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“Estamos a criar mecanismos de divulgação para garantir transparência no Fundo Soberano”

Em Grande Entrevista, o administrador do Banco de Moçambique, Jamal Omar, deu detalhes sobre o processo de criação do Fundo Soberano em Moçambique, onde assegurou que estão criadas as condições para que o fundo seja transparente, de modo que os moçambicanos estejam a par dos investimentos que estarão a ser feitos com o Fundo.

O Banco de Moçambique lançou, no ano passado, uma auscultação pública sobre a criação do Fundo Soberano no nosso país. Ouvidas todas as sensibilidades do país, qual é o balanço que o banco central faz?
Neste momento, o balanço que nós fazemos é positivo. Tivemos muita participação. Recebemos, para além dos seminários que realizámos nas províncias, de instituições e pessoas individuais, comentários directos ao Banco e Moçambique. Portanto, estamos no caminho certo.

Da proposta do Fundo Soberano, há várias experiências de outros países. Qual delas foi a base para a criação do nosso Fundo?
Antes de redigirmos a nossa proposta, nós realizámos um seminário internacional, que teve lugar em Março de 2019, onde tivemos vários peritos internacionais e nacionais e discutimos essas matérias. Seguidamente, nós visitámos várias experiências. Visitámos a experiência do Alasca, nos EUA, do Timor-Leste, do Trindade e Tobaco, de Noruega e, em África, colhemos a experiência do Botswana. No cômputo geral, eu diria que o nosso modelo baseia-se, essencialmente, na sua estrutura central, num modelo combinado com o da Noruega, do Trindade e Tobaco, bem como o de Timor-Leste. É verdade que nós fizemos algumas adaptações para adequar à realidade aqui do nosso país.

Num olhar microscópico aos modelos que os países adoptaram para a criação dos seus fundos, como é que se explica que a nossa proposta não apresente os prós e contras dos caminhos a que nos propusemos a trilhar?
A proposta que nós trazemos é simples, muito directa ao assunto, porque nós estávamos conscientes do processo que queríamos levar, que é a auscultação pública. Nós queremos que toda a sociedade moçambicana perceba do que estamos a falar. É verdade que por detrás desta proposta existe um conjunto de estudos que foram realizados do nosso lado, a nível do Banco de Moçambique.
Não seria fácil levar o processo a cabo se trouxéssemos todo o conjunto de informações que nós temos. A questão de prós e contras foi analisada. Aliás, o seminário de que falei aqui, esta questão foi amplamente discutida e o resultado é que ficou claro que toda a gente queria a criação de um Fundo Soberano. Por isso, não elencamos a discussão sobre os prós e contras, porque do seminário que foi feito criou-se consensos.
Nós estamos a dizer que os objectivos da conta do Fundo Soberano seriam três: o desenvolvimento, a estabilização e a acumulação de poupança para que, daqui a cinco anos ou mais, quando esses recursos esgotarem, tenhamos como viver sem quebrar o nosso padrão de consumo e de investimento.
Então, estamos a trazer de forma muito clara esses dois objectivos. Mas, porque a nossa regra de entrada que estamos a estabelecer é que nem todas as receitas provenientes da exploração do gás irão para o Fundo Soberano. Nós estamos a dizer que apenas metade irá para a conta do Fundo e a outra vai directamente ao Orçamento do Estado.
A questão de desenvolvimento está integrada na metade que vai ao Orçamento. Nós queremos dar ao Governo, que gere o Orçamento do Estado, a autonomia de liderar o processos e desenvolvimento do país.

Está garantida a transparência nesta proposta?
Os Fundos Soberanos da actualidade baseiam-se em alguns princípios. Existem até alguns que já foram formados e aprovados, que se chamam Princípios de Santiago, e o elemento central neles é a transparência em todo o processo de gestão. Desde a criação, a organização e a gestão. E os modelos em que nos baseámos são os melhores em termos de transparência, da boa governação, da responsabilização e da independência. Portanto, no nosso modelo, estamos a assegurar que esses elementos estejam presentes. Aliás, o facto de, logo no início, termos levado a cabo este processo de auscultação pública em todo o território nacional, para ouvirmos o que a sociedade pensa sobre o assunto, já é um princípio que já se pode ver logo no início.

Está claro como é que os moçambicanos podem sentir que estão a acompanhar este processo?
Nós estamos aí a criar mecanismos de divulgação de informação e reporte que garantem a transparência. O gestor operacional será obrigado a enviar, trimestralmente, um relatório ao gestor global e este, por sua vez, será obrigado a enviar relatórios anuais sobre as operações do Fundo à Assembleia da República. Para além disso, o gestor operacional terá de criar um portal de comunicação com o público, em que todo o público, querendo ter uma informação sobre a gestão do Fundo, poderá colocar a questão e será respondida. Essa é uma experiência que colhemos do Fundo Soberano da Noruega e que está a funcionar e as pessoas vão sabendo sobre aquilo que está a acontecer sobre o fundo.

