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“A música clássica está numa fase de reinvenção” – José Olivetti

O compositor mais influente de todos os tempos, Ludwig Van Beethoven, disse que a música é a revelação superior a toda sabedoria e filosofia. Sentamo-nos com o mestre venezuelano, José Olivetti, para nos revelar as ideias mais “supremas” que tem sobre a música clássica. Encontra-se em Maputo no âmbito do “Xiquitsi”.

O que lhe move a dedicar-se a música clássica em Moçambique?

A paixão por ela é o motivo principal. E tudo ganhou vida quando fiz um trabalho conjunto com a professora Kika Materula e aceitei vir cá. Mas devo dizer que o que me move é a paixão pelas notas clássica, pela orquestra e por ensinar os outros.

Que representa o mestre José António Abreu para si?

Como venezuelano me sinto muito orgulhoso por ter conhecido esse grande maestro. Ele foi meu maestro por muito tempo. Ele era uma pessoa que acreditava muito no potencial musical dos mais jovens. Ele apostou e deu toda a sua vida à juventude pois tinha a convicção de que a arte, a música possuem um elemento essencial no processo do crescimento social e espiritual. Via uma grande importância da orquestra, porque para ele a orquestra devia funcionar como uma sociedade. Todos deviam tocar em grupo com mesmo objectivo, fazendo parceria, unindo-se no grupo e assim criar a música, essa dependência e responsabilidade de cada um proporciona um crescimento harmonioso e saudável numa orquestra.

Que papel tem música clássica na sociedade?

A música clássica tem um grande papel na sociedade, visto que ela proporciona a componente imaginária de quem a ouve. Outras músicas são fáceis de ouvir porque despertam para dança e outras nos obrigam a cantá-las, mas quando a música vem de uma orquestra equipada de instrumentos reais somos obrigados a imaginar o conteúdo que ela nos traz. Pode ser uma cantiga de um amor negado, uma história sobre guerra e isso requer imaginação. Toda música é boa, mas a clássica leva-nos a reviver tempos, compositores antigos e sentimentos quase esquecidos.

Parece que a sociedade “perdeu” o culto à estética musical. Ainda vale a pena apostar na música clássica?

Vale a pena, sim. O projecto da professora Kika Materula, de sensibilizar o povo moçambicano a acreditar que a partir da música clássica é possível resgatar valores sociais que pouco a pouco se perdem, é importante. É preciso mostrar aos mais novos que os valores que se transmitem quando se joga a bola ou a responsabilidade que se toma numa equipa profissional existem também numa orquestra. E quando as pessoas começarem a perceber que os jovens estão a criar música clássica, um estilo musical historicamente muito importante, com certeza aderirão aos concertos e assim a música clássica será ouvida por muita gente.

Nosso país não possui uma tradição de música clássica. Que desafios tem enfrentado como professor desse género musical?

Não é fácil, mas também não é impossível. São desafios normais. Venezuela também não possui uma história concreta sobre música clássica. A música clássica chegou como estrangeira. Nós tínhamos, apenas, música tradicional, popular e folclórica. Mas quando muita gente começou a fugir da Europa e fixou-se na América, muitas orquestras foram criadas. E essas pessoas foram formando outras para poderem ensinarem aos demais; assim podemos dizer que eles iniciaram a história da música clássica em Venezuela. Expandiam-se fazendo pequenos concertos, pequenas aulas e assim a música clássica foi se expandindo na Venezuela. Com a professora Kika pretendemos fazer o mesmo cá em Moçambique, formar não só alunos, mas sim professores e instrumentistas que depois formarão e ensinar a outros. Acreditamos que assim popularizaremos a música clássica em moçambique. A história que aconteceu em Venezuela queremos fazê-la contecer aqui em Moçambique.

Muita gente pensa que música clássica é para um camada social elevada economicamente. O que acha dessa ideia?

De facto por um tempo a música clássica foi para uma certa elite, mas hoje ela é divulgada em todo lado para que todos possam ter acesso. A época de Beethoven e tantos outros implantou essa ideia de que a música clássica pertencia a uma parte social. Tenho certeza que se Beethoven e tantos se fossem vivos e vendo sua música sendo tocada em todo lado, interessando a toda gente do mundo, ficariam muito felizes. O que mais agrada agora é que a música clássica está sendo feita por jovens, trata-se duma revolução musical vinda de jovens. Isto é de facto uma nova história. A música clássica já não é feita por uma minoria para uma minoria, mas sim por uma maioria para uma outra maioria.

É importante conhecer a história para se dedicar a música clássica?

É muito importante que os professores transmitam aos alunos, que são futuros professores, a história da música clássica. Quando a história é associada à música clássica acaba despertando o interesse dos alunos pela mesma. A história serve como um lento que contextualiza cada número ou cada composição. Nos alunos, novas perspectivas e novas formas de ver a própria música.

Como professor, quais são as suas maiores referências. Sabemos que o número um é o mestre Abreu?

Sem dúvidas, mestre Abreu é o primeiro. O maestro Gustavo Dudamel, que foi o primeiro aluno de mestre Abreu e agora dirige várias orquestras por todo mundo, ele constitui uma referência musical para mim. E Luiz é no fundo uma referência de motivação.

O que acha da música clássica no mundo?

A música clássica está numa fase de reinvenção. Ela está a reinventar-se. Muita gente acreditava que eram pessoas velhas que tocavam-na, mas agora tudo mudou. O mundo deve investir nisso. Investir em orquestras juvenis para assim difundirem a música clássica cada vez mais. E assim as culturas podiam encontrar-se através da música clássica. E quem sabe assim podemos efectuar a globalização musical. É preciso sempre investir nos jovens. Os jovens são o futuro da música. E música é o único momento, a única arte que nos torna mais perto e próximos.

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