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“A marca Miss Bi é representante de tudo o que quero alcançar na vida”

Mirna Biosse é estilista há quatro anos, no entanto, iniciou-se na costura há 14. Tem sonhos altos – se bem que isso se mede em altura. Um desses sonhos, e, se calhar, o mais ousado, é o de contribuir para o empoderamento da mulher através das suas colecções de roupa. Inspiração, foco, formação, inovação e visão de futuro são algumas palavras que não faltam no seu léxico. Enquanto caminha rumo à concretização dos seus projectos de vida, a estilista resume, nesta entrevista, a sua marca Miss Bi é representante de tudo o que quer alcançar na vida.

 

Mirna Biosse, o que é a moda para si?

Para mim, a moda é arte, que me permite expressar. Cada roupa manda uma mensagem e cria uma percepção na pessoa. Nós trabalhamos muito na concepção da roupa consoante o sentimento de quem a vai vestir, com prazer estético e o conforto que isso cria. Considero a roupa uma peça de arte sobretudo quando tem um conceito à volta.

 

Uma personagem da série televisivaWarrior nundiz qualquer coisa assim: “a roupa não define o que tu és, mas a forma como o mundo olha para ti”.   

Exactamente. E nós, especialistas que trabalhamos na área, é que conseguimos fazer essa tradução para as pessoas. Às vezes, é inconsciente quando alguém veste uma peça que transmite uma mensagem. Agora, no nosso caso, que estamos na área, prestamos mais atenção em pormenores como: tipo de corte, tipo de peça, de cor e no que tudo isso vai transmitir em termos de mensagem. Eu uso as roupas como a minha tinta de pintura. Obviamente, as roupas têm um objectivo.

 

O que é a sua marca Miss Bi, em termos de projecto?

É um percurso de ascensão… A Miss Bi é sobre a mulher que aspiro ser. Trata-se de uma mulher que estou a vestir para ter mais confiança, para se sentir mais bela. As minhas roupas vão sempre nessa direcção porque eu estou a empoderar as mulheres através da moda. A marca Miss Bi é representante de tudo o que quero alcançar na minha vida.

 

Como é que a inspiração funciona no seu caso?

O meu percurso começou quando dei por mim sem nenhuma inspiração. Quis-me inspirar em alguém, mas não encontrei ninguém. Não que não haja exemplos – existem muitas pessoas que admiro –, mas, no meu coração, apareceu uma imagem de mulher. Procurei à minha volta e não encontrei. Essa imagem ganhou vida quando um colega meu chamou-me Miss Bi. Aí eu senti essa inspiração. E essa mulher que procurava e não encontrava, percebi, era eu, num outro patamar, que não podia ser aquele dos 22 anos de idade que tinha na altura. Por incrível que pareça, o que estou a viver hoje, é reflexo da imagem que tive de mim já aos 22 anos de idade – agora tenho 28. Eu acredito muito na visualização, na fé e na ideia de que Deus é que nos dá os sonhos. Então, desde que vi aquela mulher, que era bonita, inteligente e capaz, comecei a trilhar um caminho para chegar a ela. Ou seja, comecei por me empoderar a mim mesma. Por isso, agora, o meu trabalho é empoderar as outras mulheres.

 

Este empoderamento da mulher, que se mistura com auto-estima, como pode contribuir para as suas pretensões como artista e como mulher?

Eu penso que é extremamente crucial, sobretudo actualmente, em Moçambique, uma mulher ser empoderada. Não vamos conseguir alcançar muito em termos de desenvolvimento do país sem as mulheres, que tanto fazem… Às vezes, por não se sentirem capazes e não conseguirem ver o seu valor, acabam por perder, ser exploradas ou em circunstâncias que, com amor próprio e com foco, alcançariam bons resultados. As mulheres que chegam a altos patamares são as que se sentem empoderadas, sabem reconhecer o seu valor e têm respeito por si próprias. Isso é crucial para qualquer mulher.

 

As suas peças de roupa têm muita exuberância. Isto coincide com a sua própria caracterização: “mulher de cor, paixão e de fogo”. O que está por detrás da exuberância nas suas peças?

A minha personalidade. As minhas roupas tentam buscar o que a mulher é interiormente, para que fique claro quem é a mulher em função do que ela veste. Eu gosto de misturar tudo: cores, padrões…

 

Essa mistura de tudo e de padrões faz-se com rupturas?

Os melhores trabalhos da minha vida foram com artistas, porque eles querem algo inovador, irreverente e uma das pessoas que adorei trabalhar com ele é o Picardo. Gosto de trabalhar com ele porque mantem a minha criatividade solta. Claro, não deixo de ficar atenta à personalidade e aos gostos dele. Gosto dessas rupturas e, no fim do dia, o que quero é que as pessoas se sentiam empoderadas, com foco nas mulheres.