Há quem questione o facto de o Banco de Moçambique se ter incluído na gestão do Fundo, sem sequer provar a sua capacidade. Qual é o vosso entendimento sobre isso?
Nós achamos que não há nenhum fundamento segundo o qual, um proponente e um projecto desta natureza não possa fazer parte da gestão. Só haveria problema se a pessoa que faz a aprovação do modelo fosse a mesma que vai gerir.
Apenas estamos afazer um trabalho técnico, estamos a propor, e esse trabalho técnico vai passar por um conjunto de processos, que depois o modelo vai ser aprovado pela Assembleia da República. Esta pode decidir mudar qualquer proposta que nós estamos aqui a apresentar.
E a inclusão do Banco Central não é algo específico de Moçambique. Nós estamos a levar das melhores práticas internacionais. Se formos a olhar, os Fundos Soberanos são geridos pelos Bancos Centrais.

Já que a proposta não traz diferentes opções, não será que o Banco de Moçambique está a induzir o país apara aprovação da sua proposta?
Nós estamos a trazer uma proposta concreta, não trazemos propostas A, B nem C. Estamos a trazer uma proposta em função do que nós recolhemos no estudo. Por isso, o passo a seguir foi a consulta para ouvir o que a sociedade pensa. E tem um elemento muito importante: que os órgãos que estarão no centro a aprovação deste modelo se capacitem. Já apresentámos a proposta à Comissão de Plano e Orçamento e eles terão que ver outras experiências e na base disso decidirem se esta proposta é a mais adequada ou não. Porque nós pegámos do melhor que há e tentamos evitar passar por algumas situações que outros Fundos passaram.

Da análise que foi feita, não houve quem sugerisse a criação de uma outra entidade para a gestão do Fundo?
Esta questão de criação de uma outra instituição para gatão do Fundo, nos termos em que nós recebemos das contribuições, vinha mais ou menos, a criação de uma instituição independente, é assim que nós recebemos das propostas e que nem sempre ficava claro o que se pretendia com uma instituição independente. Se era uma independência do país, do Governo. Então, as pessoas podem até olhar ou ler as experiências internacionais e ouvirem que os gestores do Fundo Soberano têm que ser de instituições independentes. Quando se fala de independente, não se está a falar de independente do país, está-se a falar de independência operacional. É por isso que muitos Fundos Soberanos acabam escolhendo bancos centrais para gestão operacional porque em todos os países, os bancos centrais têm independência operacional na sua actuação e na implementação dos seus objectivos. E o banco central de Moçambique também tem independência operacional, por isso que quando falamos de instituições independentes temos que estar muito claros. Mas, para além disso, a questão de trazer uma instituição externa à partida remete-nos a uma questão de que o país não têm capacidade.

E Temos?
Sim, temos capacidade para fazer gestão operacional do Fundo Soberano. O Banco Central é o gestor das reservas internacionais do país e temos vindo a observar a acumulação de reservas todos os anos e isso é resultado da gestão operacional que nós estamos a fazer das reservas nos mercado internacional. Conhecemos os mercados internacionais, conhecemos os gestores externos, os instrumentos mais apetecíveis, os instrumentos mais arriscados e assim sucessivamente. Portanto, temos colegas que todos os dias estão a olhar para os mercados internacionais para fazer a gestão de reservas. Então, capacidade existe e onde não existe, ou seja, onde há maior complexidade, a capacidade tem que se criar. Agora, trazer uma questão de soberania como é o Fundo Soberano e delegar isso a uma instituição externa, nós não achamos ser relevante e importante.

Outra questão que a proposta suscita tem a ver com o significado do Ministério da Economia e Finanças ser o gestor do Fundo Soberano.
Na gestão do Fundo Soberano, é preciso separar o gestor operacional que é aquele que no dia a dia vai fazendo as aplicações e as rentabilizações deste Fundo, em função dos objectivos que tiverem sidos definidos e tem que haver um órgão ou um Ministério que é representante do Governo e que faz a ponte com o gestor operacional.

A orientação política vem do Ministério da Economia e Finanças?
Sim, porque em matéria de gestão de fundos de dinheiro e de Orçamento, o Ministério da Economia e Finanças seria o Ministério mais competente, então, este ministério estaria a ter a ligação directa com o gestor operacional. Tem que desenhar a política de investimento, ou seja, em alguns casos, pode ser desenhada a nível da Assembleia da República, mas quem controla, quem delega é o Ministério que representa o Governo que lida com essas matérias. É ai que quando a gente fala de gestor global estamos a falar do Ministério que faz a tal ligação com o gestor operacional.

