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A Mala

O remetente chegou ao principal terminal de “Chapas” nas proximidades do mercado de Morrumbala. Eram por volta das 15h00, o alvoroço típico do lugar era intenso como todos os dias de semana, excepto ao domingo.

Procurou o cobrador do primeiro machimbombo que partiria de madrugada para a cidade de Quelimane, mostrou a mala que precisava enviar e este depois de um golpe de vista deduziu o preço que o expedidor devia pagar, este resmungou e entraram em negociações até finalmente acertarem.
A mala tinha 54 cm de cumprimento e 37 cm de largura, pesava 25 kg, era de madeira devidamente esculpida por um exímio artesão e estava devidamente polida, tinha um pequeno fecho no meio, da altura central, era de cor preta e estava amarrada no seu cumprimento e largura com uma corda de sisal.

Quando o cobrador segurou a mala para arrumar sentiu uma vibração emanada por esta, então firmou maior destreza no seu manuseamento, guardou-a para posteriormente arrumar, solicitou e registou os contactos do remetente e do recebedor e por sua vez o expedidor registou o número da matrícula e o contacto do cobrador.

O lusco-fusco vespertino emprestava uma temperatura agradável, os raios do sol cessante incidiam ali e acolá no pequeno vilarejo.
Os passageiros ou os seus enviados iam chegando e adquirindo bilhete, a bagagem avolumava-se. Uma hora depois, os lugares no pequeno autocarro já haviam esgotado, então o cobrador alertava aos passageiros que o autocarro partiria às 04h30 do dia seguinte. Os passageiros que vinham de lugares distantes iriam pernoitar no autocarro.

O cobrador dedicou-se a arrumar a bagagem no atrelado, os volumes maiores e pesados em baixo, os médios no nível intermédio e os mais pequenos em cima.

Coube a mala preta de madeira ficar por cima de uma pequena trouxa, posteriormente procedeu a cobertura do atrelado com uma lona.
A partida iniciou quando eram 04h45, os lugares estavam quase todos ocupados excepto dois reservados aos passageiros que embarcariam numa das paragens. O pequeno machimbombo evoluía na sua jornada e o som do motor propagava-se ao longo da via despertando ou alertando este e aquele animal. A luz dos pirilampos extinguia-se com o rompimento dos raios solares.

O autocarro sulcava nas ondas da estrada de terra batida, ora mergulhando nos buracos ora se elevando nas lombas, de repente o carro atinge uma lomba e o atrelado fica empinado com as duas rodas no ar.

A corda que prendia a lona soltou-se e alguma bagagem voou pelo ar e aterrou no solo. Gritos de pedido de paragem dos passageiros soaram quase que uníssono.

O veículo imobilizou-se abruptamente, o cobrador desembarcou para recolher a bagagem que havia caído; percebeu que a mala preta não estava no atrelado, procurou em lugares distintos, mas não a encontrou, reparou para uma pequena ravina e viu um pequeno feixe de luz, desceu e encontrou a mala.

Ficou completamente estupefacto com a posição que a mala se encontrava, olhou demoradamente para esta que estava assente numa dos vértices inferiores numa pedra e na parte superior apoiada num pequeno arbusto. Segurou a mala e levou-a para o atrelado, prende-a devidamente e retomam a viagem.

Uma hora depois o chapa alcançou o cruzamento de “zero”, entraram os dois passageiros e ocuparam os lugares vagos, a jornada continuou.
O machimbombo ziguezagueava para fintar os buracos que surgiam agora na estrada meio asfaltada, mas sempre esburacada.

Uma hora depois chegavam a sede do posto administrativo de Nicoadala, desembarcaram uns e embarcaram outros, a viagem continuou.
O pequeno veículo circulava agora velozmente na estrada de asfalto isenta de buracos em direcção a cidade de Quelimane.

Da planície densamente esverdeada via-se o arrozal que se extinguia para lá do horizonte. O som produzido pelos passageiros que conversavam entre si ou então falavam nos seus telemóveis combinado com o ressonar de uns e o ronco do motor do carro criava uma melodia que parecia balançar o coqueiral que se estendia a berma da estrada.

Tempos depois o “chapa” alcançava a principal terminal rodoviária da cidade de Quelimane, passageiros desembarcavam e recolhiam as suas bagagens e partiam para os seus destinos finais.

Quando o azafama finalmente cessou, um homem franzino e calvo aproximou-se do cobrador. – Bom dia, vim buscar a minha encomenda.

– Qual é a sua encomenda? – perguntou o cobrador.

– Uma mala preta. – respondeu prontamente o homem.

