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Criação do fogo – Texto de apresentação

Antes de mais nada, gostaria de expressar minha profunda gratidão a todos que estão aqui connosco hoje, assim como àqueles que, mesmo ausentes, partilham este momento connosco em espírito. Quero agradecer à Alcance Editores por mais uma vez apostar em meus escritos e por publicar meu livro. Um agradecimento especial à minha família por sua paciência, aos amigos que têm ouvido minhas divagações incessantes, aos apresentadores desta obra, cuja sabedoria e ilustre presença engrandecem este evento, e ao Nedbank por nos ceder este espaço acolhedor. Gostaria de aproveitar este momento para incentivar o Nedbank a continuar apoiando as artes, lembrando que há um vazio a ser preenchido desde que um concorrente patrocinava o maior prémio literário anual de nossa literatura, um prémio que infelizmente já não existe. Acredito firmemente que o Nedbank tem o potencial de ocupar esse espaço de maneira exemplar e louvável.

Quero dedicar um momento para honrar a memória do grande poeta Eduardo White, que nos deixou há dez anos, mas cujo legado continua a inspirar não apenas a mim, mas a toda uma geração de escritores moçambicanos. Sua influência e mentoria foram fundamentais para que muitos de nós estivéssemos aqui hoje. Uma salva de palmas para ele, por sua contribuição inestimável à literatura moçambicana.

Não posso deixar de expressar minha gratidão pelo generoso prefácio de Nelson Saúte, uma figura proeminente da nossa literatura, cujo incansável altruísmo e dedicação à preservação da memória das artes moçambicanas são admiráveis. Meu abraço também vai para Marcelo Panguana, um amigo e escritor cuja simplicidade e autenticidade são inspiradoras, e para António Cabrita, que constantemente me apresenta novos e variados autores, enriquecendo a minha compreensão da poesia mundial. Estendo meus agradecimentos a Matteo, Mário Secca. Ao Manuel Jesus, amigo incondicional de todas as horas, ao Moya pelos motivos para sorrir, ao Eric que me tornou pai e àJéssica por permitir ter alguém com que durma no escuro. Aos meus pais e também aos colegas, por seu apoio constante ao longo desta jornada. Um agradecimento especial também aoFélix Mula por ceder a imagem que adorna a capa do livro e aoMauro Pinto, cuja fotografia serve de inspiração para mim.

O que nos une hoje é este exemplar encadernado que chamamos de livro, intitulado “Criação do Fogo”. Por que “Criação do Fogo”? Este título encapsula o ideal de criação presente no texto inaugural “Placenta”. Nele, abordo não apenas a criação do outro, do ser humano que se reflecte em nós, mas também a criação literária, o acto de escrever e transmitir uma mensagem. Além disso, o título evoca a dualidade do fogo, o seu poder tanto criador quanto destruidor. Reflecte sobre a guerra, especialmente a vivida em Cabo Delgado e em outras partes do mundo, assim como as batalhas diárias que enfrentamos em busca de dignidade, segurança e justiça social.

Após a publicação dos meus dois primeiros livros e a conquista do prémio literário em 2019, senti a necessidade de explorar uma poesia que fosse além dos estilos anteriores. Percebia nessa altura que a poesia moçambicana estava estagnada em um ciclo repetitivo e pouco criativo, e decidi buscar para mim novos caminhos que me afastassem do que já havia criado até então. Para além disso havia-me degastado física e psicologicamentecom a escrita dos primeiros livros, pois foram livros construídos muito à custa da minha própria felicidade. Calhou por bem uma conversa curta, mas memorável que tive com o poeta Armando Artur, que me disse que era possível escrever livros feliz, confesso que até então, apenas a tristeza me servia de musa. Isso desencadeou uma jornada de autoconhecimento e renovação criativa, levando-me a explorar novas temáticas e técnicas criativas.

Durante esse período, casei-me, tornei-me pai novamente, explorei novos horizontes e vivi experiências enriquecedoras. Busquei inspiração em diversas fontes, desde a música de Bob Marley, Chico Buarque, Chico António, Djavan, Pedro Langa e Zeca Alage, Zena Bacar, Fany Mpfumo, Nas, Racionais Mcs, Baco, Djonga, Rincon, Milton Nacimento e o Clube de Esquina, MF Doom, Arthur Verocai, Fausto, Teresa Salgueiro, Toni Django, as flautas terapêuticas da Arménia, a lira de SoniaDjobarté, a música congolesa dos anos 70, o jazz sul-africano, a persistência de Adam Zagaiewsky, Wislawa Szimborka, Al Berto, Rui Belo. Minhas viagens a Lisboa, Porto, Algarve e Braga abriram portas para oportunidades de internacionalização e colaborações artísticas. Fui traduzido oficialmente pela primeira vez e o meu tradutor ganhou o prémio principal do Stephen Spender de Tradução, com um texto traduzido do meu livro Animais do ocaso. Todo esse processo de crescimento e aprendizado se reflecte em “Criação do Fogo”.

Este livro é uma expressão das minhas paixões e convicções, uma fusão de experiências pessoais, observações sociais e reflexões sobre o mundo ao nosso redor. Portanto, o amor, a morte, a fome, a doença, o abandono, a guerra, a corrupção, o medo, a noite, o emprego precário, o viver com pouco, o sentir-se frágil, o não desistir estão dentro desta criação do fogo como estão dentro de nós. A minha paixão pelo experimentalismo, pelo surreal, pela imagem, pela imersão na pintura, na fotografia, no desenho, no teatro, na música e no quotidiano das relações humanas é a minha grande motivação e ao mesmo tempo a minha técnica.

Embora este seja meu quinto livro sinto-o como se fosse o primeiro, uma porta de entrada, uma possibilidade de crescimento e a esperança de que pelo menos mais um seguirá. Acredito na importância da poesia como uma ferramenta de transformação e resistência, e pretendo continuar a contribuirpara o enriquecimento da literatura moçambicana e para o diálogo cultural global. Espero que “Criação do Fogo” não apenas inspire, mas também provoque reflexões e questionamentos em quem o ler.

Em suma, este livro é o resultado de uma jornada pessoal e criativa, uma expressão autêntica de minhas experiências e visões de mundo. Agradeço a todos que tornaram possível a sua realização e espero que ele encontre eco nos corações e mentes dos leitores. Obrigado.

 

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