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A diversidade de Moçambique ao ritmo de TP50

Em 2013, Paulo Alexandre editou, pela Porto Editora, Photar Moçambique. Esse é o título de um belíssimo livro de fotografias, no qual o autor expõe parte do que a sua câmara fotográfica captou ao longo de todas as províncias moçambicanas.

Como se tivesse apreciado o incrível trabalho de Paulo Alexandre, quase a rasar a perfeição, o grupo TP50 também se propôs explorar a paisagem humana, geográfica, artística e cultural do país. No caso, através do concerto Olhar Moçambique, realizado esta sexta-feira, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, na Cidade de Maputo.

Numa noite fresca, com os termómetros a registarem 27º C, 54 artistas juntaram-se para contar as diferentes histórias que caracterizam o território nacional. Com efeito, ao contrário de Photar Moçambique, de Paulo Alexandre, cujas paisagens moçambicanas são percorridas do Sul ao Norte, em Olhar Moçambique, de TP50, o movimento é inverso. Todavia, com a mesma particularidade de revelar a riqueza que poucas vezes se expressa em palavras. Só pela originalidade do projecto, de facto, as duas horas de concerto valeram a pena, pois, através da arte, o público foi apreciando o que o país possui no seu melhor e na sua diversidade. Esse foi, seguramente, um dos principais propósitos de Olhar Moçambique, aparentemente um work in progress didáctico, entre a fruição e o patriotismo, no sentido mais positivo do termo.

A história do espectáculo começa com uma turista italiana (Joana Mbalango) a photar Moçambique. Para a personagem, há à sua frente uma espécie de admirável mundo novo. Por isso mesmo, a cada passo que dá, acredita ter de registar na sua câmara fotográfica o que considera necessário. Até que vai parar a um palco onde um concerto está a instantes de iniciar. A estrangeira logo percebe que tem de parar de fotografar porque um homem (Samuel Nhamatate) a informa sobre o lugar onde se encontra. No princípio, a propósito, ela nem sequer sabe em que país está, concretamente, pois, na sua visão Ocidental, em África tudo é a mesma coisa. Entre erros e acertos, entretanto, a personagem, nesse engraçado registo teatral, precipita-se a perguntar, quando fica a saber que se encontra na Pérola do Índico: Moçambique não é aquele país de África, sempre em guerra, de miséria e onde as pessoas são tristes?

Ferido pela postura preconceituosa da turista, o homem moçambicano convida a italiana a percorrer o país do Rovuma ao Maputo, não só para provar que a media Ocidental é deveras redutora, quando se refere a Moçambique, mas também para revelar que Moçambique é, com certeza, maningue nice!

Sem nada a perder, a estrangeira aceita a proposta e, assim, começa uma intensa viagem de chapa (bem ao estilo do que se passa no romance Museu da Revolução, de João Paulo Borges Coelho), ora apreciando, ora surpreendendo-se com o que Moçambique é muito além dos estereótipos.

Na globalidade do espectáculo, a parte teatral é de longe a melhor de Olhar Moçambique. Se preferirmos, Joana Mbalango e Samuel Nhamatate suportam e conduzem a narrativa do espectáculo com uma autenticidade inigualável. Nos seus diálogos, as personagens dos actores retratam assuntos sérios do país real. Por exemplo, os temas turismo, caça furtiva ou a gestão e promoção do património histórico e cultural são discutidos com critério.

Na verdade, as duas personagens da história são complementares, pois uma representa a visão nacional e outra estrageira sobre o mesmo território nacional. Portanto, nessa viagem que percorre o Norte, o Centro e o Sul, Joana Mbalango e Samuel Nhamatate foram capazes de manter o espectáculo de TP50 mais sugestivo  do que poderia ter sido sem eles. Joana e Samuel foram os motores do espectáculo e, já agora, Anabela Adrianopoulos foi a materialização da sedução no que deve continuar a significar ler um texto com dicção e encanto.

Em Olhar Moçambique, Joana e Samuel não fingiram, encarnaram as personagens da peça como se não soubessem fazer mais nada com tanta assertividade. Do público, consequentemente, o retorno foi sempre positivo, com sorrisos e reacções oportunas. Quer dizer, os dois actores esmeraram-se tanto que, em várias ocasiões, teria sido melhor não haver música. Melhor dizendo, se, por um lado, a parte teatral convenceu, por outro, com a música nem sempre foi assim. Em três ou quatro ocasiões, as escolhas vocais não foram acertadas. Por mais belas que sejam as vozes de Nádia Cosme, Mário Mate ou Letícia Deozina, não pareceu estarem à altura do que cantaram, o que, obviamente, não quer dizer que cantam mal.

Paralelamente a esse registo menos positivo sobre o concerto, a escolha de músicas de algumas províncias também não convenceu muito, e isso notou-se, por exemplo, nos casos de Niassa, Nampula, Zambézia e Manica. No sentido inverso, quando se tocou “Urombo”, de David Mazembe, e “Xiripo”, de Madala, definitivamente, venceu-se a monotonia musical que até aí se destacava na Sala Grande. Consequentemente, pela primeira vez, ao fim de quase uma hora de espectáculo, viu-se o público a improvisar passos de dança como se dissessem: Sim, isto é nosso. Aliás, nesse momento, até a turista estrangeira saiu do chapa para dançar.

Resumindo, a selecção musical e a escolha dos intérpretes poderia ter sido mais adequada, de modo que não se sentisse um desequilíbrio entre as notáveis actuações de Déscio Vembane, Xixel Langa (que até nem esteve no seu melhor) e o monstruoso Cheny Wa Gune em relação aos que estiveram menos bem. A cantar e a tocar timbila, Cheny foi naturalmente o mais destacado da noite na categoria de canto.

Ainda sobre os aspectos menos positivos da noite, quando a história começa em Cabo Delgado, atravessa de seguida Niassa e chega a Nampula, ao invés de continuar pela Zambézia, a narração, digamos assim, salta para Tete. Sendo uma viagem de chapa, isso faz confusão porque entre Nampula e Tete não há ligação por terra. Ou seja, parece razoável que a turista italiana e o homem moçambicano deveriam ter saído de Nampula para Zambézia, e, seguidamente, para Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo. Ou na ficção vale tudo?

Em todo o caso, Olhar Moçambique é uma proposta sugestiva e que nos lembra que há um país incrível por descobrir e por promover. Ao nível técnico, há ainda a realçar os bons efeitos de luz, a afinação do som, a encenação, a coreografia da Associação Cultural Hodi, principalmente em relação ao Xigubo, a agilidade dos contrarregras na colocação ou retirada de objectos no palco ou então o xithokozelo de Tchaka Waka Bantu.

Concluindo, Olhar Moçambique não é (ainda) dos melhores espectáculos de TP50 (já vimos melhor). Ainda assim, é o que pela sua dimensão simbólica, tal como o grupo pretende, deve urgentemente ser apresentado em outras províncias moçambicanas.

 

 

 

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