Desde a luta pela autodeterminação dos povos africanos, o continente vive num dilema profundo: o dilema entre a esperança e a realidade.
A esperança alimentou a resistência contra o colonialismo, a crença num futuro em que os africanos seriam donos do seu destino. A realidade, no entanto, era dura: colonização, privação de direitos, exploração e cidadania de segunda classe para os povos autóctones.
Com a conquista das independências, o dilema não terminou.A esperança renasceu: sonhou-se com sociedades prósperas, modernas, inclusivas, em que os cidadãos viveriam com dignidade semelhante à dos antigos colonos.
Mas a realidade impôs-se com violência: crises económicas, guerras civis, tribalismos políticos, regionalismos exacerbados e divisões estruturais que corroeram Estados recém-nascidos. Os regimes de partido único entraram em decadência e, novamente, surgiu a esperança: acreditou-se que o multipartidarismo e o mercado livre trariam progresso.
Mais uma vez, a realidade foi severa. Golpes de Estado multiplicaram-se, conflitos recrudesceram, elites capturaram o Estado, a corrupção tornou-se sistémica e o sonho de um renascimento africano ficou adiado. África caminha no dilema entre a esperança e realidade, num contexto marcado pela miséria, fome, icerteza e uma populaçãp a crescer a taxas como nenhum outro continente atinge.
A história política de Moçambique, nestas cinco décadas, não escapa a este dilema. Vivemos ciclos de esperança — a independência, o Acordo Geral de Paz, a democratização, os megaprojectos — sempre seguidos por realidades amargas: guerras, escândalos financeiros, desigualdades profundas, captura institucional, manifestações violentas e frustração colectiva.
Hoje, porém, há um novo elemento neste debate:pela primeira vez, a transformação efectiva parece depender menos de factores externos e mais da qualidade da governação interna.
A esperança só se transforma em realidade quando existe boa governação. Sem ela, qualquer projecto político, económico ou social está condenado ao fracasso.
E é aqui que o momento político actual de Moçambique ganha especial relevância.
O discurso de investidura do Presidente Daniel Francisco Chapo é um marco, não apenas formal, mas conceptual:
- demarca uma nova ordem,
- define a boa governação como normalidade,
- assume a luta contra a corrupção como prioridade,
- e estabelece o diálogo e a protecção dos mais vulneráveis como princípios orientadores.
As suas primeiras decisões mostraram coerência com esse compromisso: reformas administrativas, mudanças em sectores estratégicos, combate a excessos, aproximação às comunidades, reposicionamento ético da função pública.
Contudo — e é importante reconhecê-lo — a contra-corrente do status quo está viva e reage com força. Velhos interesses resistem. Estruturas habituadas ao privilégio tentam sabotar. O aparelho que cresceu sem escrutínio tenta reproduzir-se. É o choque inevitável entre a nova ordem que se tenta instaurar e a velha ordem que se recusa a morrer.
Transformar Moçambique exige acção estratégica, não dispersão.Para derrotar a resistência ao progresso, são necessários três tiros políticos certeiros, dirigidos a alvos que simbolizem ruptura e indiquem a intolerância à repetição dos erros:
- Autonomizar e blindar as instituições de controlo
- Fortalecer órgãos de fiscalização e auditoria, garantir independência técnica, aplicar sanções exemplares.
- Uma instituição forte vale mais que mil discursos.
- Reformar profundamente a administração pública
- Meritocracia obrigatória, concursos transparentes, punição a corruptos, despartidarização da máquina do Estado.
- O Estado deve servir o povo, não elites intermediárias.
- Tolerância zero à corrupção e aos privilégios ilícitos
- Casos emblemáticos precisam ser resolvidos com justiça rápida e visível.
- Uma sociedade só acredita na mudança quando vê consequências concretas.
Esses três tiros, certeiros e públicos, criam uma ruptura irreversível. A mudança nunca é obra exclusiva de um líder. Ela, precisa de um povo mobilizado, consciente e exigente.
Em democracias funcionais, o combate à corrupção e à má governação não depende apenas das instituições; depende da cidadania activa. Quando o povo participa nenhum corrupto aguenta a pressão social; nenhum incompetente resiste ao escrutínio e nenhum resistente à mudança tem força para bloquear reformas.
É necessário despertar uma cultura de exigência nacional, em que cada moçambicano se veja como actor da mudança, guardião do interesse público e defensor da boa governação.
A história mostra-nos que África — e Moçambique em particular — viveu demasiado tempo num ciclo de promessas por cumprir. A esperança sempre existiu. A realidade quase nunca acompanhou. Mas hoje, a esperança está apoiada em algo concreto: a vontade política de redefinir o modo de governar.
Se Moçambique conseguir consolidar a boa governação, blindar instituições, punir abusos e mobilizar o povo como actor central, então, pela primeira vez, a esperança poderá finalmente tornar-se realidade. A mudança não é um destino. É uma escolha. E é agora.
