À guisa de uma introdução
Dos primeiros critérios que aprendemos quando nos ensinam a escrever é que um texto deve conter introdução, desenvolvimento e conclusão. Muitas vezes se para por aí e já nos é instruído a escrever um texto, uma redacção, na verdade, sem uma clara explicação sobre como integrar num texto as construções frásicas antes aprendidas e sobre a construção de um parágrafo coeso e coerente. O que tem sucedido é que muitos precisam de chegar à Universidade, para aprender que um único parágrafo deverá também conter uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. Ou seja, a escrita obedece a compassos.
Supondo que um compasso de escrita, num texto, seja a, b, c e d. No decurso da sua escrita, não deverá haver a, c, d e b. Se isso acontecer, estamos a tornar o texto pouco coeso e muita das vezes incoerente e inconsistente. Não me refiro aqui a prolepses nem a analepses (ou seja, a avanços e a recuos num texto literário), que têm uma construção própria. Refiro-me à escrita de uma simples redacção de uma carta ou de uma mensagem comum ou ainda, no caso daquilo de que me interessa falar, neste texto, à obra Como fazer propostas de investigação, monografias, dissertações e teses: manual de metodologias e de investigação, de João Ruas, docente universitário.
Há compassos a serem obedecidos, para permitir uma leitura harmónica e compreensiva de um texto qualquer. Quantas vezes é que recebemos um e-mail ou uma mensagem de texto de alguém e, a seguir temos que lhe ligar a perguntar o que é que pretendia dizer com ele?
Uma outra grande dificuldade que muitos alunos enfrentam no final da frequência a um curso universitário ou a quando da necessidade de escrita de um projecto de trabalho de final ou de início de um curso é a organização e a escrita. É altura comum para se desistir. Os mais práticos no grupo dos que têm dificuldade em fazer um trabalho de fim de curso, no lugar de desistirem, preferem a alternativa de Exame de Estado, que muitas universidades oferecem. Ao menos isso. Mas elaborar um projecto ou uma monografia é tarefa difícil e não é à toa que existem diferentes tipos de livros sobre a escrita de projectos para investigação, para final de curso ou projectos, que também servem para apresentar propostas de consultoria.
Existe, na maior parte das vezes, dificuldades dentro desses tipos de escrita. No que diz respeito ao livro de João Ruas, acima mencionado, por se tratar de Filosofia da Ciência, devo dizer que são poucas as pessoas que têm paciência de ler esses livros, mas também são poucos os autores que preparam essas matérias de forma prática; simples de seguir, como se de uma receita de bolos se tratasse.
João Ruas se coloca entre os que simplificam a Filosofia da Ciência. O livro a que me vou referir é um manual. E lembrando, um manual é um instrumento que contém conhecimentos imprescindíveis sobre um tema e escritos de forma simples, para que leigos também possam seguir. É como uma receita para fazer bolos, por exemplo. E ao dizer uma receita para bolos, não é para minimizar este trabalho científico; é que mesmo se tratando de bolo, quem tem bom gosto estético ou é guloso, não come qualquer um. Quer o bolo do melhor pasteleiro. E o melhor pasteleiro, muitas das vezes é quem sabe seguir à risca uma receita ou quem sabe escrever muito bem uma e, em ambos casos, há, claramente alguma dose de criatividade. É a esse propósito que existem as estrelas Michelim ou seja, cozinha requintada, comida excelente.
Breves notas sobre a primeira e a segunda edições da obra Como fazer propostas de investigação, monografias, dissertações e teses: manual de metodologias e de investigação
Todo aquele introito era para reiterar o que eu afirmei num dos comentários que fiz relativamente à primeira edição desse livro e que consta da segunda edição e reitero:
Li, à exaustão, o livro do Professor João Ruas. E decidi que o utilizaria, a título experimental, em duas disciplinas que leccionei repetidas vezes: Métodos de Pesquisa e Metodologias de Pesquisa, ministradas no primeiro e no quarto anos universitários.
Equacionei, muitas vezes, a possibilidade de não partilhar a obra com os alunos do primeiro ano, mas a simplicidade e a objectividade com que o autor da obra aborda um assunto complexo, as propostas de investigação e afins, fez-me acreditar que os alunos teriam prazer em aprender a partir dela.
Fiz o teste e resultou. Várias vezes, constatei que os alunos o citavam e que elaboravam os seus trabalhos recorrendo à estrutura proposta no livro, mesmo em contextos nos quais a obra disputava espaço com outras de outros autores. Isso comprovou, na minha óptica, o valor da ciência. Coloquei a obra em teste e não houve obstrução na compreensão sobre o fazer ciência ou sobre a compreensão do facto de que a Filosofia da Ciência pode ser abordada com leigos, desde que o método e a linguagem utilizados favoreçam o processo de aprendizagem, como o caso desta obra de João Ruas.
