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A reinvenção do ser – e a dor da pedra

Armando Artur é um poeta moçambicano que dispensa apresentações, porém, pessoalmente, julgo indispensável que se lhe apresente à comunidade interpretativa da literatura do nosso país, mesmo que isso se afigure uma redundância. É uma ênfase necessária. Acredito que exista uma considerável ala de apreciadores interessados da literatura moçambicana que ignore, sua obra poética, os seus pródromos, como um dos vates desta parcela oriental de África, que banha os seus pés no mar Índico.

Ele é já dono de uma vasta obra literária, entre textos poéticos dispersos e uma bibliografia de se lhe ter respeito. É produto do movimento Charrua, que teve como seu palco inicial a AEMO e, posteriormente, o território moçambicano, na década 80 do Século XX. A Charrua é, portanto e confessadamente, “o seu berço literário”, ombreando com Eduardo White, Hélder Muteia, Juvenal Bucuane, Ungulani Ba Ka Khosa, Tomás Vieira Mário, Marcelo Panguana e tantos outros arautos da jovem e pioneira revista nacional de literatura. Já lá vão cerca de 35 anos que ele participou intensamente no movimento da reinvenção da literatura moçambicana e da dor que tal intrepidez custou aos fundadores da Charrua, a primeira Revista Literária Moçambicana, pós-independência.

Nesta mais recente obra do poeta Armando Artur, depara-se, logo no seu poema inaugural, a necessidade reinventiva que este autor tem em ralação ao Ser, e foi na sequência da obra que outros elementos formativos do planeta terra se transfiguraram para exprimir a dor da reinvenção do ser: “Não sei o que havia antes do nada”. Linda confissão de reconhecimento de que algo existia, daí a proposição da reinvenção. Por tal certeza existencial de algo, Artur, apenas manifestando as suas limitações epistemológicas sobre o advento da terra, humildemente assevera que: “Só sei que tudo começou quando o nada se amotinou contra o seu próprio nada. Apareceu então uma nuvem de gás e poeira que, cansada da sua tristeza e solidão, decidiu recolher-se dentro se si mesma, no seu alvéolo de silêncio. Assim ficou sólida e fria, mas resoluta do seu propósito de querer ser. No entanto, por causa da urgência de ser, no seu interior ateou-se fogo e plasma. E foi quando expeliu ar e lume, lava e vapor de água que se transformaram em planeta terra.”

Este poema é a essência desta obra, pois, outros factores, afinal elementos não menos importantes na sua textura, vêm por acréscimo a tão basilar tese Arturiana da Reinvenção do Ser. Tais são os casos “Das suas águas profundas” que escondem “no eterno movimento das suas ondas, ante o olhar cúmplice e melancólico da lua.” O que a dialéctica universal fez que o poeta nos revela: “A bio tornou-se, desde então, categórica e inadiável, como a luz que vem das estrelas distantes.” E nos interstícios desta reflexão que o sujeito poético se expõe: “Cada quantum de luz que trespassa o meu ser leva sempre consigo uma fracção do meu passado. Aqui estou, como que no prelo da minha própria reedição. Qual postscriptum impresso do avesso!” O amor, sobretudo este nobre sentimento afectivo, e outras manifestações humanas que o sujeito poético esgrime, são, enfim, pendulares, vêm arrendilhar todas as bordas ou dobras, recantos estruturais do vizinho de outras formações planetárias, suplantadas “pela sua figura alpina e aquosa, azulada e acinzada, formosa e chistosa como uma joaninha ensaiando a passarela da próxima aragem.”, na grande transfiguração assente no conceito que explica “A reinvenção do ser e a dor da pedra”. Acresce-se, pois, a este profundo desiderato do autor, o advento de tudo o que vem habitar o Ser reinventado, que, ao mesmo tempo, vem tirar da pedra, a dor, para a inculcar no profundo sentir de cada novo ser consubstanciado na humanidade.

O filósofo José Castiano, encarregue de apresentar, publicamente a obra, não poderia escolher outro caminho para explicar aquela profunda obra que hipotetisa o concurso de diversos factores que estiveram na essência da formação do planeta terra e dos seus conteúdos, senão enveredar pelos conceitos filosóficos que atestam o seu surgimento. Acreditando ser, aquela, uma obra de difícil interpretação, Castiano não se poupou na busca de trocados vocabulares para ajudar na acessibilidade aos mistérios que envoltam esta obra literária de Armando Artur.
 

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