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O Camões-Centro Cultural Português em Maputo irá acolher a Exposição Sérgio Somos Nós, uma mostra de artes plásticas em homenagem ao artista moçambicano Sérgio Veiga. A inauguração terá lugar no dia 14 de Maio de 2025, às 17h30, na Galeria do Camões-CCP em Maputo. A Exposição terá entrada livre e estará patente ao público até ao dia 7 de Junho.

Sérgio Somos Nós é uma celebração viva e afectiva do legado de Sérgio Veiga, reunindo obras do próprio artista – algumas inéditas e disponíveis para venda – bem como trabalhos de familiares, amigos e antigos alunos, nomeadamente Luís Ofício e Matine, todas elas pessoas profundamente marcadas pela sua presença e inspiração.

Com influências do surrealismo e do impressionismo, a obra de Sérgio Veiga revela uma forte ligação ao mar, ao mato africano, à fauna bravia e à cultura do povo moçambicano. A sua produção artística é marcada por um realismo poético e uma profunda sensibilidade estética, reflectindo um imaginário enraizado na essência de Moçambique.

A escritora Virgília Ferrão encontra-se a organizar o terceiro volume da antologia “Espíritos Quânticos”. Para o efeito, são convidados os escritores portugueses, com ou sem obra publicada, a submeter um conto para o projecto, desde que escreva (ou seja traduzido) para a língua portuguesa. 

Na chamada aberta a 1 de Maio, vigorando até dia 30 de Julho, serão seleccionados entre quatro a seis autores portugueses, os quais irão juntar-se a outros autores moçambicanos contemplados na iniciativa.

Os contos submetidos devem ser inéditos, em formato word, com o máximo de 10 (dez) páginas, em A4, Times New Roman 12, espaço 1.5. Os contos podem ser escritos em qualquer género ou subgénero literário, desde que contenham elementos da ficção especulativa, podendo incluir ou misturar, não se limitando, os géneros da fantasia, ficção científica, terror sobrenatural, história alternativa, afrofuturismo, utopias e distopias, cyberpunk, black-tech, entre outros.

A análise das submissões será conduzida por uma equipa do blog literário Diário de uma Qawwi e os autores seleccionados serão contactados por email até 15 de Agosto. O resultado da seleçcão será igualmente divulgado no blog do Diário de uma Qawwi, que, igualmente, vai editar a antologia, a ser comercializada em Moçambique e em Portugal.

Cada autor seleccionado terá direito a um honorário simbólico correspondente a 12 euros e a um exemplar grátis da antologia. Os exemplares poderão ser levantados pelos autores nos locais em Moçambique e em Portugal, a serem indicados aquando do lançamento da antologia, previsto para o ano de 2026.

O Diário de Uma Qawwi é um blog literário moçambicano criado em 2018 e registado em 2021, como editora independente.

Desde a sua criação, o blog tem-se dedicado a apoiar o desenvolvimento de novas formas de produção literária, com especial ênfase na ficção especulativa. A antologia “Espíritos Quânticos” nasceu com o intuito de mostrar que o continente africano também é lugar de futuros imaginados, mundos fantásticos, tecnologias avançadas, sociedades utópicas e distópicas, com narrativas contadas a partir de uma linguagem e identidade cultural próprias. 

A antologia conta até o momento com dois volumes e perto de quarenta e cinco nomes da literatura africana, incluindo Carlos dos Santos, Déborah Cardoso Ribas, Lucílio Manjate, José Luís Mendonça, Nick Wood, Mélio Tinga, Mia Couto, Vera Duarte, Wole Talabi e Zukiswa Wanner.

O projecto sempre quis se expandir para além do continente africano. “Acreditamos que a língua portuguesa é um território fértil para este género e, finalmente, temos a oportunidade de concretizar esta aspiração. ‘Espíritos Quânticos Volume 3: Ficção Especulativa Moçambique – Portugal’ pretende unir vozes de autores destes dois países, criando um diálogo intercontinental que enriqueça este género literário”.

