“Chókwè é um verdadeiro paraíso para negócio ilícito,[ porque], todo o mundo vê, as autoridades vêem, mas ninguém se preocupa. O enriquecimento ilícito não assusta a ninguém.”
In: Almeida Cumbane. “Ilusão à Primeira Vista”. 2.ed. 2016, p.75
Esta citação nos faz viajar para Ndaveni, em Mabunguanine, província de Gaza, distrito de Chibuto, para reflectir em torno do enriquecimento ilícito, tema abordado por meio da música.
Na década de 80, Moçambique foi surpreendido com uma belíssima canção intitulada “Metical”, do músico e compositor Alexandre Langa, na qual “Jossefa Mukombo”, uma personagem, andava sempre cheio de dinheiro e bêbado, mas desempregado. A música pertence ao género Marrabenta, tem apenas duas personagens, uma que é estranha e a outra chamada Jossefa Mukombo.
Na mitologia moçambicana, a marrabenta, nos seus primeiros anos de configuração como género musical, usava guitarras manufacturadas. Por isso, as cordas rebentavam com muita facilidade, daí que surge a palavra marrabenta, que, Segundo INFOPÉDIA, dicionário online da Porto Editora, vem do verbo “rebentar” (“arrebentar”, em vernáculo local), em uma provável referência às fracas cordas em guitarras de latas usadas na altura. As letras das canções deste género versam sobre temas como: a injustiça, o amor; a vida quotidiana; a história de Moçambique.
Quanto ao andamento, a música tem um compasso quaternário, alegre-moderado. Uma marrabenta, mas não agitada, tem um ritmo suave e fácil de acompanhar porque não precisa se mexer muito para dançar, a tonalidade está na escala de sol maior, uma escala muito bem seleccionada por ser uma música de carácter vivo e alegre, com ritmo característico da zona Sul do país.
Escutando a música é possível perceber que para a produção do instrumental foi usado: uma bateria e três guitarras.
A primeira guitarra faz solo, a que tem som mais agudo. A segunda produz ritmo, e a terceira faz baixo, som mais grave e juntas produzem uma melodia muito rica, porque para além de servirem de base para o corro também ornamentam a música através de ritmos repetitivos que preenchem perfeitamente os espaços vazios que a voz do corro não consegue cobrir.
Do modo particular, a guitarra baixo, fora marcar o andamento da música, função principal deste instrumento, também cria groove, permite com que quem escuta possa sentir ou ter vontade de dançar. A marcação do tempo da guitarra baixo coincide com os batimentos do coração e, por isso, aos ouvidos de quem escuta automaticamente gera movimentos involuntários sobretudo o abanar da cabeça para quem está de pé ou o chocar repetido do pé com o chão para quem escuta a música sentado.
Na projecção da ideia central, o músico monta um cenário de um silogismo, segundo a qual apenas os trabalhadores têm dinheiro. Logo, todo aquele que não trabalha não têm dinheiro. Mas o que é absurdo, escândalo nesta canção, acontece que, Jossefa Mukombo não trabalha, no entanto, tem dinheiro.
O facto de um desempregado ter dinheiro escandaliza a voz de enunciação, que quer saber onde Jossefa arranja tanto dinheiro mesmo não sendo trabalhador.
O momento mais alto deste diálogo trazido em forma de marrabenta é quando a personagem sem nome questiona J. Mukombo: “Metical pega quem trabalha. Você não trabalha. Onde encontra tanto dinheiro?”. Por sua vez, este cala, não diz nada. Porquê Mukombo não disse a proveniência do seu dinheiro? Será que era ilícito?
De referir que esta música é gravada nos tempos em que o país usava a música como uma via para persuasão e educação da moral social, diferente da música actual, que é mais uma simples contribuição para a idiotização da sociedade, sobretudo dos adolescentes.
A música de Langa é uma bússola na actualidade. Pós, o país encontra-se mergulhado nesta realidade de pessoas que não trabalham e meia volta aparecem ostentando carros de luxo, telemóveis caríssimos nas redes sociais. Os pais, na actualidade, são desafiados a ir buscar a coragem do músico e questionarem aos seus filhos a origem dos Ractis, IPhone 14 pro Max trazidos para casa diariamente por filhos que não trabalham e não produzem.
O que é incrível, nos dias de hoje, os pais fazem festas, abrem garrafas de champanhe para comemorar junto dos filhos bens de proveniência duvidosa.
Cada vez mais, a sociedade está de forma impávida a assistir a degradação da moral social. O eu lírico da canção é que diferente dos pais da actualidade. O compositor não corre para festejar, mas, sim, para questionar.
É difícil para, os pais, perguntarem onde uma rapariga de 14 anos encontra dinheiro para comprar IPhone 14? Um aparelho avaliado em um pouco mais de 2 mil dólares, o correspondente a 126 mil meticais. Sem falar dos cabelos de somas incalculáveis até aos olhos de um trabalhador que recebe salário mínimo,4.941 MT, quanto mais para uma pessoa que não trabalha!
Em Maputo, sobretudo nas zonas periféricas da cidade, até 2005, quando uma criança ia à escola, levava consigo, no ombro, uma pasta plástica, doada pela UNICEF, devido às cheias de 2000. No regresso da escola, os pais, sobretudo as mães, tinham o hábito de revistar a pasta no regresso da criança para se verificar se, por engano, não teria pego um livro, um caderno, um lápis, uma borracha que não fosse dela. Bastava encontrar algo impróprio ou que a mãe não reconhecesse, a criança tinha de devolver de imediato. Onde foi parar este hábito?
Como mencionado no livro o “Vagabundo da pátria”, do escritor Marcelo Panguana, “depois da independência, o país quando parou de vigiar. Logo do imediato, começou a produzir putas, ladrões e xiconhocas”.
O mérito da música de Alexandre Langa reside no facto dela educar a sociedade e ressaltar os valores. O músico nos lembra sobre a importância de questionar e não aceitar receber dentro de casa coisas de origem duvidosa. “Metical” é uma tentativa de resgatar os valores de uma sociedade que cada vez mais tende a tornar-se menos vigilante.
Artista: Alexandre Langa
Título da Música: Metical
Gênero: Marrabenta
Duração: 4’:54”