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A mínima ordem após o caos: Uma reforma constitucional do CC e CNE

Depois de uma tremenda convulsão social pós-eleitoral que envolveu sacrifícios e morte de centenas dos nossos compatriotas, a pior derrota que podemos sofrer é voltar à mesma velha casa sem nenhum acordo de esperança que nos inspire um futuro melhor.

Como nação, se nos permitissemos pôr a mão na consciência e reflectir sobre o mal que nos trouxe até este colapso político-social, com facilidade concluiriamos que a Comissão Nacional das Eleições (CNE) e o Conselho Constitucional (CC) é que foram a raiz de todo este desastre sócio-político.

Estes órgãos estatais se tivessem feito o seu trabalho com integridade, responsabilidade e transparência, o inestimável desastre humano e económico em Moçambique não teria tido o espaço. Toda a permanência ou mudança política teria ocorrido de forma pacífica e civilizada. 

Porque o CC e CNE se tornaram os principais vilões na nossa desgraça eleitoral?

sua culpa não recai na sua existência, mas na sua natureza constitutiva. É pouco discutível que estas duas instituições perderam por completo a confiança do povo soberano, por conta da sua composição estrutural que é partidária.

Ora vejamos, segundo o Boletim de processo eleitoral publicado pelo CIP, em Setembro de 2022, a CNE é composta maioritariamente pela Frelimo. Ou seja, dos 17 membros que compõe a CNE, 5 são membros da FRELIMO, 4 da RENAMO, 1 do MDM, 7 da sociedade civil. Entretanto, a mesma sociedade civil é seleccionada pelos partidos políticos, uma condição que permite que a FRELIMO tenha 3 simpatizantes da sociedade civil, a RENAMO apenas 2, e outros 2 são flutuantes.

Esta composição perniciosamente partidária foi almejada pela própria RENAMO, tendo argumentado que não acredita na neutralidade dos cidadãos capazes de compor a CNE e garantir a sua integridade. Seja como for, a prova irrefutável de que a proposta da RENAMO falhou por completo, é esta CNE corrupta e podre tal como se nos mostrou recentemente. Urge uma reforma profunda.

Quanto ao Conselho Constitucional, também é uma instituição que enferma da mesma doença partidária. O presidente deste órgão é nomeado pelo Chefe do Estado, três juízes são da FRELIMO, 2 vem da oposição e um da magistratura judicial. Sendo assim, a maioria é Frelimista, logo o órgão é pró-vermelho, e isso se agrava pelo facto de o Presidente do CC fazer parte do Conselho do Estado liderado pelo próprio partido no poder. Urge a independência constitutiva deste órgão muito importante para dirimir conflitos na sociedade de forma justa e pacífica

Como o CC e CNE deviam ser compostos?

Os dois órgãos deviam ser expurgados de qualquer interferência política no seu seio. Para CNE, a melhor forma de recuperar a sua credibilidade é através de um concurso e  selecção dos representantes da sociedade civil a ser feita pela Fundação MASC, uma organização que superintende as diversas actividades da sociedade civil.

O CC, por sua vez, devia romper as correntes partidárias e construir a sua composição a partir de dentro do universo da magistratura, realizando eleições internas com base na meritocracia, verticalidade e sucesso profissional.

E, não menos importante, de modo a punir comportamentos de alienação e reforçar o espírito de integridade entre os membros de órgãos eleitorais, torna-se necessária a revisão do código penal, no sentido de agravar-se ainda mais as penas relativas a crimes e delitos eleitorais. Penas leves encorajam a proliferação de crimes hediondos que atentam a unidade democrática e nacional.

Enfim, sem reformas profundas desses órgãos, não se pode esperar que o passado e presente sujos da nossa democracia sejam diferentes da desgraça que nos espera no futuro. As coisas só mudam se fizermos algo para que mudem. E acreditem: Moçambique pode, um dia, tornar-se uma referência de um país de válidos processos democráticos que legitimam o poder, basta sabermos tirar lições da nossa presente crise democrática e combinarmos esforços profissionais para que o ciclo de violência eleitoral cesse definitivamente.

Esta é a hora de pensarmos num país que sirva para todos os moçambicanos.

Cobicemos outras nações africanas que já ultrapassaram esses empecilhos de partidarização dos órgãos do Estado e seguem adiante rumo a desenvolvimento humano, enquanto nós continuamos no Top 7 dos países mais pobres do mundo.

A corrupção e a falta da justiça já nos atrasaram o suficiente como nação. Temos de dizer chega de forma racional. Penso, em última instância, que esta é que deveria ser a segunda luta de Venâncio Mondlane e de todos partidos da oposição: lutar para reconstrução de órgãos eleitorais transparentes, livres e justas para que as próximas eleições sejam credíveis e menos problemáticas, caso a grande batalha pela verdade eleitoral seja interrompida.

e-mail: tsembah@gmail.com

 

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