Lendo a segunda edição constatei que é uma edição revista e ampliada da primeira. Aquilo que é imprescindível numa monografia, numa dissertação ou numa tese, como já tinha sido dito e estava muito bem referido. Entretanto, nada me custou elaborar uma segunda aferição; e uma forma de o fazer é comparar esta obra ou a sua abordagem com outras altamente recomendáveis ou altamente reputadas.
Então, para além das experiências que tinha feito e que aqui referi, consultei o trabalho de Ricardo Morais, um cientista conhecido mundialmente, na academia, pela simplificação de modelos para escrita e avaliação de trabalhos académicos. Morais defende a existência de 21 itens a serem integrados num trabalho de pesquisa. Ele designou ao seu trabalho “Ideia Puzlle”. E quem o segue, faz sempre uma boa monografia, dissertação ou tese ou faz uma excelente avaliação desses mesmos tipos de texto, após tê-los escrito.
São seguintes os critérios propostos por Ruas, para se fazer um projecto de pesquisa: (1) abstract; (2) identificação do tópico; (3) definição do problema a ser investigado; (4) definição da pergunta a ser investigada; (5) definição de perguntas investigativas); (6) definição das hipóteses a considerar; (7) identificação do paradigma de investigação; (8) metodologia de investigação; (9) definição dos objectivos gerais e específicos; (10) justificativa do trabalho (importância do tema para a investigação); (11) abordagem das limitações da investigação; (12) delimitação da investigação; (13) estado da arte com os prós e contras relativos ao tópico ou às variáveis escolhidas, mais a definição de conceitos operacionais; (14) recolha de dados; (15) técnicas de recolha de dados; (16) técnicas de análise de dados; (17) análise e interpretação de dados (18) conclusões; (19) recomendações; (20) tempo de realização da pesquisa e (21) introdução.
Não sendo exactamente os mesmos itens preconizados por Morais, têm a mesma função e cumprem o mesmo objectivo. Têm, na verdade, a mesma ciência: realizar uma pesquisa com qualidade; ou mesmo, avaliar uma pesquisa de modo adequado, após esta estar elaborada. Para além de mostrar a necessidade de se utilizar esses 21 itens para compor a pesquisa, João Ruas revela, com exemplos práticos, como é que esses itens devem ser formulados. Chega a mostrar os exemplos daquilo que deve ser essa formulação, bem como aquilo que não deve ser. Em qualquer teoria, o mais difícil depois de se fazerem definições é apresentar-se exemplos práticos. Teorizar, experimentar: montar, construir, testar e medir. Esses conhecimentos complementam-se, mas nem sempre são fáceis de elaborar e de relacionar.
Quem lê ou assiste as aulas do Professor João Ruas, constata que, contrariamente às grandes discussões sobre o que é que se faz primeiro para se elaborar uma tese; se a revisão bibliográfica ou se a formulação do problema a pesquisar, constata que se deve formular o problema. Isso pode ser confirmado em Ruas (2021:70), a segunda edição da obra em apresentação, por exemplo. Para este autor, o problema já existe na realidade empírica; precisa de ser formulado, para ser resolvido cientificamente.
Mais ainda, Ruas explica, nesta obra, o erro fossilizado, entre algumas pessoas, de se considerar que o resumo ou abstract de um trabalho académico são uma introdução ao mesmo. Uma coisa não substitui a outra, nem uma coisa prescinde da outra. E são distintas, tanto em termos de tamanho, quanto na filosofia da sua escrita. Ainda a este respeito, muita das vezes, a vida de alunos se torna complicada quando se lhes pede que apresentem uma introdução ao trabalho, parte que, descomplicando, Ruas adverte ser a última parte do trabalho a ser escrita. Em minha óptica, mais vale solicitar primeiro um abstract ao aluno, que ele possa depois reformular ao decorrer da pesquisa, fazer o trabalho, depois, a introdução.
O autor
João Ruas é um cidadão multifacetado. Foi piloto de automobilismo. Para além de ter uma licenciatura em Engenharia Civil, cujo diploma foi-lhe atribuído pela Universidade Eduardo Mondlane; tem um mestrado em Gestão de Empresas, pela Montfort University da Grã-Bretanha e dois doutoramentos, um em Engenharia de Gestão pela Universidade de Johannesburg e outro, em Governança e Administração – passado pela Cranefield Colege em Pretória. É docente universitário, tal como o tinha afirmado e, nessa qualidade, tem sido orientador e arguidor de diferentes trabalhos de fim de curso, desde as licenciaturas, até aos doutoramentos.
Recomendo a leitura da sua obra. A quem a ler, desejo uma leitura, uma análise e, desejando, uma aplicação proveitosa; porque, como disse, a obra ajuda na elaboração de um projecto de pesquisa e, se desejarmos, criteriosamente e, com as devidas escolhas, pode ajudar a elaborar um projecto de consultoria ou mesmo avaliá-la.
Sara Jona Laisse, docente universitária. Contacto: saralaisse@yahoo.com.br.