A realidade é que o tempo passa tão rápido que, por vezes, esquecemos de olhar para nós mesmos. E, ao dizer isso, refiro-me ao exercício cotidiano, frequentemente negligenciado, de observar aquilo que nos rodeia — tudo ou parte disso — pois somos feitos e definidos pelo meio no qual estamos inseridos e existimos. Ou seja, essa nossa realidade nos leva, em certos momentos, a esquecer de olhar para a própria realidade ou a fazê-lo de maneira superficial, com olhares fugazes sobre algo que exige nossa atenção e sensibilidade. É nesse entremeio, entre o esquecimento e o descurar, que a exposição “Agente da Passiva” emerge como um souvenir (em francês, uma lembrança), tecido por aquarelas e acrílico sobre papel, dessa nossa realidade.
A denominação da exposição sugere reflexões. Como se estivéssemos todos submetidos a leis e regras — da vida ou da existência — “Agente da Passiva” surge como um espelho da realidade, evidenciando que a vida é, de facto, regida por estruturas visíveis e invisíveis, que não apenas traçam caminhos ou impõem limites, mas também nos fazem vergar perante essas mesmas regras. Esse acto de vergar amplia o significado da exposição: o agente da passiva subordina-se à (lei da) vida. A questão se impõe: a que leis da vida? Talvez à forma, quase inconsciente, com que vivemos, onde, para os mais dramáticos, trata-se de uma marcha cega para um fim abismal. A resposta possível não esclarece, mas reflecte as normas que nos governam. Se perguntamos por que a vida é assim, a famosa resposta surge, irónica e resignada: “porque é”, ou, de outras formas, “as coisas são assim mesmo”. Diante disso, resta-nos apenas uma possibilidade: viver as coisas como são (ou não).
O quadro “Disponível por “é uma mostra, amostra e montra desse cotidiano que, mesmo sendo visível e útil em um mundo acelerado como o nosso, ainda esconde algo sob a superfície: uma possível submissão às regras do mundo e da vida.
Em uma análise superficial, o 55 x 75 cm de Chale retrata fielmente a realidade, sem deformá-la interpretativamente, trazendo traços de puro realismo. Não apenas a exposição apresenta retratos realistas, mas também há espaço para a abstração, como nas sequências Aura I, II, III, entre outras. Voltando ao quadro “Disponível por Encomenda”, ele retrata o que observamos no dia a dia, sem necessidade de escavações profundas — basta a superfície da tez: pessoas ganhando a vida ou tentando ganhá-la por meio de encomendas de produtos, nhonga e etc. É um tema corriqueiro, nosso e actual, que Chale propõe. Afinal, quem nunca encomendou algo? Vivemos assim; no fim do dia, estamos todos envolvidos nessa dinâmica — encomendamos ou entregamos encomendas. Especialmente nas grandes cidades, essa engrenagem rege a rotina.
Essa alternância não nos caracteriza apenas como moçambicanos, mas reflecte uma grande parte do mundo. No entanto, entre nós, essa prática parece ganhar uma expressão singular: todos conhecem alguém que entrega encomendas ou já fez uma. Mas é preciso notar que essa actividade não é recente; o que mudou é que hoje ela já constitui uma economia consolidada.
Essa alternância justifica, portanto, a subordinação à (lei da) vida, onde as opções giram em torno das encomendas: uma vida mercantil, em que todos são vendedores em potencial e outros, compradores prováveis. De uma forma ou de outra, estamos todos submetidos à economia e ao mercado.
Actualmente, parece que tudo gira em torno de encomendas. No entanto, surge uma questão incómoda: o que, de facto, está disponível por encomenda? As coisas ou as pessoas? Torna-se difícil discernir se estamos falando de alguém disponível para entregar encomendas ou de alguém que só está disponível quando encomendado. Será que, no fim das contas, as pessoas também se tornam produtos, disponíveis sob demanda para os outros, para a vida e até para si mesmas? Esses são alguns dos efeitos do capitalismo que, em parte, nos sequestra o tempo ao nos fazer acreditar que tempo é dinheiro, obrigando-nos a correr sempre. Nessa pressa diária, só nos permitimos parar, conversar e trocar risos mediante uma “encomenda”, esquecendo-nos de que o tempo é, na verdade, a própria vida.
No quadro, uma mulher de lado, com uma expressão de resignação, segura uma paperbag, normalmente usada para encomendas, especialmente entre a África do Sul e Moçambique, trazendo uma sensação de monção e movimento. Essa mulher retrata o nosso cotidiano, repleto de correrias por encomendas: encomenda-se tudo menos nada. Mas a questão ainda me parece válida, pela forma como nos subordinamos à vida, nós, os agentes passivos: o que está disponível por encomenda? Os produtos ou as pessoas?