Por: Edna Matavel
A violência doméstica é todo acto de abusos físicos, sexuais, psicológicos perpetrados por um membro da família ou parceiro íntimo. No meu caso, foi com o meu parceiro.
O meu nome é Mevasse. Em cada gestação eu apanhava do meu marido. A última vez que ele levantou a mão em mim, cheguei ao ponto de acordar numa cama de hospital e com um bebé prematuro.
Quando nasci, os meus pais costumavam dizer que a mulher nasceu para se submeter às vontades do seu marido, e trabalhar duro para ser vista como zelosa e prudente no seu lar. Essas palavras se fizeram notórias no momento em que a minha felicidade e liberdade foram vendidas por conta de uns trocados e uma cabeça de gado. O que os meus pais pouco sabiam é que ali iniciava uma vida cheia de dificuldades e dor. Onde, nas noites de frio, as lágrimas serviam de companhia e consolo ao ponto de aquecer o meu rosto.
Para minha sobrevivência, no início do casamento, levantava quatro horas da madrugada e pegava na enxada para comer do fruto do meu suor. Mesmo o cansaço e o sono visitando o meu organismo, não tinha outra escolha.
Tempos depois, descobri que estava grávida e era o início de muita luta. O meu marido acreditava que tendo vários filhos seria bem visto e, assim, fortificava-se a sua masculinidade perante a sociedade. Ele marcou em mim a quantidade de filhos que desejava ter. Sim, cicatrizou em mim o número 10, como símbolo de firmeza nos filhos que queria. Ademais, ele queria somente rapazes.
Tive a primeira gestação cheia de riscos e não acreditava na sobrevivência do bebé. Veio ao mundo uma menina, mas para a minha desgraça, o meu marido tornou-se um homem malévolo, pois considerava meninas um desperdício e despesas sem retorno. Ele me espancou-me julgando que era a culpada por trazer uma infeliz ao mundo.
A minha filha cresceu inferiorizada pelo próprio pai, porque não podia ajudar com o trabalho que fazia. Vezes sem conta, chegava embriagado e eu tinha de interromper o sono da madrugada para fazer as suas vontades e satisfazê-lo como homem. Mal se importava com o estado de saúde da criança. Tive a minha segunda, terceira e quarta gravidez, e, por ironia do destino, eram meninas. Ele perguntou-me o motivo de trazer meretrizes ao mundo e não homens que pudessem fortificar o apelido. Humilhava-me dizendo que só servia para ir à machamba e cuidar da casa, era inútil para fazer filhos.
Havia àqueles dias em que eu volvia em torno de tudo que já tinha-me acontecido e ponderava… A solução parecia a de desistir de tudo, mas os meus pais deixaram claro que já não lhes pertencia.
Os meus olhos denunciavam a minha tristeza. As vizinhas olhavam para mim e desdenhavam-me. Mal conseguia comprar chinelos para as crianças e o meu marido pouco se importava, porque, para ele, filho de verdade nasce homem.
Eu apanhava porque não conseguia ter meninos e nem fazer com que o apelido crescesse e fosse louvado na família. De tanto ser uma máquina de produzir filhos e sujeita a trabalhos duros, perdi e nunca vi a beleza da vida e as tantas alegrias que as vizinhas falavam dos seus casamentos. O meu brilho foi ofuscado e a velhice não tardou a visitar-me. Um minuto de alegria para disfarçar a minha tristeza diante das crianças. Era resultado de uma noite cheia de choros.
Nos dias em que o meu choro chegava ao quarto das meninas, elas questionavam o motivo, e eu, por detrás da porta, balbuciava para dizer: está tudo bem.
Diante da extrema violência, eu tinha que pensar na minha sobrevivência para o futuro das crianças. Pensava na quantidade de filhos que ele queria e no sofrimento que sempre passei para sustentar as mesmas, mas eu não tinha direito a escolha porque estava prostrada ao meu marido. Pagando, assim, o dinheiro que os meus pais receberam no casamento.
Ele pensou em procurar uma esposa que lhe pudesse dar um herdeiro para levar o apelido em diante. Mas, diante dos meus olhos, ele andava com moças mais jovens, e todo audacioso me espezinhava, dizendo que o arroz que colocava à mesa era suficiente para eu deixá-lo em paz com as suas garrotas.
Poucos anos depois, tive a sétima gravidez. Desta vez, era um menino, mas, durante a gestação, sofri abusos. Dias e noites ele espancava-me julgando que era para a criança nascer forte e ainda feto conhecer a dureza da vida. Ele acreditava que fosse ter mais uma desgraça, mas não. Dessa vez, se cumpria o seu maior desejo.
No dia do parto, veio aos meus braços um menino. Quando recebeu a notícia, ficou todo eufórico ao ponto de fazer uma festa de recepção do príncipe querido do pai. As meninas perguntavam umas às outras se não eram filhas suficientes para receber tamanho carinho. O pai respondeu com firmeza que agora, sim, era um PAI de verdade.
Infelizmente, a criança nasceu prematura e, por consequência dos abusos sofridos, não resistiu e perdeu a vida. Eu e as meninas fomos culpadas por essa perda, e fomos espancadas pelo meu marido.
Depois de anos de sofrimento, num mau casamento e trabalhando com tenacidade para construir uma linda família ilusória, eu olhava para mim e as minhas filhas e não tínhamos nenhum brilho. Aí eu tinha que tomar uma decisão antes mesmo de completar os 10 filhos. Decidi segurar firme e procurar às autoridades competentes. Fui mal falada e as minhas filhas sofreram muito, tão novas e com cicatrizes de sofrimento. Aí era somente eu e elas, pois, os meus pais deixaram claro que o lar constrói-se com muita força, mas eu não tinha mais esta força de aguentar tamanha violência.
Enveredei por um caminho livre deste homem malévolo graças às autoridades competentes juntamente com as minhas filhas, na esperança de um dia viver longe de qualquer abuso.
E aí, eu disse para mim mesma: basta, NÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.