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Sérgio Vieira (1941:2021): “Jovens vão usar tua arma para fazer crescer o debate são no nosso seio”

Foto: Presidência da República

Foi ontem realizado o velório oficial de Sérgio Vieira, veterano da luta pela independência de Moçambique que perdeu a vida vítima de doença na passada quinta-feira, num hospital na vizinha África do Sul. A cerimónia teve lugar no átrio do edifício do Conselho Municipal da Cidade de Maputo e foi dirigida pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, que proferiu, na ocasião, o elogio fúnebre.

Participaram ainda do evento os antigos Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, além de alguns membros da Comissão Política do partido Frelimo, membros do Governo, antigos governantes contemporâneos do malogrado e antigos combatentes.

Na sua mensagem, o Presidente da República destacou as qualidades que sempre caracterizaram Sérgio Vieira desde o brotar em si da revolta contra o racismo, colonialismo, o ódio e todas as forças de opressão e segregação, tendo contado um episódio vivido por Sérgio Vieira na tenra idade – quando iniciou os seus estudos no liceu, seus colegas entoaram canções de manifestação do racismo e ele desferiu um golpe em um deles, o que terá valido uma punição pela direcção do liceu. Este episódio, segundo Filipe Nyusi, mostra, igualmente, a coragem que Sérgio Vieira sempre teve e a predisposição para com frontalidade aos problemas, assim como a liberdade que sempre teve de falar o que acha correcto e deve ser feito para o bem da maioria.

“Por causa desse seu carácter, ainda adolescente encarnou o nacionalismo e a luta contra o colonialismo português, o imperialismo e o fascismo como sua forma de ser e estar, como seu modo de vida. Vieira esteve envolvido no movimento estudantil na Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa e na Casa de Estudantes do Império, onde frequentaram muitos nacionalistas dos países africanos falantes da língua portuguesa, incluindo moçambicanos.”

Terá sido esse seu envolvimento nesses movimentos que o malogrado foi obrigado a abandonar Portugal e esteve em vários países europeus, com destaque para França e Bélgica e, sobre isso, o Chefe de Estado recordou, na sua mensagem, um outro episódio que o malogrado passou quando foi a Tete passar férias vindo de Portugal: “um sipaio foi à sua casa para o informar sobre o seguinte: sei que a nossa Polícia o considera subversivo e anti-português, saiba que estamos de olho em ti” contou.

E foi em França onde participou no encontro entre Eduardo Chivambo Mondlane e os estudantes moçambicanos que lá se encontravam, entre os quais Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi, que também tinham abandonado Portugal a fugir das perseguições da Polícia Política Portuguesa, denominada PIDE, isto em 1962, quando o mesmo se deslocava a Dar Es Salaam.

Estes estudantes viriam a ser, mais tarde, solicitados a juntar-se à Frelimo em 1963, na Tanzânia, e Sérgio Vieira foi enviado a Rabat em Marrocos, onde era representante do movimento e, nessa altura, foi encarregue de organizar o Congresso dos Estudantes Moçambicanos e fê-lo com sucesso. E terá sido esse sucesso que fez com que Eduardo Mondlane tirasse Sérgio Vieira de Rabat para Dar Es Salaam, onde o nomeou seu secretário entre 1967 e 1969 quando o primeiro presidente da Frelimo perdeu a vida.

O Presidente da República destacou ainda que o “Coronel”, como era carinhosamente tratado, em clara alusão à patente que ostentava enquanto membro das Forças Armadas, sempre cumpriu com zelo todas as missões a que foi incumbido, especial destaque foi a sua liderança que levou à introdução, em 1980, do Metical como nova moeda da então República Popular de Moçambique em substituição do Escudo português.

Ao longo dos tempos e durante a construção do Estado moçambicano, sempre assumiu a dianteira, apontando os caminhos a seguir, com frontalidade, vinha apontando os erros e o que havia por mudar para que o Estado assumisse integralmente as suas atribuições. E deu exemplo de uma carta que o malogrado escreveu para si em Novembro do ano passado, da qual destaca: “aconselhava-nos sobre diversas matérias em prol do patriotismo, boa governação, combate à corrupção, bem-estar do povo moçambicano e respeito dos ideais do pan-africanismo”. Mesmo no leito hospitalar, Filipe Nyusi recorda que, quando o visitava e se estivesse consciente, não deixava de aconselhar “para estarmos rodeados de pessoas honestas e enfrentarmos a governação com muita coragem”.

Por essa razão, o Chefe de Estado considera que “está claro que a Nação moçambicana fica privada de uma das suas mais célebres referências pela conquista da independência total e completa de Moçambique, na construção do Estado moçambicano e na promoção do bem-estar social para todos os moçambicanos. Vemo-nos hoje limitados da biblioteca viva que carregava os feitos de Mondlane, e Samora e de todos os seus outros colegas de armas em Moçambique e em África. Neste dia do adeus, no lugar de chorarmos a morte deste embondeiro de Tete que sempre se identificou com as suas origens e tornou-se num dos pilares da libertação da pátria e na consolidação da nossa moçambicanidade, queremos, a partir deste salão, convidar a família e todos os moçambicanos a celebrarmos os feitos deste homem pequeno que se tornou grande e que, em vida, escreveu a sua própria história com as letras de ouro”, disse.

A seguir, Filipe Nyusi dirigiu algumas palavras ao próprio malogrado: “compatriota Sérgio Vieira, tu sempre defendeste que, quando um companheiro cai em combate, devemos pegar na sua arma e continuar com a luta, acredita que os jovens vão pegar em tua arma e continuar a fazer o debate são no nosso seio. Este aprendizado, encoraja-nos a ultrapassar a dor que o teu desaparecimento físico nos causa e nos permite afirmar com convicção que vamos continuar a todo fazer para enfrentar os desafios actuais, como o terrorismo em Cabo Delgado e a pandemia da COVID-19”.

Houve ainda tempo para Nyusi solidarizar-se com a família enlutada que, também na sua mensagem, descreveu um Sérgio Vieira que era pai, irmão, tio e avó afectuoso e que sempre esteve preocupado com o bem-estar de todos, sempre conselheiro, nunca deixou de dar apoio não só aos seus familiares directos, mas também aos familiares “emprestados” e sentia orgulho pelo reconhecimento público que os moçambicanos sempre deram ao seu envolvimento à causa da liberdade e do bem-estar do povo moçambicano.

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