De forma resumida, qual seriam os limites da actuação desses gestores globais, para que percebamos até onde vai o seu raio de acção?
Em princípio, deve-se estabelecer dois acordos entre o gestor global e o gestor operacional. Há um acordo onde são estabelecidas as responsabilidades, mas o limite vem da lei que cria o próprio Fundo Soberano. É esta lei que estabelece o papel do gestor global, bem como, do gestor operacional e qual é o papel de outras instituições que estão na estrutura de governação e, neste caso, nós estamos a dizer que o papel do Ministério da Economia e Finanças seria, primeiro, ter este acordo com o gestor global para poder controlar, mas, acima de tudo, tem que desenhar e fiscalizar a política de investimento que vai orientar o gestor operacional e ver se está a investir os activos de acordo com aquilo que está definido.
Tem que definir qual é a classe de activos que tem que ser investidos, quais são as geografias em que o gestor operacional deve actuar e tem que apontar ou contratar um auditor independente para poder fiscalizar ou auditar as contas do próprio Fundo Soberano, e nos termos na nossa proposta, como metade das receitas vão para o Orçamento, aí também o Ministério da Economia e Finanças teria a responsabilidade de liderar o processo de criação ou de desenho de um plano de médio e longo prazo de utilização dessas receitas que depois, em última instância, seria, naturalmente, aprovada em sede da Assembleia da República.

Como muito bem diz, a relação entre o Ministério da Economia e Finanças e o Banco de Moçambique estará regida por um acordo, mas na proposta de criação de Fundo Soberano não há detalhes sobre o tipo de acordo e a relação vai se estabelecer.
Neste momento, achamos que tudo deve ser por fases. Primeiro é a questão da própria estrutura de governação e do modelo que está a ser proposto. Uma vez aprovado este modelo, a questão de acordo entre as partes é mais simples, porque existem modelos internacionais já conhecidos, todos os bancos centrais estão a fazer a gestão do Fundo Soberano. É na base de um acordo entre este banco central e o gestor global, neste caso, o Ministério da Economia e Finanças.
Portanto, não seria uma parte complexa porque os aspectos essenciais têm que vir na lei e ela estabelece os aspectos globais. Agora, a questão de em que geografia ou em que instrumentos específicos, o gestor operacional deve aplicar os fundos, isto não precisa vir na lei, vai advir neste acordo depois de aprovada a política de investimento é que vai dizer o que não pode investir no mercado ou deve investir maior parte dos fundos no mercado chinês. Esses são detalhes que podem ser trabalhados e que não vão implicar, necessariamente, uma quebra da transparência nem da independência de todo o processo e isto também pode ser conduzido de forma transparente.

Na publicação de informação a ser feita pelo gestor operacional fala-se de salvaguardar a informação classificada. A que se refere esta informação?
Estamos a falar de algumas cláusulas contratuais. Por exemplo, estamos a propor que o gestor operacional, querendo e havendo necessidade, pode contratar gestor externo para aqueles mercados que não têm especialidade.
Nesse caso, nós teríamos que firmar com gestores externos. Há vezes que esse processo de contratação é longo. Nós já temos experiência na contratação das nossas reservas externas. É um processo que leva algum tempo e é de concorrência, em que a publicação da informação de um dos concorrentes pode comprometer o processo de contratação e na respectiva concorrência.
Portanto, são elementos que não têm a ver directamente com a gestão do Fundo. Esta questão de gestão será disponibilizada.

O Ministério da Economia e Finanças pagará ao Banco de Moçambique uma taxa pela gestão do Fundo. Como será estabelecido o montante a ser pago?
Esta taxa será definida no âmbito do acordo de que falamos mais atrás, o acordo de gestão. Nós estamos a propor que seja uma taxa fixa, mas pode ser variável. Isto vai depender de como vai ser feita a negociação.

A ser variável, vai ter em conta a qualidade do desempenho operacional?
Existem modelos que fixam a taxa em função do desempenho do gestor operacional, quanto mais retorno trouxer, vai ter um incremento na sua remuneração. Ao propormos uma taxa fixa, não estamos a considerar que essa taxa vai cobrir despesas administrativas dessa gestão. É apenas para dar cobertura às despesas decorrentes desses contratos de gestores externos.
Portanto, são questões concretas, por isso estamos a propor que seja uma taxa fixa, porque consideramos que seja suficiente para cobrir essas despesas, porque não é para pagar salários nem outras despesas administrativas. Para isso, o banco tem recursos.
Entretanto, do que recolhemos, vimos que há mais tendência das pessoas em quererem que seja uma taxa variável em função daquilo qe será o desempenho do gestor operacional. Não vejo nenhum problema de se evoluir para essa fase. As duas experiências existem internacionalmente.

