Por: Aurélio Ginja
O prenuncio do Murmurar dos Buzios e as Miudezas da Alma
E nada mais me perguntes/ Se é que me queres conhecer/que não sou mais que um búzio de carne/ Onde a revolta de África congelou/ Seu grito inchado de esperança. Noémia de Sousa em “ Sangue Negro” 2001
Há paisagens dentro do corpo, dizia Rubem Alves! Depois de um mergulho no universo poético contido no Murmurar dos Búzios e as miudezas da Alma de Falso Poeta, livro de Rudêncio Morais e de uma visita ao atelier do artista Mourana, estes dois artistas, o poeta e o pintor, decidiram fazer jus à premissa de Rubem Alves anuindo que sim, há paisagens que existem dentro do corpo e que constituem o relevo de algo interior a que chamamos de alma. E por ser verdade decidiram escrever e pintar sobre a alma, ilustrando com fidelidade surreal essas paisagens que existem dentro do corpo, o corpo da alma!
Depois de tantos percursos, na trajectória das suas vidas, percursos de ganhos e perdas decidiram pintar o voo das raízes e o mergulho das asas na terra, revisitando a espiritualidade da nossa ancestralidade bantu e também de outros quadrantes, mas que se implantaram nas nossas almas, nestas terras afro-tropicais e fizeram morada em nossos corações. Falo do cristianismo, do islamismo, do hinduísmo, só a título de exemplo. Tudo para serem a voz da saudade milenar que a todos nos costura, como humanidade! A saudade de nós mesmos e do nosso futuro, a saudade dos que partiram e que se incorporam nas paisagens de além, e nos remetem para Deus, que por existir, existe para tranquilizar a saudade, citando Alves. Para eles antes da transcendência veio a ascendência. O voo do antes para o depois.
Não temeram nesse voo ou mergulho penetrar no mistério, escalar o inusitado, conviver com o imprevisível, pois estes três elementos interagem de forma salutar com a poesia e com a pintura. Nos pedaços em que a tela se cala surge a magia da poesia e quando os versos emudecem perplexos surgem as pinceladas surreais do pintor. A arte de ambos tem como combustível esse mistério e essa aspiração, por algo mais além a que se chama transcendência.
Ambos plantam flores de esperança nas cercanias do vazio existencial, na perspectiva de que em tudo que vive, revive a poesia como algo imaterial, transcendente e abstracto, que se pode enxergar não apenas na escrita de Falso Poeta, mas também nos quadros de Pmourana.
Estes poemas e telas aspiram a estabelecer dentro do tempo, outro tempo, na teimosa aspiração de alcançar vitória sobre a ditadura desse mesmo tempo. Estes poemas e telas procuram transformar cada silaba ou pincelada irreversível num instante eterno. Estes poemas e telas buscam ousadamente trespassar o mistério da vida, penetrando as fronteiras do além. Através destes búzios e cores Pmourana e Falso Poeta, encostando-os bem ao ouvido, trazem-nos recados das grandes ondas do mar do além, dos corações de peitos idos, eternamente presentes com ressonâncias e cores feitas de metáforas palpitantes da terra.
20.07.2021 / 13:14
Nota do editor: Na fotografia estão, da esquerda à direita, PMourana, Rudêncio Morais (Falso Poeta) e Aurélio Ginja.