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A representação do poder em Dany Wambire

A política democrática proporciona, igualmente, um escape para as personalidades ambiciosas

Francis Fukuyama

Há cada vez mais bons livros infanto-juvenis no país, nos quais, crianças e adultos reencontram-se na Humanidade que lhes é comum. Durante anos, tivemos défice daquele tipo de literatura, mas agora, a qualidade acompanhada com a quantidade está a trilhar um percurso assinável. A continuar assim, “Os meninos de Huambo” – e quem diz Huambo sugere Nicuadala, Machipanda, Macanga ou Infulene – resgatarão o calor da fogueira africana no papel. Precisamos muito desse calor que nos mantém imortais na nossa integridade; precisamos de mais páginas brancas e limpas, nas quais possamos realizar o sonho de fazermos das estórias bem contadas um modo de vida.

À parte o exórdio, um dos bons livros infanto-juvenis publicados em Moçambique é Quem manda na selva, de Dany Wambire, título que nos lembra um outro, “Quem manda aqui?”, de Paulina Chiziane. Nesta fábula, como é hábito, com valores a transmitir, Wambire conta, simultaneamente, uma estória divertida e outra grave. Em ambas é descrita uma intensa disputa, feita de artimanhas e vingança. O que move todos esses comportamentos é a ambição na luta pelo poder. Nessa contenda, destacam-se dois grandes amigos: o gato e o leão. “Ambos eram ambiciosos: queriam dirigir uma região. Então, combinaram amavelmente que o leão fosse o rei de lá, e o gato fosse o rei de cá. Ou seja, o leão teria o poder sobre a Selva da Gorongosa, enquanto o gato teria o poder sobre a localidade de Nhambita.” (p. 5). Para o efeito, os mamíferos fizeram uma lista e dividiram os animais que seriam subordinados de cada. Aí criou-se uma política democrática, apenas para o benefício dos reis. Mas, mesmo em democracia, quando existem partes autoritárias, o descontentamento generaliza-se. Foi o que aconteceu, quer na Selva quer em Nhambita. E com o descontentamento popular, a arrogância dos reis leão e gato, misturada com incompetência, aumenta, de tal modo que os protagonistas acabam sendo vítimas do respectivo canibalismo, já sem a amizade de outrora.

Este livro, ao partir daquele eterno “era uma vez…” que embala toda criança, desafia o leitor a lê-lo enquanto estabelece um paralelismo entre o universo fictício e a nossa realidade. Na selva da Gorongosa e Nhambita, mais do que animais, estão representadas atitudes humanas. Na verdade, o leão e o gato são construções metafóricas do que escolhemos ser como país. No livro estamos todos, divididos, ora à procura de uma corrente de água limpa para beber ora à espera que um sacrifício, como o do rato que deu a vida para salvar o gato, tenha um retorno favorável a maioria.

Está claro. Quando Dany Wambire descreve dois regimes, em Quem manda na selva, questiona a força do poder e se nessa força existem alternativas diferentes, genuínas. Quiçá, por se dirigir às crianças, o recurso ao eufemismo – figura estilística aqui sempre acompanhada pela metáfora e personificação – constitui uma maneira de disfarçar a complexidade que a narrativa encerra. Em Quem manda na selva encontramos um Moçambique conflituoso e as causas prévias dessa condição social.

Quem manda na selva possui um forte teor político, vulgariza a inteligência dos governantes que, como o rei leão, aconselham-se mal – por exemplo, o episódio em que o leão manda desviar o rio Púnguè da Gorongosa –, e valoriza as maquiavelices resultantes da sedução do trono. Não para as promover, mas para as inferiorizar. O livro retrata a maldade dos Príncipes, já agora, para mostrar como têm terminado: odiados, isolados e traídos.

 

Título: Quem manda na selva

Autor: Dany Wambire

Editora: Fundza

Classificação: 16

 

 

 

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