O poeta Amosse Mucavele vai lançar, as 17 horas desta terça-feira, o livro Vestígios do silêncio, no Camões – Centro Cultural Português em Maputo. Durante a sessão de lançamento, o autor, na companhia de Eduardo Quive, Menezes Chilaúle e José dos Remédios, vai conversar sobre a longa experiência de contar histórias dramáticas e esquecidas dos edifícios abandonados das cidades de Lisboa e Maputo.
Em Vestígios do silêncio, obra inaugural da “Residência Literária”, Amosse Mucavele apresenta uma poética concebida como objecto de desvendar os mistérios, de celebrar a memória transnacional dos ritos de passagem e ruptura, um desencanto de repensar as origens, as mutações da dor, as variações dos mapas territoriais e sociais das duas cidades [Maputo e Lisboa], partindo de um ponto de vista subjectivo das estórias desses dos lugares.
Para o ensaísta, poeta e professor universitário português, Nuno Júdice, trata-se de um livro em que o silêncio se converte em imagens nascidas da memória histórica dos lugares e da sua impressão no olhar do poeta. Essas imagens do passado cruzam-se com as que emergem de um presente que nos fala de uma relação pessoal com um mundo construído a partir de objectos, de elementos naturais, de pessoas, tudo evocado quase só numa alusão que abre ao leitor o campo da imaginação. Estamos assim perante uma construção de que o poeta é ao mesmo tempo o arquitecto e o pedreiro, e é este uma das grandes qualidades desta poesia: dar-nos a ver o desenho anterior ao fazer do poema e levar-nos a acompanhar a sua execução, sentindo o peso dos seus materiais. Restam, no fim, os vestígios do silêncio que se faz quando, após a leitura, saímos do teatro das palavras para um mundo que elas transformaram nessa alquimia verbal que é, ainda, a chave da escrita poética”.
Por seu turno, a ensaísta e professora universitária Carmen Lucia Tindó Secco, assevera que “é constante, na poesia de Amosse, uma inquietação em relação ao espaço, aos prédios de Maputo, muitos dos quais envoltos em sombras e esquecimentos, mesmo os arquitectados com arte, como os de Pancho Guedes, cuja genialidade é decantada em um poema de Vestígios do Silêncio. Neste livro, versos deambulam por “retalhos de decadências”, por um “mundo em ruínas”, por “biografias de solidões”, por imagens de abandono. São mencionados os cinemas Império e Olímpia, lugares, antes, movimentados, cheios de arte, de inúmeros frequentadores e, hoje, locais mortos, “casas desoladas à beira de um país” parado no tempo. Tais metáforas são reveladoras de que a “liberdade se demite” frente ao medo, à desesperança e ao vazio da existência”.
Com olhar questionador, direccionado aos subúrbios, Mucavele denuncia um tempo de ruínas, cortes, feridas, instabilidades, receios, prisões interiores e exteriores. Um tempo sem utopias socialistas: sem foices, só de martelos, símbolos da exploração dos trabalhadores em fábricas e indústrias. Um tempo de seres que perderam suas moradas e se tornaram espectros tristes e desesperançados. Com aguda mordacidade, a voz lírica reivindica para os marginalizados o direito à cidade. Há uma subtil crítica à falta de políticas públicas em relação aos habitantes dos bairros periféricos. Na poesia de Amosse Mucavele, o enfoque social se mescla a um lirismo existencial que envereda por trilhas filosóficas, pensando acerca da condição humana. Em simultâneo, um vigoroso labor estético, metapoeticamente, discute as formas de tecedura poética empregadas na elaboração dos poemas. Os vestígios do silêncio são, assim, investigados: há a acusação do silenciamento dos espaços discriminados; mas, há, também, o silêncio poético, possibilitador de outros sentidos e aromas, capazes de aprofundar os mergulhos na memória do tempo, na interioridade dos seres, na plasticidade criativa da linguagem.
Sobre a “Residência Literária”
A Residência Literária é um programa que se destina a escritores de nacionalidade moçambicana com obra publicada, com residência oficial em Moçambique ou que se encontrem a viver, estudar e/ou trabalhar no país e que pretendam desenvolver um projecto de criação literária, coerente com o seu percurso e pertinente na proposta de relação com a cidade de Lisboa. O programa foi criado ao abrigo do protocolo de cooperação celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e o Camões – Centro Cultural Português em Maputo, de acordo com a nota de imprensa desta instituição, e o júri foi constituído por Clara Riso (Casa Fernando Pessoa, convidada), Manuel Veiga (Câmara Municipal de Lisboa) e João Pignatelli (Camões – Centro Cultural Português em Maputo). Todos membros do júri decidiram, por unanimidade, seleccionar a proposta de Amosse Mucavele, considerando que no universo das candidaturas admitidas em 2019 era a que melhor se enquadra na lógica do programa de Residência Literária.
Sobre o autor
Amosse Mucavele nasceu em 1987, em Maputo, poeta, jornalista cultural e curador da Feira do Livro de Maputo, curador da colecção de fotografia contemporânea moçambicana na sexta edição dos Encontros Imagem & Território, na Guarda, Portugal e da Feira Internacional do Livro de Quelimane, entre outras iniciativas culturais em Moçambique, Portugal e Brasil.
É membro do Conselho Editorial da Revista Mallarmargens (Brasil), da Academia de Letras de Teófilo Otoni (Brasil) e da Internacional Writers Association (Ohio – USA), coordenador da World Poetry Movement em Moçambique. Consultor literário da Direcção dos Serviços Municipais de Bibliotecas e Arquivos, Concelho Municipal de Maputo e do projecto “Escolas que se Abraçam” da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil, Coordenou a publicação do livro “A arqueologia da palavra e a anatomia da língua – antologia poética”. É autor de 3 obras poéticas publicadas em Moçambique, Brasil e Argentina.