Esta terça-feira, quando forem 19 horas, os realizadores Melchior Ferreira e Bill Boy vão lançar o filme ‘Vândalos’. 

O documentário a ser apresentado no auditório do Centro Cultural Franco-Moçambicano, em Maputo, é um pretexto para expor, com honestidade brutal e beleza visual, as camadas invisíveis da juventude urbana moçambicana.

Produzido de forma independente, com uma equipa comprometida e apaixonada, o filme nasce da colaboração entre dois criadores que estão a transformar a cena artística moçambicana: Melchior Ferreira, director criativo, realizador e storyteller, e Bill Boy (Américo Bila), realizador e storyteller visual.

‘Vândalos’ dá voz a uma juventude marginalizada, mas resiliente. A história acompanha Lembranço, um jovem vendedor ambulante, ou “chips boy”, que vive diariamente o estigma de ser considerado um “molwene” – um vândalo sem futuro. Mas por detrás dos rótulos, esconde-se um jovem com talento, esperança e ambição.

 A curta-metragem de 15 minutos é um retrato íntimo da sua luta por dignidade e mudança, numa sociedade que tantas vezes vira o rosto àqueles que mais precisam de ser ouvidos.

“O que começou como uma ideia solta transformou-se num filme que me desafiou profundamente. Quis contar uma história real, visceral, sobre quem somos e quem tantas vezes é deixado para trás”, destaca Mechior Ferreira, acrescentando que ‘Vândalos’ é sobre os nossos jovens, os nossos sonhos e as nossas dores. “É um espelho do presente, mas também uma janela para um futuro possível”, realça.

Depois da apresentação, a equipa tem em perspectiva a exibição do filme em festivais internacionais e locais de cinema independente, criar impacto social através de exibições comunitárias e debates pós-filme, bem como estabelecer parcerias com plataformas de ‘streaming’, imprensa e instituições com o objectivo de estimular o diálogo sobre exclusão social e juventude moçambicana.

“Vândalos” é um filme da autoria de Melchior Ferreira produzido pela Codeclife e Panic Station e conta com o apoio da Create Moçambique. Antes mesmo da sua estreia oficial, o curta-metragem já foi seleccionado para cinco festivais de cinema internacionais e venceu o prémio de Melhor Filme de Curta-metragem no Cinalfama Film Oservatory, em Portugal.

 

Por: Elídio Vilanculo

 

Hoje é dia de festa, não me vai embaraçar a notificação remetida pelo mensageiro da madrugada, selada pelas acusações da consciência. Quero ver os arbustos estacados no solo das minhas gengivas a desabrocharem, satisfeitos com a tritura dos nacos de carne que fenecem. Quero ver os meus beiços afogados na espuma da cevada, turbinada pelas invisíveis lombrigas estomacais do álcool, que trepam-me, enrolando as suas caudas nos galhos do meu cérebro.

Prefiro esta compensa de iguarias, não me move o pudor da penitência do mendigo que arrasta os seus farrapos de esperança no pedestre da penúria – à busca de nacos de pão.

Não me interessa, vou debicar primeiro estes grãos de migalhas até que as botas fiquem desprovidas de solas de tanto lambida a poeira.

Hoje é dia de festa, serei a boca do rio que engole sapos, escarros e berros vomitados pelo esgoto, serei isto só, só isto por esta noite para matar as serpentes peçonhentas que me mordem o estômago repentinamente. É por isto que me mantenho horas e horas, imóvel, agarrado com todas as minhas forças à praça dos vadios, para servir de contentores de lixo dos condomínios apetrechados de glamour.

Prefiro assim sobreviver, rodeado de túmulos dos mil alvos que tombam nas matas, nos campos e na fuga dos seus medos, estes que saciam o celeiro dos órgãos humanos decepados. Mesmo que cresça o tumulto dos gritos no rio que transporta os ossos caiados, directamente para o íntimo dos tormentos.