O cobrador, lembrou-se da mala pela sua peculiaridade e dispôs-se a buscá-la.

Depois de uma busca de mais de trinta minutos, o cobrador apareceu sem a mala.

– Não estou a encontrar! – disse apreensivo. – voltarei a procurar com mais calma, peço para voltar no final do dia. – propôs o cobrador.

O recebedor perambulou pelas artérias da cidade que há muito não visitava num compasso que fazia para resgatar a sua encomenda.

Quando o cobrador reviu o buscador, um baque sacudiu-lhe o peito deixando-o desconfortado.

– Não encontrei a sua mala, desculpa-me! – balbuciou entristecido.

– Não te preocupes. – afirmou serenamente o homem.

O produto surripiado descansava em cima de um comodo e o seu autor recuperava-se do cansaço da viagem na cama mirando gulosamente o troféu da sua acção.

Tinha a mente capturada pela vontade avassaladora de descobrir o conteúdo da mala, então soergueu-se da cama, encontrou uma faca e cortou as cordas. Agora precisava livrar-se do cadeado meio enferrujado que constituía o último empecilho antes de alcançar o que almejava, buscou um alicate e iniciou a operação de o quebrar, depois de mais de vinte minutos sem sucesso acabou por desistir, o cadeado continuava intacto.

Entretanto, do outro lado, o proprietário da mala, a cada vez que o larapio tentava cortar o cadeado a chave que guardava por trás da porta de seu quarto tilintavam. E então ele sorria, imaginando a tentativa frustrada do gatuno.

Não se sentido derrotado pelos empecilhos de abrir a mala, o jovem larápio infligiu uma machadada no tampo da mala, sem causar nenhum arranhão. Deu-se por vencido, talvez o cansaço causado pela viagem não lhe permitiam executar a operação com melhor discernimento.
Já passavam das 20h00, optou por recolher a cama e descansar, pela manhã veria como abrir a mala.

Não demorou a adormecer, duas horas depois acordava sobressaltado e aos gritos que ninguém ouvia, escutava uma voz indistinta, correu para o interruptor de luz, sem encontrar fugiu para fora, mas a voz prevalecia.

“Leva-me para o meu dono” – soava a voz gutural.

Distanciou-se quanto pode para escapar da voz sobrenatural, mas esta o seguia, tapou os ouvidos, mas a implacável voz continuava a ressoar.

Passou a noite no quintal da casa acompanhado pela voz da mala, a manhã nasceu depois de uma insuportável espera.

Armou-se de coragem e entrou para o quarto, a imponente mala continuava a sua fala.

Socorreu-se de um vizinho para ajudá-lo a compreender a aberração que o deixava inquieto.

– Estás a ouvir o que a mala está a dizer? – inquiriu atabalhoadamente.

– Não escuto nada. – disse, sem perceber a aflição do seu vizinho.” Talvez o rapaz estava a ser vítima de algum estupefaciente que ingerira”.

“Tinha que se livrar da mala” – cogitou.

Catapultado por uma energia desconhecida, aprontou-se, segurou a mala e foi caminhando estrada adentro até dar no terminal de chapas de Nicoadala. Eram já 6h00 da manhã.

Procurou embarcar num chapa que ia a Quelimane, quando segurou a mala para entrar esta não se desprendia do chão, forçou sem lograr o seu intento, procurou disfarçar a sua acção para não o acharem louco. Então decidiu abandonar a mala na paragem e continuar com a sua vida.

Quando se predispunha a caminhar, os seus passos estavam grudados no solo, encetou um outro disfarce para não chamar atenção dos transeuntes, passageiros e mujeiros que circulavam perto de si.

Nunca na sua vida, de afamado larapio, havia-lhe acontecido algo semelhante, o seu feiticeiro havia-o garantido sucesso absoluto nas suas empreitadas. Algo de muito estranho estava a acontecer.

Voltou a segurar a mala; levantou uma perna, a esquerda e esta obedeceu, levantou outra e iniciou a marcha, levava a mala consigo, foi caminhando sem saber para onde ia, completamente hipnotizado pela voz que comandava a mala.

Depois de calcorrear mais de cinco horas deu consigo completamente estafado; parou, socorreu-se da água de um riacho do afluente do rio domela, descansou por breves minutos e reiniciou a marcha.

Quando o sol já começava a pôr-se, alcançou o bairro de Manhaua na periferia da cidade de Quelimane.
Sons metalizados que advinham do portão de latão mesclado com uma voz de timbre débil de pedido de licença faziam-se ouvir, um homem franzino e calvo assomou ao portão, esboçou um sorriso, recebeu a mala e agradeceu o entregador.

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