“Nós não temos absolutamente nenhuma intenção de nos deixarmos guiar por qualquer que seja ideologia, nós temos a nossa própria ideologia, uma ideologia forte e nobre, que é a afirmação da personalidade” – Patrice Lumumba.
Armando Emílio Guebuza é uma figura de destaque, tanto na política, quer nos meandros literários. A sua obra literária, “Os Tambores Cantam”, reflecte uma profunda conexão com o seu passado e dos demais moçambicanos, em tempos de opressão colonial, sobretudo a partir de 1963 a 1974, anos que eternizaram as dores do seu povo através de um papel e uma caneta, igualmente fazendo um presságio de como será o país nos próximos anos se o continente pautar pela união para objectivos comuns: luta pela independência e liberdades.
Na verdade, “Os Tambores Cantam” trata-se de uma obra que testemunha a capacidade que a literatura tem de inspirar, educar, moldar o Homem e chamar a consciência das massas, com atitudes para galvanizar sua independência.
O título “Os Tambores Cantam” pode inicialmente sugerir um tom festivo, mas a profundidade dos poemas revela uma realidade dolorosa e angustiante. Ao explorar o conteúdo da obra, o leitor se depara com expressões de sofrimento, opressão e revolta contra a brutalidade colonial. Guebuza utiliza as suas poesias para denunciar as atrocidades cometidas pelos colonizadores portugueses e para evocar a memória dolorosa do povo moçambicano.
As poesias guebuzianas expõem, de forma evidente, cenários abomináveis de qualquer acção macabra. Em cada verso, o “poeta de combate” situa o leitor numa viagem em que se (re)vive as tremendas barbaridades perpetradas pelos portugueses em tempos de opressão, descrevendo, de forma minuciosa, cada episódio dos africanos entregues às mãos de bárbaros colonos.
Guebuza privilegia uma linguagem acessível, aliás, simples e directa para atingir todas classes sociais, retratando ao pormenor as memórias, os traumas, as sequelas enfrentadas pelos moçambicanos no passado.
O poeta não só expõe e descreve a dor do seu povo como também anuncia um movimento revolucionário urgente, ou seja, convida a todos os moçambicanos e africanos, em geral, a irem à luta em prol da sua independência, quer financeira e económica, quer cultural e política. Nos seus poemas, Guebuza ganha coragem e exterioriza-se “intimamente” com o mundo, exibindo todas suas feridas marcadas por aquele período opressor.
A escrita de Armando Guebuza, apesar de tamanha dor e desabafos, é também repleta de sonhos: conduzir Moçambique livre das amarras coloniais, e com a preservação das liberdades.
Para se alcançar a liberdade é imperios, recuar ao passado, tomar como inspiração algumas figuras que foram preponderantes na história de libertação de Moçambique, que, dentre vários, destacam-se “Maguiguana”, “Nwamatibjana”, “Ntumbuluku” e “Macombe”.
Em “Falavam Português”, por exemplo, o Poeta de combate descreve com evidências a estupidez dos colonos, que, por qualquer motivo, partiam para violência impiedosa, com a utilização de adjectivos pejorativos como “sacana, burro, selvagem”. A violência era tão tremenda que, por vezes, os escravizados perdiam voz, por conta de chicotes que rasgavam a pele e regava os solos com o sangue que jorrava.
Por conta desta realidade, em “As Tuas Dores”, o autor invoca a junção das forças quase que acabadas e quer as tornar sólidas para “estrangular a opressão”, por conta das dores que sentem. Por isso, foi “pegando em armas” que se venceu o “imperialismo”. Por outro lado, o sangue que outrora regava os solos, com a união, regou a “vitória” dos moçambicanos.
Embora “Os Tambores Cantam” concentre-se nas experiências da colonização, a obra também se relaciona com os desafios contemporâneos de Moçambique. A obra de Guebuza permite, através do passado colonial, iluminar questões actuais, como a instabilidade em Cabo Delgado e a dependência económica de ajuda externa. Esta conexão entre passado e presente reforça a necessidade de um movimento contínuo em direcção à verdadeira independência e auto-suficiência.
Por estes factos, Guebuza critica a dependência contínua de Moçambique e de outros países africanos em relação à ajuda externa. O poeta entende que essa dependência pode ser um meio de perpetuar o controlo sobre os recursos africanos, disfarçada de altruísmo. A sua preocupação, com a “ajuda” externa, é um convite à reflexão sobre as reais motivações por trás dessa assistência e os impactos duradouros sobre a autonomia africana.
Por outro lado, o Ocidente e outros continentes optam pela ajuda humanitária, nome de amizade e cooperação bilateral, para além de empréstimos financeiros como forma de “manipular” os africanos e, consequentemente, empobrecê-los, segundo conta em “Vi-te em sonhos como és” (p. 95).
No livro, o tambor referido, de modo geral, entende-se como um instrumento importante cuja finalidade é convidar diferentes actores sociais a manifestarem-se de acordo com a representação simbólica. Para alguns, é usado para fins rituais e religiosos. Para os outros, como forma de celebrar vários momentos de felicidade, que a vida oferece (festejos, diversões). Porém, o escritor usa a metáfora do tambor como um instrumento de luta e resistência, em vez de celebração.
“Os Tambores Cantam” é mais do que um relato da dor colonial; é um poderoso apelo à acção e à reflexão.
Armando Guebuza não apenas retrata as injustiças do passado, mas também convoca os africanos a persistirem na luta pela verdadeira independência e liberdade. Através de uma narrativa carregada de memória histórica e crítica social, a obra de Guebuza oferece um retrato inspirador da contínua luta pela justiça e autonomia.