Hoje é dia de festa, festa de inauguração da retaliação, simplesmente me vou fechar; esta frágil garganta que engasga ao engolir a raiva misturada na saliva, pois a tesoura já está posta na fita da garganta e, conseguintemente, não me apetece beber o vinho da festa com a boca da garganta, como aquele atrelado de Chaimite que dançara ao ritmo da música de agonia.

Prefiro beber deste barril para enveredar ao sol que me vigia. Dêem-me agora aquela garrafa de vidro transpirando o cheiro aguçado de álcool, para corroer a ferrugem da vergonha, de remorsos e de arrependimentos permeados pela esponja da minha consciência, quiçá, estas breves gotas levem consigo o peso da gordura dos nacos e o álcool das bebidas usufruídas às escuras.

 

A Casa d’Artista Kutenga realizou, no último sábado, a nona edição do Celebrando Vidas. Durante a iniciativa anual, no Tchumeni I, na Cidade da Matola, escritores, músicos, actores, gestores culturais, entusiastas das artes e dirigentes juntaram-se para invocar a obra daqueles que têm contribuindo para a afirmação da cultura moçambicana.

Para enaltecer a figura do artista, a organização do Celebrando Vidas homenageou os que tornam a produção artística particular, nomeadamente, Ana Magaia, Aurélio Le Bon, Ídasse (ausente devido ao trabalho artístico), Orlando da Conceição, Pedro Chissano e Zé Pires.

Reagindo à homenagem, Ana Magaia agradeceu, primeiro, a Deus, cantando em ronga uma acção de graças. De seguida, a actriz agradeceu à Casa d’Artista Kutenga, em especial a cantora Elvira Viegas, pelo gesto e por ter reunido a família Magaia e amigos para juntos celebrarem a sua carreira, que dura há mais de 40 anos.

Tal como Ana Magaia, foi homenageado o músico e professor de música Orlando da Conceição. Em jeito de testemunho, o músico Timóteo Cuche, aluno de sempre do professor, falou do seu mestre e da importância dos seus ensinamentos na valorização da cultura, da tradição e do cruzamento de linguagens artísticas.

Para Cuche e para a família do mestre, Orlando da Conceição ensina para formar consciência crítica, daí que o seu percurso seja exemplo de resiliência.

A seguir a Orlando da Conceição, foi homenageado Pedro Chissano. Do escritor falou outro escritor, Marcelo Panguana, que destacou a obsessão do confrade pela perfeição.

Já os filhos de Chissano, lembraram um homem comprometido com as letras, que convive com escritores e serve os escritores. Os filhos têm no pai um homem correcto, que ensinou que prestígio não é subterfúgio para interesses individuais. Os filhos do escritor destacaram ainda um pai íntegro, rigoroso e justo, alegre e amigo de todas as gerações. Por isso ter conseguido fazer de cada um dos 11 filhos um projecto individual, com disciplina e muito amor.

A homenagem no Celebrando Vidas estendeu-se a Zé Pires. Do músico falou o locutor Izidine Faquirá, que destacou a importância da família Pires, com músicos e instrumentistas, na formação de Zé Pires.

Conforme lembrou Faquirá, Zé Pires sempre foi comprometido com a música, daí ter transformado a garagem de casa dos pais em espaço de criação de música. Nela grava vários músicos e transforma-se em produtor e técnico de som, um artista multi facetado.

Já os familiares do músico, irmãos e filhos, realçaram as suas qualidades, ora referindo-se a sua tendência para a curiosidade, ora apreciando a sua essência como homem.

Intervindo no evento, o Governador de Maputo, Manuel Tule, felicitou à organização das homenagens pela oportunidade que concedem aos familiares e amigos de falarem dos artistas laureados. “Espero que continuem dando o vosso máximo na actividade e na formação de mais artistas, para que a nossa cultura não pereça”, disse Manuel Tule.

 

 

 

A escritora Virgília Ferrão é a autora seleccionada do programa de Residência Literária Maputo-Lisboa, organizado pelo Camões – Centro Cultural Português em Maputo e pela Câmara Municipal de Lisboa. Durante um mês, a autora vai explorar universos favoráveis à escrita da sua próxima novela  

O Airbus da TAP aterrou no Aeroporto Humberto Delgado 10 horas depois de ter partido de Maputo. Como tem sido habitual nessas circunstâncias, mal o avião pousou na pista, as emoções dos passageiros “agitaram-se”, no entanto, com a devida contenção. 

À chegada à capital portuguesa, a tarde estava bem agradável para quem vive em KaMpfumo. Por isso mesmo, os 29 graus Celsius não agrediram Virgília Ferrão. Pelo contrário, a escritora sentiu-se aliviada, pois, numa outra ocasião em Lisboa, calhou com o Inverno europeu, “sempre agressivo” para quem está habituado a altas temperaturas.  

Na sala de desembarque, mal recebeu a bagagem, a autora de Sina de Aruanda e Os nossos feitiços seguiu viagem até a Rua da Boavista, no Cais do Sodré. Nas mais movimentadas artérias de Lisboa, Virgília Ferrão viu um pouco de tudo: os edifícios característicos, os cafés e, sobretudo, os turistas de vários cantos do mundo. Apesar de se encontrar tão longe dos seus, sentiu-se em casa, afinal, a fachada da zona antiga daquela cidade bem lembra a baixa de Maputo. E vice-versa. 

Já no apartamento concedido pela Câmara Municipal de Lisboa, que, com o Camões – Centro Cultural Português em Maputo, organiza a Residência Literária Maputo-Lisboa, Virgília Ferrão dedicou-se a “apresentar-se” aos compartimentos do seu novo lar (por 30 dias), ora apreciando as particularidades do apartamento, ora identificando onde arrumaria cada objecto que trazia consigo. 

Entregue a expectativa, a escritora convenceu-se de que no Cais do Sodré a sua primeira residência literária será e é uma óptima oportunidade para impulsionar a sua carreira criativa, quer em termos de exposição, quer em termos de pesquisa e intercâmbio. E ainda concluiu: “Aqui vou ter mais tempo para dedicar à escrita. Esta experiência vai alargar o meu conhecimento em várias áreas”. 

No regresso à capital portuguesa, Virgília Ferrão leva consigo a pretensão de escrever uma novela, cuja história, entre variados espaços, vai desenrolar-se na Torre de Belém. Para o efeito, a escritora pretende captar uma perspectiva da cidade, considerando questões interculturais que mexem com a imigração e a identidade – Ainda há muita matéria para ficciconar, no entanto, garante a artista, a novela vai misturar humor, análise social e ficção científica/especulativa. “Tenho mais ou menos as linhas de orientação sobre a narrativa que envolve uma extraterrestre. Alguns colegas dessa extraterrestre vêem a este mundo, através de um portal aberto na Torre de Belém, e, a partir daí, terão de aprender a conviver com os lisboetas, infiltrando-se na Procuradoria-Geral da República Portuguesa”.  

Além da novela, actualmente com título provisório, durante a residência literária, Virgília Ferrão espera produzir o terceiro volume da antologia Espíritos quânticos, que deverá incluir histórias de autores moçambicanos e portugueses. Sempre tendo como tema principal a ficção especulativa. 

Virgília Ferrão é a segunda escritora moçambicana a fazer parte da Residência Literária Maputo–Lisboa, depois de Eliana N’Zualo. Nos anos anteriores, Amosse Mucavele, Eduardo Quive e Mélio Tinga também se beneficiaram do programa de intercâmbio literário, criado no abrigo do protocolo de cooperação celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, através do Centro Cultural Português em Maputo, de incentivo e estímulo à criação literária portuguesa e moçambicana e aposta na internacionalização da cultura.

SOBRE A ESCRITORA

Virgília Leonilde Tembo Ferrão é escritora e advogada. Estreou-se em 2005 com o lançamento da obra literária intitulada O Romeu é xingondo e a Julieta machangane, sob a chancela da Imprensa Universitária da UEM. A sua segunda obra, intitulada O inspector de Xindzimila, foi publicada em 2016, sob a chancela da editora brasileira Selo Jovem. Foi galardoada com o Prémio Literário 10 de Novembro, 2019, atribuído pelo Conselho Municipal de Maputo, tendo sido a primeira mulher a vencer este prémio. Em Junho de 2022 publicou o romance “Os nossos feitiços”, pela Katuka Edições, o qual foi agraciado com o 2º lugar pelo Prémio Bunkyo de Literatura 2023, no Brasil. Editou a antologia Espíritos quânticos, volumes 1 e 2, em 2022 e 2024, respectivamente. Tem contos traduzidos para o inglês, o espanhol, o eslovaco e o alemão, publicados em diversas antologias e revistas. 

 

Tudo É uma Questão de Enquadramento

Por Clemente Clementina

Há relatos de que a língua portuguesa poderá ter nascido num lugar que hoje não faz parte do território físico de Portugal. Segundo uma publicação no site executivedigest.sapo.pt, às 17:08 do dia 23 de Agosto de 2024, o lugar fora de Portugal onde a língua portuguesa terá nascido foi o então Reino da Galiza; um lugar que hoje corresponde à Galiza, na Espanha. Mas apesar desta génese, a língua portuguesa não deixa de ser considerada língua de Camões – poeta português – e, consequentemente, língua de Portugal e dos portugueses.

Portanto, a origem de seja o que for não impede que tal coisa vá ganhando novas formas e novos “possuidores” no tempo e no espaço. E mais uma vez a língua camoniana comprovou a veracidade dessa conclusão na sua expansão ao longo do tempo e para os lugares fora de Portugal onde a língua chegou até ao nível de língua oficial, reconhecendo-se a sua importância nestes mesmos lugares. Entretanto, se esta expansão foi por imposição ou não, isto é outra discussão.

Olhemos para Moçambique e vejamos o cenário de uma criança que desde o seu nascimento não lhe foi incutida outra língua senão a portuguesa. Qual diria esta criança ser a sua língua, se é a portuguesa que tão-somente ou que mais domina?! Ademais, é verdade que, se a criança fala a língua originalmente local, é tida como rude ou vil; e isto parte de casa. Porém, em contrapartida, a criança de ontem hoje, sendo um adulto, é acometida pela sociedade, dizendo-se que se apegou ao que é dos outros; que se esqueceu das suas origens; entre outros ultrajes desta espécie. Mas a pergunta que coloco é: quais origens, se estas, outrora, lhe foram negadas?!

Tudo é uma questão de enquadramento. E a Globalização é um grande exemplo disso. Quando bem enquadrada, a Globalização não subjuga culturas locais, mas convive em harmonia com estas culturas e chega até a fazer parte das mesmas culturas. Isso é o que sucede com as línguas e, em particular, com a língua portuguesa em Moçambique, onde esta língua tem características próprias, exclusivas: refiro-me, a título de exemplo, a palavras típicas e pronúncias também típicas. Assim, e concluindo, penso que neste enquadramento deve residir o orgulho dos moçambicanos em ter como sua a língua portuguesa, a qual, não deixando de ser camoniana, é também moçambicana.

 

05/05/2025

Por: Luís Cezerilo

A história se passa em uma companhia militar em Tambara, um cenário que simboliza a tensão constante entre o domínio colonial e a resistência moçambicana.

A escolha desse espaço não é aleatória: Tambara, como diversas outras regiões de Moçambique, foi palco de confrontos directos e indirectos entre o exército português e os guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).

A obra, insere-se no género da narrativa histórica, abordando um dos períodos mais marcantes da História de Moçambique: a colonização portuguesa e a luta de libertação nacional.