A proposta diz que nos primeiros 20 anos, 50 porcento das receitas da exploração dos recursos deve ir ao Orçamento e depois desses 20 anos, serão apenas 20 porcento para o Orçamento, sendo 80 para o Fundo Soberano. Qual é o fundamento dessa proposta?
Há dois elementos que devemos considerar: nós definimos o perfil das entradas dos recursos. Primeiro, é olhar para a vida útil do projecto e o segundo é a capacidade de absorção da economia.
Nós não podemos pôr muitos recursos na economia de uma só vez, porque senão vamos ter problemas na gestão macro-económica. Já aconteceu isso no passado. Isso chama-se doença holandesa.
Além disso, sabemos que, depois de 20 anos, estaremos perto do esgotamento dos projectos, pelo menos dos três que temos actualmente na Bacia do Rovuma, que neste momento estão numa fase mais concreta de se verificar.
Então, nós combinamos estes dois elementos de maneira que, quando chegarmos ao vigésimo primeiro ano, as receitas já estarão numa fase descendente. Logo é preciso garantir que o Fundo tenha cada vez mais pujança para poder alimentar todo um conjunto de despesas do país, quando esses recursos esgotarem no subsolo.

 

 

“A capacitação é a palavra de ordem”

Enquanto se poupa, como se pensa em fazer a gestão dos rendimentos provenientes dos investimentos?
Enquanto se poupa, se rentabiliza. Não é um valor que fica parado na conta. Isto para que as gerações futuras encontrem esse valor a beneficiar a economia porque de uma coisa não nos podemos esquecer: esses recursos esgotam-se. Esse é o pressuposto principal.

E como será o perfil dos investimentos a serem feitos?
Isto é algo a ser desenhado na Política de Investimento e é este processo que deve ser liderado, em princípio, pelo Ministério da Economia e Finanças.

Isso inclui também as margens de risco a tolerar-se nestas operações?
Exactamente. Qual é a margem de risco e qual é a tolerância nessa margem. Isso tudo tem de estar na Política de Investimento.

Caberá ao Ministério da Economia e Finanças conceber uma estratégia para os fundos alocados ao Orçamento do Estado, que inclui também a ocorrência de eventos extraordinários como ciclones, pandemias ou cheias. Se estes eventos ocorrerem num ano em que as receitas esperadas não cheguem ao nível, quais serão as possíveis saídas?
O plano de utilização, a médio e longo prazo, tem de existir. Se num ano, os 50 por cento forem excessivamente acima do que é aceitável, é preciso criar uma provisão para que, noutros possa-se usar essa provisão.
Mas, independentemente disso, a própria proposta já prevê, caso o que for alocado ao Orçamento não seja suficiente, tira-se do Fundo Soberano para que o processo de desenvolvimento não pare.

Haverá muita entrada da moeda externa. Há instrumentos de Política Monetária previstos para travar os efeitos negativos que daí poderão advir?
A criação dum Fundo Soberano é um dos instrumentos básicos para fazer essa gestão. O Fundo vai garantir que parte desses recursos sejam rentabilizados e o facto de parte desses recursos também ir ao Orçamento com um plano bem definido são formas de gerir.

Os empresários estão preocupados com a política de priorização nos projectos de desenvolvimento e querem que sejam executados por empresas nacionais. A proposta prevê induzir para que isso aconteça?
Esta proposta não traz esses elementos, mas eles seriam remetidos na discussão deste plano de médio e longo prazo.

Que tipo de capacitações as instituições envolvidas neste processo devem procurar ter?
A capacitação é a palavra de ordem. Esta será a primeira vez que nós vamos criar um Fundo Soberano e isto tem um conjunto de regras que obrigam a que todas as instituições envolvidas estejam alinhas nelas. Então, é preciso capacitação a todos os níveis.

E quando é que esta proposta estará na Assembleia da República?
Fica difícil para nós responder essa questão porque não seremos nós a levar à Assembleia da República. Existe um conjunto de passos que já não dependem da nossa actuação. Neste momento, estamos a sistematizar as contribuições que obtivemos da sociedade.
O que nós, como proponentes técnicos, com base naquilo que recolhemos das experiências internacionais, podemos recomendar, é que a proposta seja aprovada antes do início da exploração efectiva dos recursos, porque iniciada a exploração dos recursos, já não há muito tempo para reflectir que modelos usar.

 

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