Setenta pessoas passaram a noite ao relento em Nampula à espera de transporte para irem ao centro de acolhimento de Corane, naquela província. São vítimas de terrorismo que procuram refazer a vida no novo lugar.
Tarde de domingo, quente, mas com o céu parcialmente nublado – condições que não retraíram a juventude do bairro de Muatala, Unidade Comunal de Napala, que fez-se ao campo local para uma “peladinha”.
Numa das margens, 70 pessoas arregalavam os olhos na direcção do campo em como se estivessem atentas ao desporto, quando no fundo procuram ver se chegava o carro que deveria as levar ao centro de reassentamento definitivo em Corane, na província de Nampula.
Calisto Julião, 32 anos, era um deles. De chapéu de “cow boy” na cabeça, o jovem transparecia resignação: saiu do distrito de Muidumbe, em Cabo Delgado, com a esposa, os filhos e a avó. Ao todo são 10 membros da mesma família que uma vez em Nampula viviam numa casa arrendada, num dos bairros da periferia da cidade de Nampula e ficaram sem dinheiro para pagar a renda.
“Pagando a renda ficava sem dinheiro para comprar comida, por isso quero ir ficar em Corane, procurar machamba para capinar, com os meus filhos”, anunciou, num tom de cansaço porque desde às sete horas da manhã de domingo que posicionou-se naquele local, com suas trouxas, à semelhança de outras pessoas na mesma situação, mas o transporte esperado nunca chegava.
Os filhos do jovem pai deitavam-se no chão, num claro sinal de fome, só que não havia comida para os alimentar.
A falta de informação era uma espécie de combustível numa mata seca e pequena faísca seria suficiente para gerar uma grande confusão naquele grupo de deslocados. “Quando ligamos para os chefes (do bairro) dizem até na terça-feira. Agora, como vamos viver aqui com esta família? Não temos comida, água e nem sítio para dormir”, questiona e de seguida argumenta Daúdo João, 50 anos, um dos deslocados.
Cada pessoa que chega a Nampula é um personagem de uma história de drama. Rosa Mussa, Natural de Macomia, no posto administrativo de Chai (o berço da Luta de Libertação Nacional), fugiu na companhia de outros membros da comunidade. Conseguiu sair com o neto de 4 anos de idade e o marido foi assassinado, supostamente pelos insurgentes. Ela carrega o luto na cabeça, simbolizado pelo lenço preto.
A nossa equipa de reportagem deixou o local a tarde e retornou à noite e lá encontrou homens, mulheres, jovens, adultos, crianças e idosos, a dormirem ao relento, maior parte sem ter tido uma refeição (condigna). Em contacto telefónico com o delegado do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades em Nampula, Alberto Armando, ficamos a saber que o processo de transporte dos deslocados, dos bairros de Nampula para Corane, seria retomado esta segunda-feira, 23.11, facto que aconteceu.