O País – A verdade como notícia

Mais achas à fogueira

A Comissão Nacional de Eleições decidiu, na sequência da reclamação do MDM, considerar inelegível o Cabeça de Lista Venâncio Mondlane. Das várias posições que têm sido avançadas, há uma, que me parece a mais acertada, que defende a inconstitucionalidade das normas que ditaram o afastamento daquele candidato. É que, diz-se, não pode uma norma ordinária (a Lei Eleitoral), impedir o exercício de um direito fundamental, até porque a referida norma ordinária limita o direito de participação política sem qualquer fundamento constitucional.

Com efeito, não faria sentido que a Constituição da República permitisse que os cidadãos pudessem participar no processo político, como eleitores ou candidatos, e viesse uma lei limitando esse mesmo direito.

É verdade que a CRM admite a limitação de direitos fundamentais (artigo 56, n.º 2), mas em “razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição”. Não parece razoável admitir que a participação de um cidadão como (candidato a) membro de um órgão autárquico possa ser limitado porque este mesmo cidadão renunciou – ou o que se quiser chamar a esse acto – a um órgão autárquico (menor) para participar activa e politicamente num órgão do Estado (Assembleia da República).

É uma de entre tantas interpretações possíveis. Seja como for, compreendo que a CNE tenha decidido daquela forma. É que a CNE é um “órgão independente e imparcial”, ou seja, um tribunal, sendo constituído por pessoas que têm o direito de interpretar a lei como entenderem mais adequado.

Num órgão colegial, quando não se impõe que as decisões devam ser unânimes, vigora o quórum deliberativo que, neste caso, é o de que a maioria é que vence. Importa, aliás, sublinhar que, sendo estas as únicas normas aplicáveis – confesso a minha limitação, mas também hesitação -, a CNE só poderia ter tomado aquela decisão, uma vez que, apesar de as normas aplicadas para reprovar a candidatura serem inconstitucionais, a CNE não tem legitimidade para recusar a aplicação das normas postas em crise, por considerá-las inconstitucionais.

É que, tal como tem reiteradamente decidido o Conselho Constitucional (v. por exemplo o Acórdão n.º 8/CC/2017, de 6 de Novembro, publicado em http://www.cconstitucional.org.mz/Jurisprudencia/08-CC-2017, pp. 5 e 6), “o nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade não é difuso, em que é permitido ao juiz ou tribunal, no julgamento de um caso concreto, decidir se uma norma é ou não inconstitucional, pois essa competência pertence exclusivamente ao Conselho Constitucional, tanto em sede de fiscalização concreta bem como sucessiva abstracta da constitucionalidade.”

Na verdade, se a CNE “(…) tivesse afastado e, consequentemente, desaplicado a norma cuja inconstitucionalidade se suscita, o facto equivaleria a auto investir-se em juiz constitucional, violando o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 244 da CRM [actual artigo 243, n.º1, alínea a)], pois o Conselho Constitucional é o único órgão de soberania ao qual compete especialmente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucionais, nos termos do n.º1, do artigo 241 da CRM [actual artigo 240, n.º 1]”.

É uma pena que haja pouco tempo para as eleições, porque isso não permitirá decisões serenas e ponderadas, tendo em conta os apertadíssimos prazos da legislação eleitoral.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos