Pedro da Silva Pinto pode ser definido de várias formas: cantor, compositor, artista multifacetado e etc. É uma voz universal, distinta, que faz da sua vocação uma experiência de viagem sem desejo de regresso. Quiçá por isso, na sua noite de “Cinzas”, título do concerto realizado sexta-feira, no Auditório do Franco-Moçambicano, em Maputo, primeiro, os processos criativos do autor embalaram e conduziram o público a um lugar qualquer, distante o suficiente para não se julgar haver vida além daquele centro cultural.
Bem acompanhado pelos seus amigos artistas, Muzila (voz, saxofone e flauta), Texito Langa (bateria), PIZZAWPINEAPPLES (guitarra e voz), Chris Born (piano) e João Graça (efeitos visuais), Pedro da Silva Pinto provou que uma residência artística de apenas 10 dias, árdua, no Franco, pode resultar num concerto memorável. Pausado. Terno. Imprevisível. A noite de “Cinzas” de Pedro da Silva Pinto foi sobretudo isso: imprevisível, pois, continuamente, desconstruiu ideias, estereótipos e perspectivas. Também por essa razão, os 45 minutos de música ao vivo soaram como uma ode à arte de calar, escutar e sonhar acordado com algumas doses inefáveis de introspecção.
No Auditório do Franco, “Cinzas” foi tudo menos um concerto vulgar. Com os temas interpretados absolutamente irmanados (ainda sem títulos), os artistas apresentaram ao público a música como um acontecimento emocional, despertando nas pessoas a melancolia de que elas paradoxalmente e/ou eventualmente precisam para serem felizes.
Não obstante a sintonia entre os artistas, o suspense sempre no ar a suportar a ideia de que viria mais alguma coisa além do que estava no palco, “Cinzas” foi um acto de fé, de esperança e de aproximação individual; um acto sobre a dor de sentir o que a música transporta nos seus acordes e nas suas possibilidades; um acto de amor ao masoquismo; um acto de tornar as coisas graciosas por via de propostas minimalistas. Ali encontramo-nos com os seres que nos habitam, com a paz e com o que a catarse deve e pode significar.
Longe da música pimba, Pedro da Silva Pinto apresentou no Franco um projecto ao vivo supostamente orgânico. Como se ensaiasse, cantou, tocou piano e viola baixo. Irrequieto. Desconstruindo, igualmente, aquela velha estrutura das bandas, em que o artista geralmente cumpre a mesma função em todo o espectáculo. Com Pedro da Silva Pinto não é assim que funciona. Nem com ele e tão-pouco com Muzila, que, no concerto, também cantou, tocou saxofone e flauta. Tudo a condizer num palco relativamente escuro, pois, assim, os efeitos visuais de João Graça puderam fazer sentido.
Ao estilo/ritmo do jazz, a noite de “Cinzas” de Pedro da Silva Pinto foi essencialmente um concerto para atiçar a arte de sentir com os outros o que move o coração.