É um facto que o país enfrenta enorme desafio no que concerne à alfabetização da língua portuguesa. Simultaneamente, o desafio duplica-se porque também temos a necessidade de investir cada vez mais na revitalização das línguas bantu. Esta pretensão deve vincar porque as línguas, em geral, são os instrumentos através dos quais a cultura é apreendida, transmitida e transformada.
No último artigo publicado neste jornal referimos que certas línguas bantu poderão extinguir-se nos próximos 500 anos por estarem muito circunscritas ao seu lugar de ocorrência e, acrescentamos, se não houver políticas de revitalização que consistam em garantir que as futuras gerações preservem todo um legado das anteriores gerações. Este cenário meio apocalíptico tem razão de ser, afinal em vários contextos as línguas bantu são subalternizadas. Assim, os jovens investem mais em idiomas europeias porque fornecem muitas oportunidades de afirmação social. Em outros casos ainda, línguas como xirhonga, xiyao e xichangana vão sendo engolidas pelo português.
Seja como for, no presente, há uma vitalidade que se deve reconhecer às línguas bantu. Se, por um lado, a língua portuguesa é a oficial, que abre portas para o ensino, instrução e emprego, por outro, as bantu são os grandes veículos usados, por exemplo, na aproximação dos africanos aos seus ancestrais, sobretudo em contextos tradicionais e rurais. Nestes universos, inclusive, as línguas bantu representam uma demonstração de respeito, de tal forma que quando os mais novos se dirigem aos mais velhos, por mais que ambos saibam falar português, usam a bantu para resolver determinados tipos de problemas.
Assim o é porque as línguas encerram em si o imaginário de um povo e todo um conjunto de crenças ou convicções que de modo nenhum podem ser traduzidas. Como que assumindo que a tradução pode falhar, determinadas questões são mesmo tratadas tendo em consideração as línguas que melhor representam a cultura.
Entre os locais em que as línguas bantu revelam a sua vitalidade estão as igrejas, onde as pessoas ainda aprendem a escrever, a ler e a aperfeiçoar a fluência. Durante a pregação e/ou homilias, muitas vezes, os padres ou pastores usam-nas para reiterar ensinamentos da Sagrada Escritura, por reconhecerem que a palavra divina chega da melhor forma quando se usa uma língua materna mais enraizada na comunidade. Do mesmo modo, a rádio e a televisão públicas, bem como diversas rádios comunitárias, informam os seus ouvintes ou telespectadores com recurso às línguas locais, nas zonas onde o português é falado por uma minoria.
Há alguns anos, o Ministério da Educação adoptou certas línguas bantu para a educação bilingue. A ideia era facilitar a integração dos alunos que têm como língua materna uma local bantu. Com ou sem êxito, a decisão demonstrou haver um interesse ministerial de tornar o ensino o mais inclusivo possível. A decisão, ao menos, venceu o preconceito colonial que proibia de, no recinto escolar, os alunos comunicarem-se nas suas línguas locais. Desta forma, levou-se à sala de aulas todo um património etnolinguístico e cultural. Sem censura, porque, nos casos em que os alunos não conseguiam dizer alguma coisa em português, poderiam recorrer à língua bantu.
Ainda há alguns anos, a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane abriu o curso de Línguas Bantu e os estudantes dos cursos como Linguística, Literatura ou Ensino de Francês, por exemplo, passaram a ter de escolher estudar um idioma local de Moçambique. Todo isto são evidências da vitalidade das línguas bantu. No entanto, essa mesma vitalidade deve ser prolongada e perpetuada, para que amanhã a história e a cultura de Moçambique não se percam.