O País – A verdade como notícia

Analistas alertam que Fly Emirates pode não ser a única a abandonar o país

Os economistas Edgar Chuze e Gift Essinalo consideram que a recente decisão da companhia aérea Fly Emirates de suspender a emissão de bilhetes em Moçambique é um reflexo da grave escassez de divisas que o país enfrenta, contrariando o discurso oficial de estabilidade cambial.

Para os analistas, os sinais deste problema já vinham sendo observados há meses, nomeadamente nas dificuldades de importação de combustíveis e noutras operações que exigem pagamentos externos, daí a urgência em o Governo encontrar meios para a sua solução.

Dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), publicados em Junho passado, mostravam que 1,3 mil milhões de dólares em fundos de companhias aéreas estão bloqueados de repatriação pelos governos desde Abril de deste ano, e Moçambique é destaque e o primeiro na lista, com 205  milhões de dólares.

O economista Edgar Chuze sublinha que o Banco de Moçambique, enquanto regulador, possui poderes suficientes para fiscalizar os bancos comerciais e identificar as causas reais da falta de moeda estrangeira no mercado, mas questiona a aparente falta de acção das autoridades.

“Tais práticas contribuem para alimentar o mercado negro e agravam a escassez de dólares no sistema formal. Se nada for feito, o caso da Fly Emirates poderá repetir-se com outras companhias ou empresas estrangeiras, afastando potenciais investidores e reduzindo a confiança na economia nacional. “Nenhum agente económico quererá investir num país onde não há garantias de repatriamento dos lucros”, afirma.

Para Chuze, a situação cambial tem efeitos directos sobre os preços e a oferta de bens e serviços. A saída de operadores internacionais cria espaço para oligopólios e monopólios que, inevitavelmente, encarecem os produtos.

“A falta de divisas limita também a importação de mercadorias essenciais, o que gera escassez e especulação interna”, diz o economista, ao mesmo tempo que adverte que esta conjuntura poderá afectar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a redução das transacções comerciais implica menor arrecadação de impostos e, consequentemente, maior dificuldade na execução orçamental.

Por sua vez, o economista Gift Essinalo considera que a crise de escassez de divisas em Moçambique é real e antiga, apesar das garantias do Banco de Moçambique em sentido contrário. Segundo o analista, o problema reside no mercado formal, onde os agentes económicos enfrentam dificuldades para aceder às moedas estrangeiras. Esta limitação tem levado à migração das operações para o mercado informal, que hoje movimenta a maior parte das divisas no país.

A situação, acrescenta, está a afectar directamente o funcionamento de sectores estratégicos como a aviação e o turismo, exemplificada pela recente decisão da Emirates de suspender a emissão de bilhetes em Moçambique, devido à impossibilidade das agências de viagem transferirem receitas para o exterior.

“O desalinhamento entre a taxa de câmbio oficial e a praticada no mercado paralelo é a principal causa do problema. Enquanto o banco central fixa o dólar em torno de 63 meticais, no mercado informal o valor chega a 74 ou 77 meticais, criando um incentivo especulativo. Este diferencial encoraja bancos comerciais e outros agentes a direccionarem as divisas para o circuito informal, onde obtêm margens de lucro superiores”, explica.

O economista entende que, sem um realinhamento gradual da taxa de câmbio, continuará a haver fuga de divisas e fragilidade no sistema financeiro, com consequências directas sobre a actividade económica e a previsibilidade dos sectores produtivos.

“O Banco de Moçambique deve liberalizar a taxa de câmbio, permitindo que esta reflicta mais fielmente a realidade do mercado. Embora reconheça que essa medida possa provocar uma subida da inflação e do serviço da dívida externa. A escassez de divisas reduz a capacidade de importação, cria carência de bens e serviços e, inevitavelmente, leva ao aumento dos preços”, sublinha o economista.

Em 2024, Moçambique havia bloqueado 127 milhões de dólares das companhias ao nível do mundo. A região da África e do Oriente Médio (AME) é responsável por 85% do total de fundos bloqueados, equivalentes a 1,1 mil milhões de dólares.

PERDÃO DE JUROS DA DÍVIDA COM A CHINA PODE AMAINAR A SITUAÇÃO

Apesar do cenário preocupante, Edgar Chuze reconhece como positiva a decisão da China de perdoar os juros da dívida moçambicana e financiar parte do Orçamento do Estado, por aliviar temporariamente a pressão sobre as reservas cambiais. Contudo, deixa um aviso: “Nada é dado de graça nas relações bilaterais.” Para o economista, o país deve assegurar que o perdão da dívida não acarrete custos políticos ou económicos superiores ao benefício imediato.

Chuze defende ainda medidas urgentes e transparentes para restaurar a confiança no sistema financeiro e travar a degradação da economia moçambicana.

Chamado a reagir ao assunto, o economista Gift Essinalo alerta que o alívio que poderá sair deste perdão de dívida deve ser usado para a recuperação económica.

“O perdão de juros da dívida concedido pela China deve servir para criar espaço fiscal e estimular a economia, e não para contrair novas dívidas. Caso contrário, o país arrisca-se a ver a sua classificação financeira degradada e perder a confiança dos investidores internacionais”, advertiu.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos