Por: Zulfikar Abdurremane
No tempo em que os animais falavam, em que eram os principais vectores de governação, possuíam, em peso, o domínio e controlo de tudo e todos. Aliás, eram bem avantajados, que, em sentada descontraída na selva, acordaram que a melhor forma de se adquirir o que, realmente, lhes merece era sair do monoteísmo para criação de um deus que lhes fosse “melhor” – o adulatris.
O adulatris teria, dizem – por via de qualquer coisa que fosse celestial, mostrado o caminho pleno da salvação no qual qualquer um que se fizesse no local de trabalho, derramar-lhe-ia uma bênção e, portanto, um salto galopante na vida social, económica e amorosa. Dizem mais que, nessa época, o embondeiro deixou de ser aquele ponto de referência onde se entoam cânticos à batucada e se invocam espíritos.
E há mais quem diga que, nesse corredor, teria existido um que ousasse martelar palavras das quais alguns guardas florestais da dita selva se teriam deixado embalar em relatórios de folhas verdes, triunfalistas, que escamoteiam a natureza, por, meramente, serem sensíveis à adulação, ao servilismo, ao lambe-botismo, à ocidentalização cultural turca (vulgo beija-mão), à serem prostrados com vénias e vénias.
De dia e noite, ouve-se estrondos e gritos que relatam se ter perdido sensibilidade para com os problemas do povo indígena que convive com selvagens. Afecta-se e silencia-se o que, de facto, atormenta. Ninguém se ousa a falar, se não lhe remetem à quebra. Comprometem-se ao invés de abster-se, vendem o martelo muito ao contrário de perdê-lo, abandonam o leme inversamente manobrado, perdem o controlo em oposição à resilientá-lo, não dirigem, fazem digressão de mandatos, não exercem o poder que o povo lhes confiou, recebem salário do Estado.
Custa dizer isto, mas quando os animais falavam, Adão e Eva não eram os únicos racionais (se é que eram, pois os seus descendentes provam o contrário). Hoje, a relação entre os animais é uma piada. Até a ave-rufa que nunca teve um canto e papo suficiente para suportar tantas espigas de milho, redige convites e sede bancadas a outras aves para discutir critérios de domesticação e selvatização. Afinal, revelou um agrónomo que, a partir do momento em que a espiga de milho é exposta, diferentes doenças podem ocorrer.
Ó, “anakuru[1]”!
Co’licença espíritos aí na terra!
Nasceu aqui, uma sociedade que, os seus membros, de tanto bajularem seus deuses, dentre eles o adulatris, perdeu o sentido de viver. Haveria um outro senão o bem-comum? – achamos que não. Os aninais, na selva, preocupavam-se uns com outros. Comiam-se para se satisfazerem entre si até que um ser dito racional, movido por interesses pessoais de encher a pujança, comeu-lhes e aos seus próximos a tão estupida sagacidade, hoje, actualizada em versão Pro Max.
Outro sim, a acção do inimigo, o tão dito infiltrado no aparelho de Estado, nos pontos estratégicos, nos centros nevrálgicos – uma acção com objectivos alinhados ao ponto de fuga mais alto – pretende levar o povo ao descontentamento generalizado contra o seu próprio, inabdicável, poder, levar o povo a pensar que todo e qualquer governo é incapaz (para isso basta ser governo), levar o povo a lutar contra si mesmo, agitar o povo para, depois, transformá-lo em cavalo de assalto e ele, o inimigo, ser o cavaleiro, contudo há uma infelicidade que, felizmente, prevalece – estamos numa sociedade em que o rebanho tem mais de um pastor.
[1] nakuru cf. anakuru significa ‘fantasma’ cf. ‘fantasmas’ – na língua Emakhuwa praticada em Nampula: cidade-capital e arredores.