A vida é um grande baile de máscaras e cabe a nós desvendar o que tem detrás de cada máscara
Rafael Silveira
Rafael Silveira
Já dizem adágios populares: “não se julga o livro pela capa” e “as aparências enganam”, facto que é sustentado artisticamente por Júlio Xirinda, com o quadro denominado “Shii Vendedeiras de Frutas Mesmo”.
Com recurso à técnica de acrílico sob tela 120 x 120cm, Júlio Xirinda, discute a complexidade da prostituição e as suas máscaras na esfera social, oferecendo muitas interpretações e conclusões ao espectador sob o domínio das metáforas.
Na história da humanidade, o negócio das frutas sempre foi infalível. Mulheres, adolescentes e jovens, com bacias à cabeça contendo frutas, sempre se fizeram às ruas, esquinas e principais avenidas da cidade para as vender, como forma de sobrevivência e, há quem diga pôr pão na mesa.
E porque dignidade não paga as contas e a imoralidade em alta, na medida que o tempo passara, as frutas propriamente ditas deixaram de ser meramente frutas e ganharam outros significados que, certos grupos específicos as conhecem e consome. Continuaram a ser vendidas, mas, não mais em bacias, em principais avenidas, ruas, esquinas, bares até em discotecas, envolvendo quase todas faixas etárias. É um negócio que geralmente flui em horários preferencialmente nocturnos.
As razões por detrás das vendas divergem opiniões: ora por diversão, porque a vida é curta, ninguém sabe de amanhã, desemprego, enfim são várias desculpas para justificar actos de imoralidade que nos últimos tempos tem assaltado a sociedade, sobretudo a nova geração.
“Shii” por detrás das “vendedeiras de frutas mesmo”, há sim uma razão ou explicação por detrás do negócio, aliás, máscaras por desvendar.
Para quem aprecia a obra, de primeira, capta um simples quadro. Na verdade, é preciso um empreendimento avultado de atenção para a sua descrição: desde mulheres, frutas, folhas das fruteiras e diversos.
Júlio Xirinda apresenta quatro (04) mulheres, em um cenário aparentemente vibrante, cercadas por elementos que remetem a um ambiente urbano e festivo. No entanto, ao observar com mais atenção e de forma minuciosa, percebe-se que as frutas, símbolo de vida e abundância, servem como metáfora para a sexualidade e a exploração das mulheres com razões por desvendar.
Em um lugar como um bar/discoteca ou mesmo prostíbulo, as negociantes de frutas reflectem o lugar referenciado, exibindo-se e exibir as frutas nocturnas (partes do corpo) para além das bebidas alcoólicas que estimulam outra face oculta das mulheres para esquecer um pouco a dignidade humana enquanto ser racional. São mulheres que comovem, dão pena, fazem questionar o sentido da vida e, por vezes, deixar cair um rio de lágrimas pela profundidade do cenário, sobretudo a postura de cada uma delas.
As mulheres vendedeiras, com os seus gestos corporais revelam o quão não se identificam com o negócio. Devem fazer porque não tem outra saída. Ambas sentadas no sofá, revelam semblantes tristes como quem não quer estar naquele lugar, mas, não há nada que lhes resta se não ali estar. Há quem tenta esconder a cara, pegar no seu peito, limpar um rio de lágrimas e há quem pura e simplesmente lamenta a sua desgraça e das companheiras sem sequer abrir a boca.
A figura da mulher que se pega na cabeça, expressando frustração e desespero, por exemplo, ressoa profundamente, evocando empatia. Essa representação evidencia as lutas internas e as pressões sociais enfrentadas por muitas mulheres, lembrando que, por trás de sorrisos e cores, pode haver histórias de dor e resistência.
Ambas são queixosas, mas palavras não são suficientes para expressar as suas inquietudes, insatisfações, dores, sofrimento e tudo o que fulmina a alma, mas o semblante, os gestos corporais são sim uma resposta de inúmeras preocupações que aflige as pobres mulheres com alma dolorida e fulminada num só olhar.
Fugindo um pouco do imaginário que Júlio Xirinda nos propõe a reflectir, há sempre esquinas e avenidas em cada zona do país para vender as frutas. Na capital do país, Maputo, dentre várias esquinas destaca-se qui a Avenida 25 de Setembro, por exemplo. Quem por ali passa a partir das 18 horas até a madrugada, muito bem sabe o que lá se passa. São jovens, adolescentes e adultos vendendo a sua dignidade em troca de dinheiro, por vezes, por um prato de comida, álcool e outros bens materiais como se tem relatado.
Por outro lado, Xirinda retrata a realidade social contemporânea, destacando a complexidade da vida das mulheres que vivem à sua sorte ou socialmente excluídas. O quadro pode ser interpretado como à falta de oportunidades, reflectindo uma sociedade que ,muitas vezes, força as mulheres a escolherem entre a sobrevivência e a dignidade.
A dualidade entre o aparente colorido e a realidade sombria é central na obra. As mulheres, apresentadas como vendedeiras de frutas simbolizam não apenas a venda de produtos, mas também a venda de seus corpos.
Xirinda utiliza cores vibrantes e composições dinâmicas para atrair a atenção, contrastando com a gravidade do tema. Essa escolha estilística provoca uma reflexão sobre a superficialidade das aparências, sugerindo que o que parece festivo e atraente pode esconder realidades tristes.
Portanto, “Shii Vendedeiras de Frutas” é uma obra que transcende a simples representação visual. Através das quatro mulheres com semblantes tristes, Júlio Xirinda provoca uma reflexão crítica sobre a exploração das mulheres, desafiando o espectador a confrontar as realidades sociais que permeiam nossas vidas. O quadro serve como um lembrete profundo de que as escolhas muitas vezes não são escolhas, mas reflexos de um sistema que marginaliza e oprime.