A música é mais que uma forma de expressão, é uma forma de afirmação, é uma partilha de pensamentos e ideias que por vezes fluem da alma e outras vezes das ambições.
“Bem Hajam 50 anos”, é uma música moçambicana recém lançada em 2025 pelos artistas Mc Roger, Humberto Luis, Mito Chocolatinho, Juvenal e Nikel.
A música foi lançada alusiva aos 50 anos de independência de Moçambique. O vídeo da música encontra-se disponível na plataforma youtube.
Em termos de sonoridade a música sabe a um ritmo tropical ou mesmo um Zouk, o início do vídeo é caracterizado pela bandeira de Moçambique no fundo e a seguir o título da música paira ao meio do ecrã, o nome dos artistas apresenta uma disparidade de tamanhos, o nome de Humberto Luís, Mito Chocolatinho, Juvenal e Nikel aparecem em miniatura na região central inferior, e o nome do Mc Roger aparece em letras garrafais isolado no centro superior do Ecrã.
O vídeo foi gravado na praça da independência, que reflete a alusão da música aos 50 anos de independência, a vibe da música é relaxante, os cantores aparecem trajados de cachecóis de Moçambique e segurando a bandeira nacional. No vídeo também são exploradas imagens como a ponte Maputo Katembe, a chama nacional, figuras políticas como o actual e ex dirigentes de estado, a estátua de Samora Machel etc.
Porque o maior instrumento da música é a voz, vamos atentar ao conteúdo da letra:
A música é aberta por Mc Roger louvando a unidade nacional, Humberto de seguida introduz o coro intercalando com Mito Chocolatinho.
Mc Roger interpretou o que já nos habituou desde a presidência de Joaquim Chissano, a cada novo governo Mc compõe letras de ovação a figuras políticas, empresariais, até porque faz parte da sua estratégia em se manter no mercado, ovacionar os dirigentes para incrementar sua influência. Pode-se ler em sua letra versos como : “Jovens e velhos querem a tocha tocar” O que Mc Roger afirma no verso acima em relação a tocha é bastante questionável, tendo em conta que a tocha nacional passou em vários troços guarnecida pelo exército sem qualquer presença do público.
Quando diz que as universidades são fruto da independência, Mc tem razão, porém a realidade dos licenciados e mestrados após a universidade também são fruto da independência. A realidade sócio económica é que os jovens são na maioria desempregados, sem acesso a créditos, sem espaço para aplicar o que aprendem na academia, este tipo de abordagens apresentam meias verdades na medida em que não abordam os 2 lados da moeda. Os 50 anos da independência devem ser narrados com responsabilidade e não com parcialidade.
No coro com Humberto Luís e Mito temos as frases:
“Olha o povo feliz weee”
Enquanto os artistas cantam : Olha o povo feliz, no video não se vê patavina de povo feliz, vê se os artistas dançando entre si, isto torna a letra incoerente sendo que quem devia estar feliz não são apenas os artistas que também são povo, mas o povo a quem eles se referem. Este povo ainda não está feliz, Moçambique viveu desde Setembro de 2024 um periodo sombrio com tumultos, instabilidade política, marchas, revoltas contra autoridades, que por si só traduz a insatisfação social, com os termos da governação, com a qualidade de vida no geral.
O verso “Moçambique a avançar wee” carrega em si outra incoerência, pois quem o afirma não faz parte do grupo do cidadão comum, mas sim de um outro grupo com condições privilegiadas, existem avanços em Moçambique sim, mas sectores básicos como a saúde, educação, transporte ainda apresentam grandes desafios para o cidadão comum que é a maioria da população e actualmente em termos estatísticos encontra grandes barreiras nestes sectores.
Outro aspecto questionável é se a chama nacional trouxe unidade ou apenas publicidade.
O CÓDIGO SECRETO
Nikel é um jovem rapper de Maputo, no circuito “concios rap” em português rap consciente. Rap consciente é um estilo de rap com mensagens maduras, positivas que nos fazem reflectir.
Para quem não sabe, existe um “código secreto” no Rap consciente que está implícito a quem o faz. Este código não é dito mas é seguido, rappers que fazem rap consciente, procuram abordar sobre aspectos que sejam verídicos, coerentes e justos em suas letras.
Nikel surge na colaboração, como um rapper conhecido dentro do movimento Rap, mas meio desconhecido fora dele, não se pode ignorar o desafio em termos de alinhamento de conteúdo ao colaborar com o Mc Roger um nome influente que dispensa apresentação na música moçambicana.
A sua letra foi coerente em maior parte, enaltecendo alguns ex líderes como Eduardo Mondlane e Armando Guebuza, agradecendo às classes nobres como professores e médicos e tropas do exército moçambicano, que a bem da verdade merecem tal agradecimento.
Um dos códigos secretos foi abandonado no verso: “A chama da unidade fortalece o nosso vínculo”, neste verso Nikel refere se ao vínculo do povo para povo, a pergunta chave seria de que forma o povo teve o seu vínculo fortalecido após a passagem da chama? Chama da unidade é uma forma distinta de propaganda política, que este ano obteve muito descontentamento popular devido ao seu custo elevado, além disso a chama atravessou distritos em momentos de instabilidade sem a presença popular, conclui se aqui que o rapper apresentou um verso populista mas vazio da verdade.
O segundo código abandonado foi a coerência no verso : “Tomamos conta do nosso destino apostando no ensino”, um dos sectores que mais se degradou ao longo dos anos foi o setor da educação, com baixa qualidade de ensino, livros com erros graves, professores deixando de dar aulas por estarem em greve. Torna se um paradoxo quando Nikel diz: “apostando no ensino”, quando este sector é tão frágil, a ponto de se estudar ainda por baixo das árvores, é uma antítese que coloca o rapper tendo de abdicar do seu código secreto, para um discurso mais propagandista à semelhança do Mc Roger.
Conclusão, a música seria mais coerente se os artistas optassem por uma abordagem de transmitir esperança tendo em conta a realidade, do que interpretar uma felicidade e prosperidade utópica a qual o povo não se revê nela.