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Uma paragem com (alguns) avanços… João Ribeiro prevê um futuro difícil para o cinema

O realizador do filme Avó Dezanove e o segredo do soviético acredita que se a sociedade souber lidar com a prevenção da COVID-19, o actual cenário de crise será ultrapassado com sucesso. Entretanto, ainda assim, filmar para a sétima arte será mais difícil, devido a aspectos relacionados com a segurança e com a logística em geral.

 

O cinema foi sempre uma arte exigente em termos de investimento. Com a nova conjuntura internacional, entretanto, filmar na rua será uma actividade acompanhada de muitos desafios. Inevitavelmente, segundo entende João Ribeiro, será ainda mais caro produzir filmes, “porque nós, os cineastas, temos um custo adicional com transportes que agora têm de ser limpos de maneira diferente”. Quer isto dizer que as produtoras cinematográficas terão de apostar mais na higiene, o que, sublinha o realizador, poderá impactar negativamente na pontualidade durante as filmagens. “Precisaremos de mais tempo para desinfectar as equipas e os materiais antes de entrarem no estúdio. Levaremos mais tempo nesta organização e, se tempo é dinheiro, claro que tudo isto terá as suas implicações”.

Num contexto em que a normalidade está além do horizonte, tal como a sociedade inteira, o cineasta tem de se adaptar. “Teremos de passar por cima de tudo isto, para que as produções e os filmes continuem. Claro, a forma de produzir terá de ser mais segura e com mais controlo. E é isso que vai implicar um custo adicional para o cinema. Mas creio que mais tarde ou mais cedo isto vai se recompor. Obviamente que há este momento de travagem e do impacto. Depois, temos de absorver, analisar e arranjar as saídas, que, algumas, já estão a ser aplicadas”.

Em termos financeiros, João Ribeiro afirma que os cineastas já se ressentem da crise sanitária desde que dura o Estado de Emergência no país, porque muitas empresas viraram a sua comunicação para materiais editados em pós-produção. Aliado a isso, o impacto da COVID-19 nestes quatro meses se faz sentir porque os cinemas e outros locais de entretenimento foram encerrados. Ainda assim, Ribeiro enxerga algo bom no meio do caos: “a COVID-19 trouxe-nos uma mudança em termos de modus operandi e na percepção. Com a pandemia ficaram expostas as nossas fraquezas e as nossas incapacidades de lidar com o problema. Isto veio expor a fragilidade do sistema, inclusive na área do audiovisual. Por outro lado, isto quebrou alguns dogmas. Hoje vimos as televisões a aceitarem materiais em outros formatos, coisa que não víamos antigamente. Agora vimos pessoas a falarem pelo Skype, a enviarem vídeos, a utilizarem as plataformas digitais para comunicar com o grande público. Antes, isto não era muito bem aceite, porque as pessoas viam como forma de comunicação de menor qualidade”.

A abertura das televisões em relação a materiais externos, considera o realizador, proporciona novas oportunidades que devem ser exploradas para o futuro, porque as plataformas digitais aproximaram países e pessoas que, de outra maneira, não teriam como se contactar, o que ajuda a melhorar e a transformar a comunicação.

 

Avó Dezanove e o segredo do soviético

Há cinco meses, Avó Dezanove e o segredo do soviético teve a sua estreia internacional no Pan African Film Festival, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos de América. Semanas depois, o Cine Scala, em Maputo, foi o espaço que acolheu a estreia nacional da segunda longa-metragem de João Ribeiro. Até aí, tudo corria de feição, segundo os planos programados para a exibição do filme. Porém, num ápice, o mundo mudou e as salas de cinema foram encerradas ao público. De lá a esta parte, todo um plano de levar o filme rodado em Maputo, em 2018, foi suspenso. A suspensão é deveras constrangedora porque, quando o filme saiu, houve uma comunicação que foi feita e que agora não pode prosseguir. “Assim, temos de voltar atrás e repensar a comunicação, o que tem os seus custos e traz os seus problemas na própria vida do filme”.

Não fosse a nova ordem, a longa-metragem de João Ribeiro seria exibida em alguns festivais que foram cancelados. Isso causa perda de dinheiro para o filme? O realizador explica: “Avó Dezanove não é um filme para ganhar dinheiro. Eu faço cinema do autor, aquele cujo objectivo é que a maior parte das pessoas veja. Avó Dezanove é um filme para um determinado ciclo de funcionamento. Vai para sala do cinema, mas depois faz a sua vida em outra área. E nem sempre traz uma receita ligada à exploração, daí que nós fazemos este tipo de filmes com fundos que nos são cedidos a título perdido. O objectivo é fazer uma obra que atinja o público”. Então, neste caso, o problema não é a receita, mas a impossibilidade de poder ser exibido: “Por exemplo, a esta altura, eu gostaria de estar a exibir o filme nas escolas onde estudam as crianças que fizeram parte do elenco de actores. Queria devolver este trabalho a eles e sentar-me com as crianças do país inteiro. Tudo isso, infelizmente, está parado”.

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