 

Além da exuberância, as suas peças têm muita capulana, como calha em muitas estilistas moçambicanas…

Quando comecei, eu misturava capulana em tudo. Não gosto de usar apenas a capulana. Gosto de a juntar com outros tecidos, tentando modernizar. Até há quatro anos, altura em que me profissionalizei, eu estava na capulana. Agora, com o desenvolvimento e com o chegar dessa mulher que se chama Miss Bi, vejo que quero vestir mais a ela. Eu própria estou a aperceber-me que me estou a tornar mais executiva e formal na roupa. Em qualquer carreira o artista vai-se desenvolvendo com o percurso. Sinto que tenho menos capulana nas minhas peças, mas não vou deixar de a usar. O que realmente quero é modernizar a capulana para que Moçambique tenha um diferencial em relação a outros países. Tenho uma visão futurista em relação à capulana, uma visão 2050. Estou a trabalhar muito nisso.

 

Há duas semanas fiz esta pergunta à Henriqueta Macuácua, designer e que tem uma tese de mestrado sobre capulana. A ela coloquei a mesma pergunta que agora coloco a si: acha que a capulana é comercialmente viável ao nível internacional, no modelo usado pela moda moçambicana?

Vende muito bem. Vende mais do que o mercado moçambicano. Eu tenho uma colega estilista que, neste tempo de Estado de Emergência, teve uma redução enorme em termos de venda, porque vendia mais para estrangeiros [ela trabalha com capulana]. Eu acredito que fora valoriza-se mais a capulana do que cá.

 

Quais são os grandes mercados que a interessam?

O mercado que mais me interesse é o moçambicano. Eu quero fazer o meu trabalho todo cá. Eu acredito que, daqui para frente, irão surgir imensas oportunidades para sair. Mas, para mim, aqui em Moçambique há bom mercado, somos muitos e todos compramos roupas. Dois, temos muitas ideias de inspiração. O meu grande objectivo é Moçambique todo, e não apenas Maputo.

 

A sua colega estilista teve grande redução de venda neste(s) Estado(s) de Emergência(s). E no seu caso?

No meu caso, a minha carreira teve uma grande ascensão. Quando começou o Estado de Emergência, eu tive um imenso pânico. Fechei o meu atelier por um mês. Tive medo e fechei o meu negócio. Nesse período, estudei e li imenso, aprendi como se expande o negócio através das redes sociais e, principalmente, estudei o mercado. Por causa disso, quando voltei a reabrir, consegui aplicar tudo o que aprendi no confinamento, e estou a tirar proveito disso. Surgiram-me oportunidades de expandir o meu negócio.

 

E uma dessas oportunidades foi o Arte no Quintal. Como foi para si ter a oportunidade de expor o seu trabalho numa iniciativa do Ministério da Cultura e Turismo e da Galeria?

Neste tempo de Coronavírus, é importante estarmos muito relevantes. Expor trabalhos é o que toda gente quer para mantermos a nossa comunicação com o mercado. O Arte no Quintal dá-nos abrangência, que nos permite chegar ao maior número de pessoas possível. Com isso, temos mais probabilidades de trabalho. A minha experiência foi muito conjunta e permitiu-nos dar um show de moda que me permitiu demonstrar ao telespectador o que faço, como e porquê.

 

A moda não se faz sozinho. Como é trabalhar com modelos, fotógrafos e toda gente relevante na área em termos de pagamentos, subsídios e coisas de género?

É um desafio enorme no contexto em que vivemos em Moçambique. Eu recebo mensagens diárias de pessoas que querem ser modelos, mas, ao mesmo tempo, estou a gerir negócio. No país temos um longo caminho por percorrer. Precisamos de formação e as pessoas parece que não reconhecem que, até para ser modelo, é preciso ter formação. Não basta ser bonita, é muito mais do que isso. O nosso mercado não tem muito espaço para poder dar a remuneração devido às modelos. Não estou a dizer que ser modelo não serve no país. Temos potencial, mas falta conhecimento e visão às marcas e empresas, que não sabem usar as modelos. Agora, estou para abrir uma loja com uma amiga para usarmos modelos de uma forma diferente, que o nosso mercado não está usar. Assim, poderemos remunerar melhor a elas. E também iremos forma-las, para que saibam o que significa ser modelo.

 

Sei que na sua família há um alfaiate. Existe uma relação entre ele e as suas motivações como estilista?

Sim. O meu avô Biosse foi um grande alfaiate em Vilanculos, embora a minha família seja de Maxixe. E, por incrível que pareça, a minha avó materna era modista, em Morrumbene.

 

Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?

Sugiro Pai rico, pai pobre, de Robert Kiyosaki, e a música “Tsuketane”, de Kapa Dech.

 

Perfil

Mirna Biosse nasceu na cidade da Beira. Teve o seu primeiro desfile no Centro Cultural Moçambicano-Alemão, em 2018, com a colecção “Espontaneidade”. O segundo foi Maputo Fashion Show, edição Plus Size, no Núcleo de Arte, em Maputo. Expôs no Banco Absa, em parceria com o Moçambique Fashion Week 2020.

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