Por: Nwetana
O que aparentemente para alguns é visto como nada, para outros, como a Lica, é visto como pontos de partida. A brisa sussurra junto da artista a necessidade de dar vida ao que parece acabado, gasto, inadequado.
Lica olha para os objectos à sua volta, e não lhes vê o fim. Ela sente que aquele objecto pode ser outra coisa, pode renascer. Tal como Duchamp, Lica vê para além do óbvio, criando a sua linguagem “ready-made”, eu até prefiro “Dada”, mostrando assim que ainda mantém no seu ser a ingenuidade, a originalidade própria das crianças, de que a tudo é possível dar um sentido.
Será que essa sua necessidade, que parece vital, de não deixar a energia das coisas se perder, é antes uma esperança de que afinal tudo na vida vale, que tudo pode ser reutilizado, que tudo tem valor? Não posso deixar de sentir as minhas raízes falarem e surge-me a coincidência do nome. Sebastião. Talvez, tudo neste mundo esteja realmente interligado e conectado, e nela viva a semente remota de um “Sebastianismo” longínquo ou distante, isto é, a esperança de que é possível regressar e salvar aquilo que por muitos pode ser considerado perdido.
A arte de Lica, aqui hoje apresentada como “Brisa do Nada”, é um nada é muito.
São incontáveis horas, a contemplar a natureza e tudo o que a preenche, com olhos não de ver mas de sentir.
São incontáveis horas, a criar na solidão, no isolamento, no “mato”. Pois é no mato, como ela me contou, que a brisa lhe sussurra todos os segredos, que a brisa fala com ela… e juntas, criam “tudo”.
São incontáveis horas, a coleccionar objectos supostamente perdidos, tal como o seu pai o fazia… e, nessa reprodução do hábito de amontar coisas, ressurge aquilo que lhe faz ser Lica Sebastião, que é a vontade de criar.
Por sugestão de ninguém, a Lica quis ser artista. Firme à sua vontade, ela persiste e reinventa-se. No início, como ela me confidenciou, fazer arte foi muito sofrido porque as coisas não saiam como ela queria. Mas, a paixão e o amor à arte, a força interior que sente para o acto da criação, não a fez desistir. E hoje, aceita a sua arte com prazer, cria livremente e… a arte é agora a sua melhor amiga.
Não se considera retratista, mas retratar a expressão de algo é sua forte inspiração. Seja a natureza, seja o ser humano, a expressão das “coisas” é o que lhe permite criar histórias, que afirma não serem “africanas” mas antes do mundo.
Assemblage, colagravura, desenho, pintura… as técnicas usadas são diversas, sendo na mescla das técnicas, que a sua linguagem surge, naturalmente. Misturando, associando, combinando… o “nada” se transforma e passa a contar uma história, uma história de “Lica”, uma história de “todos nós”.
Maputo, CCBM, 13 de Abril de 2023