Tive a felicidade de ser escalado para cobrir o funeral de Nomzamo Winifred Madikizela-Mandela ou simplesmente Winnie Mandela. Cheguei a Joanesburgo quatro dias antes. Em toda a parte por onde andei, no centro da cidade e no Soweto senti que não haviam dúvidas que a única Mãe da Nação sul-africana chama-se Winnie Madikizela-Mandela. Este sentimento podia ser notado entre brancos e negros, idosos, jovens e até crianças.
Todos tinham a clareza de que sem ela talvez Nelson Mandela podia não ter se tornado naquilo que foi e que mais do ninguém ela enfrentou de peito aberto e mesmo nas suas barbas o regime do Apartheid. Winnie esteve sempre ao lado das vítimas da brutalidade do regime, esteve ali com as mães das crianças das Escolas de Soweto vítimas do ataque do regime a 16 de Junho de 1976. Por isso ela sempre disse “eu sou produto do meu país e produto dos meus inimigos”, porque ela sempre esteve em Soweto nos momentos mais sombrós do regime do Apartheid e as lideranças do ANC nunca a compreenderam porque nesses momentos ou estavam na cadeia ou no exílio. Pelo que ouviam falar das brutalidades, quando ela as sentia na pele.
Mas o carinho e compaixão que atravessaram a África do Sul desde o dia 2 de Abril levaram-me a uma profunda introspecção e com a seguinte pergunta a rodar na minha mente: afinal quem é a Mãe da Nação moçambicana? Isso me fez percorrer por diferentes figuras femininas que deram a sua vida pela libertação e construção do Estado moçambicano.
A na minha introspecção esbarrei-me com a figura de JANET MONDLANE. De todas as figuras que me ocorreram, nomeadamente Josina Machel, Marcelina Chissano, Graça Machel, Marina Pachinuapa, Celina Simango, entre outras a que tem uma história que a todos níveis pode ser considerada Mãe da Nação moçambicana para mim é Janet Mondlane.
Apesar de ter nascido norte-americana Janet Mondlane é moçambicana de gema. Ela aceitou casar com um negro de Manjacaze contra a vontade dos seus pais e familiares. Aliás até os missionários suíços que ajudaram Eduardo Mondlane estavam contrários a esse casamento com receio de que este desistisse de regressar a Moçambique para lutar pelo seu povo. Mas Janet contrariou isso, veio a Moçambique pela primeira vez em 1960 com o seu marido e se convenceu de que devia apoiar incondicionalmente Eduardo Mondlane na sua empreitada. Aceitou que seu marido abandonasse o emprego nas Nações Unidas em Nova Iorque e o de professor na Universidade de Syracuse para irem se instalar em Dar Es Salaam juntamente com os seus filhos menores. Abandonou a certeza de uma vida confortável para a incerteza em África.
Aceitou que o seu marido liderasse uma guerrilha contra o colonialismo português contra todos os riscos que isso representava para ela e seus filhos, até porque é branca o que na parte significativa dos guerrilheiros da Frelimo era o inimigo a abater. Dai que houve muitos conflitos dentro da Frelimo no esclarecimento de que o inimigo era o colonialismo português e não os brancos.
Janet teve um papel importante na diplomacia da Frelimo, ajudou a angariar recursos financeiros para a luta, mas sobretudo para a formação dos moçambicanos que depois a independência deviam assumir as rédeas do Estado moçambicano. Exemplo disso é o Instituto Moçambicano, as bolsas de estudos para vários países do ocidente de que se beneficiavam muitos jovens. Aliás numa entrevista que um antigo combatente me cedeu há alguns anos disse que chegados a Dar Es Salaam uma das perguntas que se faziam era se queriam ir aos treinos militares ou continuar os estudos.
Ou seja, enquanto Eduardo Mondlane e seus camaradas dirigiam a luta armada e política, Janet Mondlane e outros lideravam a formação de intelectuais moçambicanos. Mas o patriotismo de Janet foi demonstrado após o assassinato de Eduardo Mondlane.
Ela continuou com a Frelimo e os seus filhos envolvidos na luta até à independência. Mesmo assim ela continuou a ajudar a edificar o Estado moçambicano desempenhando várias funções sempre no âmbito social. A última das quais como Secretária Executiva do Conselho Nacional de Combate ao Sida. Mesmo com idade avançada e seu estado de saúde debilitado ela continua firme entre nós e na nação que ela ajudou a construir.
A Frelimo sempre disse que construiu o Estado Moçambicano tendo como base a experiência de gestão da Luta Armada de Libertação Nacional, assim como das Zonas Libertadas por isso tenho sempre defendido que as bases fundacionais do Estado moçambicano foram criadas a 25 de Junho de 1962. Aquela Frelimo criada naquela data até à independência era o Estado Moçambicano que funcionava no exílio e a 25 de Junho de 1975 apenas tomou posse do seu território e a partir dai transferir o poder para Maputo e redimensionar as suas funções e competências. Por isso a memória das pessoas que deram a vida antes de 1975 são património do Estado Moçambicano e não do partido Frelimo que nasceu em 1977. Dai que nunca entendi porquê tiraram Eduardo Mondlane das notas do Metical.
Por todos estes e outros elementos penso que Janet Mondlane é a nossa Mãe da Nação. Devemos em parte a sua luta e determinação o Estado que temos hoje e devíamos dar a ela esse reconhecimento quando ainda está viva. Infelizmente Winnie Mandela não pôde ver a África do Sul curvar-se perante ela, antes pelo contrário viveu os últimos anos julgada e mal falada e para mim todo aquele carinho soube a pouco porque ela não pôde testemunhar. Mas nós podemos fazer diferente com a Janet e mesmo com Marcelino dos Santos enquanto ainda vivem. Pior porque os jovens de hoje praticamente não conhecem essas figuras importantes. E um povo que não conhece a sua história e não reconhece nem valoriza seus heróis está definitivamente condenada ao fracasso.
Que Deus abençoe Moçambique