Há duas semanas, o Governador do Banco de Moçambique veio a público dizer, com todas as letras, que se o Governo não chegar a entendimento com o FMI, aproximam-se novos tempos difíceis; 2018 voltará a ser igual a 2016, ou seja, a inflação vai disparar para números históricos e agravar-se-á a incapacidade da nossa economia de gerar divisas para fazer face a despesas chave.
Aparentemente, ninguém ligou importância a Rogério Zandamela, pelo menos aquela que mereceria da parte de quem tem a responsabilidade de gestão do país e de evitar que o país caia em nova hecatombe. Do Parlamento ao Governo, todos assobiaram para o lado.
Chegar a entendimento com o FMI significa, e todos o sabemos, a nossa Justiça avançar de forma decisiva com o dossier das dívidas ocultas e responsabilizar os culpados. É isto que eles pedem. É isto que nós recusamos a dar.
É esta, de resto, como deixou claro o Governador Rogério Zandamela, a distância que separa os moçambicanos do sofrimento ou do bem-estar nos próximos tempos.
O tom muito afirmativo da declaração do Governador do Banco de Moçambique de que sem o FMI vamos cair a pique, sugere que Rogério Zandamela já percebeu as hesitações do poder executivo e está a fazer soar o alarme para chamar à consciência “quem é de direito”.
Rogério Zandamela foi nomeado para restabelecer a ordem na Política Monetária e Cambial do país e facilitar a ponte com o FMI face ao dificílimo contexto de 2016 nas nossas relações com aquela instituição.
Quando, há cinco meses, veio anunciar, publicamente, que o Banco de Moçambique já não estava a gerir a crise, Zandamela estava também a dizer que ele fez a sua parte, na parte monetária e cambial, e que a bola estava agora do lado do executivo, na parte fiscal.
Na altura, o destinatário desta mensagem fez ouvidos de mercador. Agora, o Governador do Banco de Moçambique repetiu-a com toda a dose de dramatismo: o ni?vel de endividamento pu?blico interno continua a aumentar, de forma assustadora, o que traduz a prevalência de um risco fiscal elevado. Com todo o esforc?o que a Autoridade Tributa?ria fac?a, na?o ha? como, no curto prazo, compensar esses cortes substanciais da ajuda externa.
Contudo, o Governador do BM voltou a ter como resposta o mesmo silêncio de há cinco meses. Porquê, interrogam-se, certas pessoas.
Porque, aparentemente, a Frelimo ainda não consensualizou o caminho que quer seguir. Se entrega à Justiça o grupo que manifestamente atirou o país para a lama, ou preserva os mais de 25 milhões de cidadãos que, incautos, assistem e sofrem com tudo isto. É uma decisão difícil, fracturante mesmo, dada a qualidade dos sujeitos envolvidos e a complexa teia que se tece em torno do assunto.
O Presidente Nyusi disse, no discurso de encerramento da reunião do Comité Central que antecedeu o XI Congresso, que havia indícios de crime na forma como foram contraídas as dívidas ocultas.
O Presidente da República tem um excepcional privilégio no acesso à informação. Quando diz algo, fá-ló porque já tem elementos suficientes para o fazer. E se disse que há indícios de crime no processo de contratação das dívidas ocultas, é porque os há. Ponto final. Mal seria de nós se tivéssemos um Presidente cujos discursos são meras especulações.
Ora, o Estado tem o dever de investigar todos os indícios de crime e, havendo, de facto, matéria, responsabilizar os seus autores. Mas as vozes que, amiúde, temos ouvido de alguns membros proeminentes da Frelimo sugerem que o país não precisa de negociar e sujeitar-se aos ditames do FMI, que pode sobreviver “sem eles”.
A última investida da Autoridade Tributária junto das empresas com uma campanha para “aumentar a receita” é prova viva de que há quem acredita que é possível compensar os cortes substanciais da ajuda externa, sugando mais o sector produtivo.
Num contexto normal, essas palavras seriam uma elogiosa afirmação da nossa soberania. Mas no actual contexto querem dizer muito mais coisas, nomeadamente que não devemos ceder ao FMI.
Ao que tudo indica, esta corrente de que o FMI e a ajuda dos parceiros não nos fazem falta tem adeptos significativos dentro das correntes do poder e são estes adeptos que têm estado a inibir a PGR de ir para a frente com este processo.
Todo o esforço e compromisso do Presidente em combater a corrupção perde consistência se o caso das dívidas ocultas não for alvo de uma investigação, mas uma investigação séria, transparente e honesta, e não uma caça às bruxas. Até para salvaguardar a honra de pessoas já consideradas culpadas pelo nem sempre justo tribunal popular.
Direccionar o combate à corrupção como estão a fazê-lo, ultimamente, as instituições da Justiça já é um bom passo, é certo, mas insuficiente. As dívidas ocultas poderiam ter o condão de recredibilizar as nossas instituições (e como tanto precisam elas disso) e a confiança dos cidadãos. Este caso seria para nós o que são a “Operação Marquês” e a “Lava jacto” para os portugueses e brasileiros, respectivamente.
Mas para isso, é preciso que os políticos se definam de uma vez, libertem a Dra. Beatriz Buchili e sua equipa das amarras políticas e lhes dêem luz verde para fazer o que eles já provaram ter competência para fazer…
PS1: faz hoje uma semana que não temos Governador em Cabo Delgado. Uma província tão estratégica para a economia nacional, não pode ficar tanto tempo com um vazio de liderança…
PS 2: as opções de investimento dos fundos do Estado continuam a ser questionáveis. Mal digerimos a gestão criminosa de Setina Titosse no FDA, já estamos com outro investimento duvidoso, agora do Fundo de Desenvolvimento de Transportes. O ministro Mesquita (oh, sô ministro, por que está sempre no centro da polémica?) muito se embrulhou na (tentativa de) explicação, mas pouco convenceu. O Governo convida-nos à contenção, mas investe balúrdios de recursos públicos em negócios de retorno duvidoso, atabalhoadamente explicados, quando milhares de moçambicanos penam em carrinhas abertas e sem segurança, todos os dias?
Onde está o estudo de viabilidade que sustentou esta opção de investimento, que nos convença de que não estamos em presença de mais uma operação ruinosa para as finanças públicas? E o segmento executivo é, nesta altura, a prioridade para uma companhia aérea pública, que se queixa de falta de aviões e deixa sistematicamente passageiros em terra?