A notícia da morte de Sara Tavares chocou os apreciadores da sua música, este domingo. A cantora e compositora portuguesa não resistiu a um tumor no cérebro e, aos 45 anos de idade, não pôde voltar a “Chamar a música” e nem a dizer “Coisas bunitas”.
Segundo o Expresso, a cantora estava internada no Hospital da Luz, em Lisboa, capital portuguesa, quando partiu depois de vários embates contra o tumor no cérebro.
A última vez que a autora de “Balancê” e “Fitxadu” actuou em Moçambique foi em 2018, no Festival AZGO. Nessa altura, entrevistamos a autora, a seguir a mais ou menos uma hora de concerto, no Campus Principal da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. A produção do festival deu-nos cinco minutos, devido a questões de ordem logística.
A propósito do infortúnio que está a abalar a CPLP e não só, revivemos cada um desses cinco minutos (recuperando a entrevista de 2018) que hoje soam como “Ponto de luz”.
“Um cantor, antes dos outros, deve curar-se a si mesmo”
A 8ª edição do AZGO lá se foi há uma semana. No entanto, os ecos da iniciativa da Khuzula devem ainda sobressaltar a memória de quem esteve no Campus da UEM, no dia 19, para ver a performance de artistas nacionais e do estrangeiro.
A propósito do estrangeiro, uma das cantoras que de lá veio foi Sara Tavares. Depois de ter actuado mais uma vez em Maputo, a cantora que já venceu um tumor no cérebro disse que festivais como AZGO são muito pertinentes por conseguirem mover a indústria musical. Por isso, há necessidade de afirmar todos os actores dos diversos estilos de música. Na óptica de Tavares, o festival cresceu: “neste regresso, noto que há muitos melhoramentos e que o AZGO continua sendo um festival cheio de boa onda e pessoas simpáticas. Há é que se investir ao nível logístico. Por exemplo, no nosso caso, tivemos vários problemas técnicos, levamos tempo a chegar ao palco, onde me senti no direito de me demorar mais um pouco. Tive a manhã inteira à espera de fazer um ensaio. Não aconteceu e estava a horas. Penso que se pode ter um cartaz mais pequeno e investir em formação e workshops de logística e de aspectos técnicos, porque eu também vou para escola aprender a tocar guitarra”.
Durante a sua participação nesta edição do festival, a autora de Balancê afirmou que tentou dar tudo de si. No entanto, “em uma hora de concerto é difícil dar o que as pessoas querem e tudo o que eu também quero. Nesses casos, tem que se encontrar um ponto de acordo, entre o repertório antigo e o novo, que eu também quero oferecer”.
Mas, o que Sara Tavares espera do AZGO?
Espero que o AZGO tenha eco, que seja uma planta que entre pela terra dentro, crie pequenos projectos e faça alguma diferença, e que não seja um evento ilha, dentro de uma cidade, de um país. Espero que o AZGO crie sonhos dentro de cada pessoa.
Foi simpático ter cantado “Bom feeling” em Moçambique. Foi uma forma de homenagear a cultura moçambicana, considerando que essa música tem partes em ronga, ditas por um moçambicano?
Nada a ver. Quando fiz essa música para o disco Balancê, há muitos anos, na altura inspirei-me num músico moçambicano que vive em Portugal: o André Cabaço. Nesse período eu andava muito com o Costa Neto e André Cabaço. Adoro o dedilhar dele, tanto que o tentava copiar. Foi nesse contexto que surge esta música, a partir do dedilhar de guitarra de André Cabaço. No final da gravação da canção, convidei-lhe para dar o seu contributo, tocando baixo e fazendo umas coisas com a voz. Ele optou por umas brincadeiras em ronga no final da canção, fazendo um repentismo. O Cabaço fez essas brincadeiras na música e eu reproduzo em palco.
“Bom feeling” é uma música estimulante. Faz música pensando no efeito terapêutico?
No dia em que eu agarrei a guitarra e fiz este tema eu estava com uma cara muito feia. Olhei-me ao espelho e vi uma cara horrível e com uma energia mesmo má. Então, escrevi o tema como um lift me up. O efeito da música foi para mim mesma. Um cantor, antes de curar aos outros, deve curar-se a si mesmo. Fiz a música como um acto de cura e como uma espécie de piada para mim mesma.
“Brincar de casamento” é uma das suas músicas, digamos, recentes. Por que brincar com uma coisa tão séria: o casamento?
Brincar é uma coisa muito séria. Não se brinca à toa e brincar faz as pessoas sorrirem. E fazer as pessoas sorrirem é uma coisa muito especial. O sorriso é uma flor na cara de uma pessoa e fazer uma pessoa sorrir é difícil.
É uma cantora que investe muito no jogo metafórico nas suas composições. Há alguma explicação?
Não é algo muito consciente. São as ferramentas que eu tenho e que aprendi dos cantores que oiço, dos amigos com os quais componho e dos colegas de trabalho. É assim que vou aprendendo. Não fui a nenhuma escola de composição e não me considero uma grande compositora. Os grandes compositores são os Eugénio Tavares, os Ary dos Santos, os Fany Mpfumos… eu ainda sou uma bebé.
Perfil
Sara Tavares nasceu a 1 de Fevereiro de 1978, em Lisboa (Portugal), mas é em Cabo Verde, país que conheceu com cerca de 21 anos de idade, que mais gosta de tocar. É autora de Mi ma bô, Balancê, Xinti e Fitxadu. Por causa de um tumor benigno no cérebro, teve que se afastar da musica por longos sete anos. Quando era menina, Sara quis ser cantora e futebolista. Venceu a arte.