O eu lírico, constrói uma narrativa que transcende o relato histórico convencional, oferecendo uma reflexão profunda sobre a guerra colonial em Moçambique e os seus impactos psicológicos e emocionais nos soldados que a vivenciaram.

Ao centrar a sua história no ambiente de Tambara, humaniza o conflito, afastando-se das grandes batalhas e discursos ideológicos para explorar a experiência subjectiva dos soldados – as suas angústias, os seus medos, as suas saudades e sobretudo o desejo contraditório de lutar e fugir ao mesmo tempo.

O livro mostra como a ocupação portuguesa não apenas impôs uma estrutura de dominação política e económica, mas também gerou divisões internas entre os próprios soldados, muitos dos quais questionam o real propósito da guerra que travam.

A obra destaca, assim, o esgotamento moral do colonialismo, expondo as suas contradições e o inevitável colapso desse sistema opressor.

Um dos pontos marcantes é a complexidade emocional dos personagens. O medo do desconhecido, a nostalgia da vida deixada para trás e a incerteza sobre o futuro formam um mosaico de sentimentos contraditórios.

Os soldados portugueses estão imersos em um ambiente onde a violência não é apenas física, mas também psicológica. O medo da morte, a paranóia da traição, a incerteza sobre o próprio futuro criam um labirinto mental do qual poucos conseguem escapar.

A guerra aqui não é heróica, nem gloriosa. Pelo contrário, é retractada como uma experiência de dissolução da identidade, onde os soldados oscilam entre a brutalidade necessária para sobreviver, a nostalgia da vida que deixaram para trás e o sonho de um futuro incerto.

É um olhar que dialoga com as reflexões de Paul Fussell na sua obra, The Great War and Modern Memory (1975), quando afirma que: a guerra, mais do que um confronto entre exércitos, é um estado de espírito que reconfigura a percepção do tempo, do espaço e da própria humanidade. Fussell (1975) Outrossim, a obra evidencia a fragilidade das relações humanas em tempos de guerra. A desconfiança mútua entre os soldados mostra que o inimigo nem sempre está apenas do outro lado do combate, mas também dentro do próprio grupo. Esse clima reflecte a instabilidade emocional dos combatentes, que vivem sob o espectro constante da violência e da morte.

Mesmo em meio à brutalidade da guerra, o livro resgata elementos essenciais da humanidade: o amor e a saudade.

A lembrança da mulher amada, os ecos de uma vida distante, funcionam como âncoras emocionais tornando-se um refúgio emocional para os soldados, funcionando como um elo com a vida antes do conflito e como um fio de esperança para o futuro.

Esse contraste entre o horror da guerra e a ternura do amor confere profundidade à narrativa, humanizando os personagens e tornando os seus dilemas ainda mais tocantes.

Essa dualidade entre o amor e a destruição reforça a tese de que, em cenários de violência extrema, os laços afectivos são não apenas refúgios, mas também formas de resistência e superação.

Socorro-me das ideias de Svetlana Alexievich, na sua obra A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (1985), para sustentar a afirmação do paragrafo anterior, onde a autora argumenta que, nos relatos de guerra, as emoções e as memórias pessoais são tão cruciais quanto os acontecimentos militares.

Panguana, segue essa linha ao mostrar que, para muitos soldados, a verdadeira luta não era contra os “turras”, mas contra o esquecimento e a desumanização que a guerra lhes impunha.

Concomitantemente, a Hora Maconde, expõe as contradições morais da guerra colonial, onde alguns soldados não acreditam no conflito, veem-se como peões de um império decadente, lutando contra um inimigo que, em muitos aspectos, parece ter mais legitimidade do que eles próprios.

O desejo de fuga, tanto física quanto emocional, permeia a narrativa, mostrando que, para muitos, a sobrevivência significava mais do que escapar das balas – significava também preservar a sanidade e a humanidade.

