À medida que nos aproximamos do fim de um ciclo governativo de uma década e nos preparamos para um período eleitoral que inaugura outro ciclo, surge uma agitação crescente em relação ao futuro. As expectativas ampliam-se e as propostas para a próxima fase de governação começam a emergir como fundamentos essenciais para orientar o país nos anos seguintes. Nesse contexto, é imprescindível avaliar o papel e a importância da literatura moçambicana como um elemento vital no panorama do desenvolvimento nacional. Devemos questionar-nos qual será o papel que esta arte pode desempenhar neste próximo decénio.
É crucial lembrar que a literatura moçambicana, como um sistema, é relativamente jovem, com menos de 100 anos de existência, e a sua base na escrita representa um desafio significativo num contexto em que mais de 40% da população ainda é analfabeta. Além disso, enfrentamos contínuas e visíveis dificuldades no processo de ensino e assimilação da língua portuguesa, que é a língua oficial em Moçambique e na qual assenta, grosso modo, toda a produção literária nacional.
Ao pensarmos sobre a literatura moçambicana nos próximos 10 anos, é fundamental considerar, em primeiro plano, a massificação da alfabetização e o acesso ao livro: é essencial investir em soluções ou programas de alfabetização para reduzir o alto índice de analfabetismo em Moçambique, tendo o livro como centro. Devemos garantir que a população tenha acesso à literatura em todas as suas formas, seja por meio de livros físicos, digitais ou recursos audiovisuais. Só para citar este último exemplo, já tivemos em Moçambique, ao nível da rádio, programas de teatro radiofónico, que serviam para criar, adaptar e difundir a literatura local através da rádio e assim levar as nossas histórias e vivências imaginadas à maioria da população. É necessário, partindo desse tipo de experiências, encontrar novas formas de levar a literatura, o livro e as histórias, e devolvê-las para quem as faz ou as vive no dia-a-dia.
Em segundo lugar, devemos preocupar-nos com a inovação literária: a nossa literatura precisa continuar a inovar e explorar novas formas de expressão que reflictam as complexidades da sociedade contemporânea e abordem questões urgentes, como as mudanças climáticas, a vida urbana e rural, as desigualdades sociais e os direitos humanos. É preciso encontrar novas formas e modelos temático-narrativos que nos coloquem lado a lado com outras literaturas e preocupações que permeiam o mundo, partindo sempre da nossa experiência e dos nossos saberes locais.
Um terceiro aspecto, não menos importante, é a educação literária: necessitamos de voltar a investir na educação literária nas escolas, algo que a minha geração e as que a precederam assimilaram, mas que está descontinuado neste novo modelo de educação. Estimular as crianças ao livro é essencial para cultivar o amor pela leitura desde cedo, desenvolver habilidades críticas e analíticas e promover uma compreensão mais profunda da identidade moçambicana e da diversidade cultural. Isso passa, por um lado, por expor as crianças às histórias e aos escritores, ainda mais cedo.
Em último, e aqui, puxando a sardinha para a minha brasa, falo de uma melhor integração do escritor na cadeia de valores da indústria cultural e criativa: é necessário reconhecer o escritor como um profissional e fornecer-lhe todo o suporte necessário para que seja valorizado e ressarcido adequadamente pelo seu trabalho. Isso implica considerar a dimensão social do trabalho literário e apoiar toda uma indústria cultural emergente.
Outro factor que me leva a reflectir sobre os desafios enfrentados pelo sector literário é que, enquanto a produção literária cresceu nos últimos anos, as estruturas de suporte, como livrarias e editoras, sofreram com o fecho de muitos estabelecimentos e a falência de várias editoras. Além disso, os prémios literários, que muito motivavam o escritor, entre os iniciantes e os consagrados, e o compensavam, às vezes, das vendas incipientes que caracterizam o mercado livreiro nacional, foram fechados ou estão no limbo, caso de célebres prémios como o BCI de Literatura, o prémio TDM, o prémio 10 de Novembro, para mencionar alguns. É essencial resgatar e valorizar os verdadeiros talentos da literatura moçambicana, reconhecendo os precursores e os contemporâneos que têm contribuído significativamente para enriquecer o cenário literário do país.
Além disso, a literatura pode ter um impacto económico positivo, através da criação de empregos na indústria editorial, promoção do turismo cultural e geração de renda para escritores, editores e outros profissionais do sector. O investimento nas economias criativas e na literatura, em particular, pode proporcionar imensos ganhos e fortalecer a nossa cultura, condição indispensável para a consolidação da democracia. Uma literatura de qualidade, por exemplo, é condição para um cinema e televisão mais abrangentes e fortes, um teatro mais criativo e dinâmico e uma música mais capaz de narrar e poetizar histórias maduras e de qualidade.
Investir na literatura moçambicana no próximo decénio é essencial para garantir um desenvolvimento integral e sustentável do país, que promova a cultura, a educação e a economia, proporcionando um futuro mais promissor para todos os moçambicanos.
Para terminar, lanço aqui uma pergunta provocatória: quais são os últimos livros de literatura moçambicana que estão ou estiveram a ler os até então três candidatos à presidência da República?