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Advogados criticam a falta de separação de poderes em Moçambique

Foto: O País

O bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique diz que a falta de separação de poderes no país constitui um grande desafio na implementação de uma justiça centrada no cidadão. Por seu turno, o Presidente da República diz que ninguém tem medo da separação de poderes e alerta que é preciso respeitar a Constituição da República.

O Presidente da República abriu, esta quarta-feira, o ano judicial 2023, num contexto em que se celebram os 45 anos de implantação do sistema de justiça em Moçambique.

Na ocasião, a Ordem dos Advogados de Moçambique defendeu que, apesar dos avanços registados, o poder judiciário continua dependente de outros poderes, tudo por causa da não separação de poderes no país.

Segundo o bastonário da Ordem dos Advogados, do ponto de vista formal, houve reformas que permitiram uma maior separação de poderes, como a direcção do sistema judicial, que deixou de competir ao Ministério da Justiça e os tribunais deixaram de prestar contas ao Parlamento, mas há ainda muito a ser feito.

“O facto de ser da competência do Presidente da República nomear o presidente e vice-presidente do Tribunal Supremo, presidente do Conselho Constitucional, presidente do Tribunal Administrativo, nomear, exonerar e demitir o Procurador-geral e vice-procurador geral da República é uma marca que, no nosso ponto de vista, ainda exige que se aprimore a separação de poderes, sendo o nosso entendimento que estes devem ser eleitos por seus pares e investidos pelos presidentes dos seus conselho de magistratura”, defendeu Duarte Casimiro, bastonário da Ordem dos Advogados.

Presente no evento, o Presidente da República ouviu a inquietação da classe dos advogados e respondeu de imediato: “Ninguém tem medo de separar os podres. Se a nossa Constituição assim ditar, teremos que cumprir. Estamos a cumprir o que vem na Constituição. Por isso, não é assunto para repetir. Reafirmamos que, para nós, o fortalecimento do poder judicial constitui uma prioridade absoluta. Estamos a tentar dentro da lei, financeiramente, ver soluções viáveis”.

Apesar deste desafio, Filipe Nyusi fez uma avaliação positiva do Estado de direito democrático em Moçambique, nos últimos 45 anos.

“Embora haja um longo caminho a percorrer, alguns ajustamentos a fazer, muitas imperfeições por corrigir, o balanço dos 45 anos da justiça moçambicana é positivo e, sobretudo, encorajador. Hoje, encaramos o futuro com confiança nos nossos juízes e tribunais judiciais, em particular, mas no aparelho judiciário no seu todo, que a cada etapa se enrobustece”, acrescentou.

No entender do Presidente da República, o terrorismo, o branqueamento de capitais, a corrupção, os raptos e outros crimes transnacionais constituem desafios actuais do sector da justiça.

“Estamos a trabalhar no sentido de sofisticar o SERNIC, porque, às vezes, há alguns crimes que precisam de ser esclarecidos com alguma perfeição, com alguma sofisticação, que outros países têm e que nós não temos e precisamos para poder chegar a esses níveis e vamos chegar”, garantiu Nyusi.

Na sessão da abertura do ano judicial, o bastonário da Ordem dos Advogados disse ainda que os avanços e recuos no pagamento de salários, com base na Tabela Salarial Única, constitui uma violação dos direitos fundamentais dos cidadãos.

“HÁ FALHAS NA FISCALIZAÇÃO DAS LEIS”

Durante a abertura do ano judicial, a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, disse que, mais do que criar, é preciso que haja implementação efectiva das leis, para pôr fim aos índices de criminalidade no país. Já o Presidente do Tribunal Supremo defende a unificação de jurisdições para acelerar os processos judiciais.

Foi fazendo uma avaliação da situação da justiça, avanços e recuos do sistema de justiça no país, ao longo dos 45 anos, que a Procuradora-Geral da República disse ter-se assistido a uma evolução inquestionável, principalmente no que tange à criação de leis, porém há ainda desafios na implementação.

Buchili disse que, ao longo do tempo, o país constituiu legislação capaz de garantir a consolidação do Estado de direito democrático, por isso o desafio que é colocado ao país, salvo emendas necessárias, não é mais da produção legislativa, mas sim da implementação efectiva das leis.

“Não podemos, por exemplo, continuar a registar acidentes de viação, construção desordenada, exploração ilegal dos recursos, violação dos direitos do consumidor, com consequências graves para a vida humana, por simples falta de controlo e fiscalização das leis, bem como da responsabilização dos infractores”, disse.

Para a magistrada, não é possível construir um Estado que se quer que seja de justiça democrática, sem um processo claro de prestação de contas, implementação efectiva das leis, fiscalização das actividades socioeconómicas, por isso o desafio actual passa por reforçar os órgãos do Ministério Público, contando com o envolvimento dos órgãos de competência privada, organizações da sociedade civil, dos cidadãos e demais actores nas diversas áreas.

E, segundo a Procuradora-Geral, uma das formas para ultrapassar este desafio é o aprimoramento das técnicas de investigação, através da formação especializada dos quadros do Ministério Público, incluindo investigadores e aquisição de equipamentos adequados aos desafios actuais e futuros.

“Com o reforço dos meios humanos e materiais e aprovação prevista, ainda neste trimestre, do Plano Estratégico do SERNIC, como polícia científica, estaremos mais preparados para o enfrentamento da criminalidade, que o país e o mundo enfrentam”, explicou Buchili.

Por seu turno, Adelino Muchanga, Presidente do Tribunal Supremo, propôs a unificação de jurisdições, como forma de garantir celeridade nos processos e reduzir custos, tendo em conta a carência financeira que o país vive, bem como o número de processos pendentes por ano, nos tribunais.

“A existência de tribunais unitários ao nível da cúpula, com um tribunal de última instância, proporciona uma maior eficiência funcional judicial; traz vantagens no domínio e interpretação das leis; reduz a ocorrência de conflito de competências; facilita a uniformização da jurisprudência dos vários ramos do direito e concorre para o desenvolvimento”, defendeu Adelino Muchanga.

Segundo Muchanga, trata-se de um modelo que se alinha com os modelos da região e melhor se ajusta a um país como o nosso, que ainda se debate com a limitação de recursos, que, por isso, devem ser geridos de forma racional.

A abertura do ano judicial 2023 está subordinado ao lema “25 anos consolidando o Estado de direito democrático”.

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