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A (auto)destruição em “No guns” e em “Aconteceu em Saua-Saua”: um reflexo da opressão sistémica

A canção afro-fusion “No guns” (do álbum Liwoningo), interpretada por Selma Uamusse, e o conto “Aconteceu em Saua-Saua” (do livro Ninguém matou Suhura), da autoria de Lília Momplé, convergem na exploração da destruição individual e colectiva, que emana da violência e da opressão. Ambas as obras sublinham como essa destruição é, frequentemente, perpetrada por entidades percebidas como superiores, abrindo espaço para múltiplas interpretações.

Em “Aconteceu em Saua-Saua”, Momplé descreve, de forma incisiva, os estágios da destruição imposta pelo colonialismo. A autora cria um protagonista, Mussa Racua, que representa as várias vítimas das exigências desumanas dos “superiores” que expõem as complexas realidades vividas pelo povo moçambicano, cuja dignidade e vida foram aniquiladas.

O conto de Lília Momplé revela que os conflitos externos geram conflitos internos, o que é evidenciado pela seguinte reflexão de Mussa: “é melhor morrer. Não acordar nunca mais. Não ser mais um animal”.

Nesse contexto, a autodestruição surge como uma forma de fuga e resistência, em que a morte é encarada como um acto de liberdade perante a opressão.

Lília  sugere que, mesmo o perpetrador da opressão, pode sofrer danos, como a perda de mão-de-obra, levantando a questão da indiferença perante o sofrimento alheio.

Por sua vez, em “No guns”, Selma Uamusse vocaliza um apelo directo à não-violência, como se observa na seguinte passagem: “Dont use your guns to kill your people”.

O vídeo-clipe da música complementa a mensagem contra violência através da expressividade do dançarino, Gerson Sanca. Na sua performance, Sanca imita uma pistola com as mãos e a coloca na própria cabeça, antes de “voltar a si”. O gesto poderoso não apenas sugere que o acto de matar o próprio povo culmina na autodestruição do agressor, mas também visualiza a luta interna e a existência de uma consciência.

A performance do dançarino, embora individual, também personifica a experiência colectiva de um povo e a manifestação de um alter ego com sede de destruição. Contudo, em contraste com a autodestruição, a dança e a canção são retratadas como uma expressão de vida e emoção interna, um clamor em face à violência.

Selma Uamusse, ao longo da interpretação, intensifica o seu apelo ao “you”, uma entidade que detém o poder. Ela não só pede para que não se usem as armas contra o povo, mas também para que essa entidade não utilize a luxúria para destruir a infância das crianças.

A cantora deixa claro a quem se dirige essa mensagem ao nomear explicitamente os alvos da sua crítica: “Hey mister President, Hey mister Minister, Hey mister Governor, Hey dear CEO… No weapon, no guns”.

A referência aos sujeitos em causa reforça a crítica à opressão sistémica exercida por figuras de autoridade política e corporativa, ampliando a compreensão da violência para além da agressão física, e incluindo a corrupção moral e a exploração.

Em suma, tanto a obra de Lília Momplé quanto a interpretação de Selma Uamusse conduzem à reflexão de que a violência e a destruição podem gerar impactos negativos significativos, não apenas nas vítimas, mas também nos próprios perpetradores. Ambas as obras, de forma brilhante, servem como um lembrete crucial para que a sociedade não seja conivente com tais actos desumanos.

 

*Texto resultado das actividades realizadas na oficina de escrita sobre crítica de arte, na Fundação Fernando Leite Couto.

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