Esse dilema lembra-me as reflexões de Erich Maria Remarque, na sua obra: Nada de Novo no Front (2023), onde os soldados, mesmo armados e treinados para matar, são apresentados como vítimas de um sistema que os engoliu sem que tivessem escolha.

Marcelo Panguana insere essa perspectiva no contexto colonial, expondo a fragilidade da narrativa heróica construída pelo regime português sobre a “guerra justa”.

Notemos, a Hora Maconde não é apenas um romance sobre a guerra em Moçambique – é um estudo sobre a condição humana diante da violência, da perda, da esperança e da incerteza.

Ao evitar maniqueísmos e discursos rígidos, o autor constrói uma obra que se insere na tradição das grandes narrativas de guerra, mas com um olhar profundamente nacional, entenda-se, moçambicano.

O seu texto é ao mesmo tempo lírico e brutal, reflexivo e implacável, uma obra que nos lembra que, na guerra, a maior batalha talvez seja contra o esquecimento e a transformação do homem em máquina.

Com uma narrativa densa e envolvente, Hora Maconde consegue capturar a complexidade da guerra de libertação moçambicana, indo além da simples oposição entre colonizadores e colonizados. O livro mergulha na psique dos personagens, explorando medos, esperanças e contradições que tornam a história ainda mais realista e impactante.

Ao mesclar o horror da guerra com a delicadeza do amor e da saudade, a obra não apenas documenta um período histórico crucial, mas também questiona os efeitos profundos da colonização e da guerra na vida daqueles que nela estiveram envolvidos.

 

Bem hajas Marcelo.

Moçambique vai acolher, de 06 a 10 de Junho, o segundo Congresso dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, dando ênfase à relação do poeta português com o oceano Índico e o território moçambicano.

O anúncio foi feito nesta quarta-feira em conferência de imprensa que inclui as universidades Eduardo Mondlane (UEM) e Politécnica, de Moçambique, e a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, em coordenação com a Rede Camões em África e Ásia.

Os organizadores afirmaram que o congresso, dedicado à discussão da obra e legado de Camões, arranca no dia 06 de Junho com actividades em Maputo, num modelo híbrido com sessões virtuais e presenciais.

No dia 10, Dia de Camões, o evento vai decorrer no Centro de Arqueologia e Investigação e Recursos da UEM, na Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, província de Nampula, no norte do país.

Para além de debates e apresentações de estudos e comunicações sobre Luís de Camões, estão igualmente agendadas exposições artísticas e visitas a lugares históricos da Ilha de Moçambique, reunindo também “estudiosos, escritores, investigadores e entusiastas da literatura camoniana”, avançou a organização.

Estão ainda programadas apresentações musicais inspiradas na poesia de Camões, com a intenção de preservar o seu legado e encontrar nas suas obras marcas e referências de lugares onde viveu ou passou.

“Este evento é de grande importância para aqueles que lidam com a literatura, linguística, tanto para o ensino superior como para o ensino médio, porque esta é uma figura emblemática e que é de destaque na literatura, principalmente nos países lusófonos”, disse Serafim Adriano, professor da UEM.

A organização indicou que a escolha de Moçambique como palco do segundo congresso reforça a importância histórica e cultural do país no contexto da expansão marítima portuguesa e da interação entre diferentes culturas no período dos descobrimentos.

A Rede Camões em África e Ásia, que promove e incentiva estudos e publicações sobre Camões, realizou o primeiro congresso sobre os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões no ano passado, em Macau, sendo que para 2026 se pretende levar o mesmo evento para Goa, fazendo um périplo por lugares onde o poeta passou e viveu, explicou a organização.

Nascido há 501 anos, em 10 de Junho de 1524, em Lisboa, o poeta-soldado viveu e escreveu cerca de dois anos na Ilha de Moçambique, na antiga rua do Fogo, onde também terá sentido que o amor “é fogo que arde sem se ver”.

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