrado um contrato, no valor de cinco milhões de Meticais, cujo objecto é a construção de um centro de formação profissional em Malema, província de Nampula, bloco oficinal. Este contrato existe?”
Ré Anastácia Zita respondeu: “O contrato existe como um meio de justificação do valor pago à empresa no âmbito da comparticipação da DTM na reabilitação do centro, uma vez que o contrato principal foi celebrado com o INEFP”, clarificou Anastácia Zita e sublinhou que o contrato era de cinco milhões de Meticais.
Juíza Evandra Uamusse perguntou: “Consta dos autos das declarações dos co-réus Sheng e Dalila Lalgy que o valor de cinco milhões de Meticais era para o pagamento de uma dependência de dois quartos no bairro Muhavire, província de Nampula. O que tem a dizer?”
Ré Anastácia Zita respondeu: “Eu desconheço, por completo. É uma realidade diferente da que consta dos documentos na posse da DTM.”
E esta quarta-feira, continua a audição a Anastácia Zita, antiga directora do Trabalho Migratório. A juíza é quem vai continuar a interrogar e seguir-se-ão outros agentes processuais.