Andrew Pearse confessou ter recebido milhões de dólares em subornos pelo papel que desempenhou na aprovação dos empréstimos das empresas ProIndicus, EMATUM e MAM. À data dos factos, o réu era director-geral do Credit Suisse, o banco credor das chamadas dívidas ocultas.
Em liberdade provisória após pagar uma caução de 2.5 milhões de dólares, Andrew Pearse viajou de Londres para Nova Yorque a fim de confessar, perante o tribunal distrital de Brooklyn, a sua participação no esquema fraudulento das dívidas ocultas.
Na confissão de 19 de Julho, o banqueiro neozelandês admitiu que recebeu milhões de dólares transferidos pela Privinvest para a sua conta aberta nos Emirados Árabes Unidos.
Tal como aconteceu com alguns arguidos moçambicanos do processo das dívidas ocultas, nomeadamente Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele e Bruno Tandane, a conta de Andrew Pearse nos Emirados Árabes Unidos foi aberta com ajuda da Privinvest, a construtora naval que entra no esquema fraudulento como fornecedora de bens e serviços à ProIndicus, EMATUM e MAM.
No frente-a-frente com juiz William F. Kuntz, do tribunal de Brooklyn, Andrew Pearse leu a sua confissão, na qual admite ter cometido apenas um dos quatro crimes de que é acusado pela justiça americana. Trata-se do crime de conspiração para cometer fraude electrónica.
Enquanto director do Credit Suisse, Pearse contou que liderou a equipa que aprovou o empréstimo à ProIndicus, em Fevereiro de 2013. Foi nesse contexto que foi abordado por Jean Boustani, o libanês detido nos EUA e que actuava no esquema em nome da Privinvest, para reduzir as taxas de subvenção que a construtora naval devia pagar. Em troca, Pearse recebeu subornos não quantificados pagos pela Privinvest.
“Eu também concordei com Safa e Boustani em Março de 2013, que receberia uma percentagem de qualquer outro empréstimo ProIndicus que a Privinvest tivesse recebido após o empréstimo inicial de 372 milhões de dólares da ProIndicus. Subsequentemente, cheguei a acordos semelhantes com Safa e Boustani para receber uma percentagem dos recursos do empréstimo das transacções da EMATUM e do MAM, enquanto trabalhava como director da Palomar Holdings, que é uma empresa de dois terços pertencente à Privinvest Shipbuilding Investments. Uma entidade Privinvest e/ou a Palomar Holdings transferiram-me milhões de dólares relacionados com as transacções moçambicanas na minha conta bancária nos Emirados Árabes Unidos”, confessou o réu ao tribunal norte-americano.
Com o nome Safa, o antigo dirigente do Credit Suisse refere-se ao Iskandar Safa, o empresário francês de origem libanês co-propretário da Privinvest, o grupo empresarial baseado nos Emirados Árabes Unidos.
Voltando à confissão, Andrew Pearse revelou ao tribunal que o valor total do empréstimo para a EMATUM foi maior do que o solicitado pela empresa para estabelecer uma frota de atum e que foi dimensionado de acordo com o financiamento disponível oferecido pelo Credit Suisse e pelo VTB para a Privinvest.
“Eu sabia que os pagamentos que a Privinvest fez a mim, relacionados ao aumento do empréstimo da ProIndicus e da EMATUM pelo Credit Suisse não foram divulgados nos documentos do empréstimo”.
E mais: um trabalhador do Credit Suisse que era responsável por sindicalizar o aumento do empréstimo da ProIndicus enviava contratos de empréstimo aos investidores e potenciais investidores, sem mencionar os pagamentos feitos ao Andrew Pearse.
“Eu também sabia que um outro banqueiro do Credit Suisse, Surjan Singh, estava a ser secretamente pago pela Privinvest para ajudar na conspiração. Especificamente, em Setembro e Outubro de 2013, fiz dois pagamentos de um milhão de dólares cada para Singh. Os pagamentos, que vieram de fundos que recebi da Privinvest, foram em troca da ajuda de Singh na redução da taxa de subvenção da ProIndicus e para garantir a aprovação do empréstimo da EMATUM pelo Credit Suisse. Também auxiliei na criação de um acordo entre Singh e Boustani, do qual Safa estava ciente, sob o qual Singh recebeu pagamentos no total de 4,4 milhões de dólares de Boustani em troca de facilitar a aprovação do empréstimo EMATUM pelo Credit Suisse”, contou o réu ao tribunal presidido pelo juiz Juiz William F. Kuntz.
Aliás, foi Surjan Singh, o director do Credit Suisse que liderou a equipa que viabilizou o empréstimo da EMATUM, que sugeriu a estruturação do financiamento para esta empresa como um bónus para aproveitar o mercado internacional de títulos.
O réu confessou ainda que ele, tal como outros dirigentes do Credit Suisse, sabia que projectos em países emergentes, como os três que “tramaram” Moçambique, apresentavam um alto risco de suborno. Ainda assim, Pearse contou que nunca esteve preocupado com a exposição do banco porque “sabia que o Credit Suisse usava correctores intermediários em transacções que apresentavam um alto risco de corrupção, com a aparente visão de que, ao fazê-lo, eximia-se da responsabilidade legal”.
Andrew Pearse contou que soube mais tarde, através de Jean Boustani, que a empresa naval baseada nos Emirados Árabes Unidos tinha pago ao filho do então Presidente de Moçambique pelo menos 50 milhões de dólares. Entretanto, na acusação do Ministério Público moçambicano consta que Ndambi Guebuza recebeu 32 milhões de dólares.
Andrew Pearse, 50 anos, e mais dois antigos dirigentes do Credit Suisse foram detidos em Janeiro deste ano em Londres, a pedido da justiça norte-americana. Dias depois, os três foram soltos mediante pagamento de caução.
Além dos 2.5 milhões de dólares que pagou pela liberdade provisória, Pearse está sujeito a várias medidas de segurança, entre elas a proibição de requerer documentos de viagem, a proibição de envolver-se em transacções financeiras acima de 15 mil dólares (cerca de 900 mil meticais) sem a prévia autorização do governo e da justiça dos EUA. O réu deverá reportar, semanalmente, por telefone ou videoconferência, aos agentes do FBI que tratam do processo, além de estar sujeito a monitoria electrónica. O seu passaporte fica à guarda da advogada de defesa, que só o libertará exclusivamente para viagens aprovadas entre o Reino Unido e Nova York. Nessas viagens, ele será acompanhado pela sua advogada.
Depois da confissão da Detelina Subeva em Maio último, Andrew Pearse é o segundo banqueiro do Credit Suisse a admitir ter recebido subornos no âmbito das dívidas ocultas.