O País – A verdade como notícia

Uma ovelha apaixonada no meio de lobos…

Há mares e mores;

Há verdades e grandes mentiras;

Constrói-se fama, mas também se difama.

Há muita gente, mas ninguém conhece ninguém…

Há egoísmo, há intolerância, há lobos, há crimes.

Sede prudentes?com a internet.

 

Sala de julgamento…agentes fortemente armados em cada canto do compartimento…o calor era dos infernos…vi suor gotejando/deslizando pelos contornos da cabeça de um dos réus, feito em uma cascata…

Senhor jornalista levante-se! Ordenou aquele juiz. Gelei…senti-me também réu. A sala estava cheia…todos os olhos grudaram em mim. O medo namorou-me em segundos conquistou-me e até quis casar-me. Eu também… porquê não recusei? Haaa…Não tinha como dizer não…foi tão rápido. Foi tiro e queda!

– Senhor jornalista. Algo a comentar?

Um suspiro…"Sim, meritíssimo. Venho cobrindo este caso há meses e sinto-me no dever de levar o seu desfecho aos  leitores e telespectadores!"

– Sente-se! Disse em tom de quem manda aquele juiz que tinha um calhamaço de papéis ao seu lado e o martelo de madeira prontinho…da silva para anunciar o veredicto.

 Uff…rapidamente pousei as traseiras naqueles bancos duros de doer.

– Ministério Público?

– Nada meritíssimo! Respondeu a parte acusatória.

– Como sabeis este é um acto público. A imprensa esteve aqui na leitura da acusação e fez o seu trabalho. Não há nenhum ilícito em permitir que eles o façam novamente hoje. Sendo assim, as vossas alegações não são procedentes.

Respondia assim, o juiz à recusa da defesa dos réus em permitir que nós – a imprensa – cobríssemos a leitura da sentença de um crime de rapto a um cidadão britânico na cidade de Maputo, sob pretexto de que os mesmos gozavam de presunção de inocência…

E o crime cibernético? Aparece como mais uma ramificação do dossier rapto.

Vamos a história…ela trabalha numa instituição do estado com fama de pagar bem aos seus funcionários…E sabe…Nessa coisa da vida, os amores aparecem em locais menos prováveis – e ao que tudo parece quanto mais improvável, mais caliente ele se torna – e foi o que conheceu! Ela conheceu um jovem que o descreveu como sendo elegante numa dessas redes socais. Ele apresentou-se como alguém que lida com pedras preciosas, mas tudo legal?… Sem muito tempo passar, ela teve uma explosão daquela coisa que arde por dentro chamada amor. Já trocava fotos e palavras daqueeelaaas…já sabem né? Sim, de amor…Meses se passaram e aquele sentimento indiscritível…começava a fazer "estragos' no coração dela…e quem nunca sofreu tais estragos, tais abalos, tais…?

Certo dia, ela recebeu uma chamada telefónica de alguém que se identificou como um agente da polícia a dizer que o seu namorado – diga-se virtual – estava detido em Manica e que ela era a única esperança dele. Exigiu que ela tinha que arranjar… tantos dólares para que o seu amado fosse solto.

– Não tinha o referido valor, mas pedi para que me desse provas de que se tratava dele. No primeiro dia disse que não era possível. Só no segundo dia é que consegui falar com ele. Avançou ela em sede do tribunal, perante o olhar e escutar atento daquele juiz, e continuou.

– Na conversa que tivemos ele pediu ajuda e disse que me iria reembolsar o valor logo que chegasse a Maputo…

Movida então pela força (ir)racional do sentimento que a possuía, juntou o que tinha e ainda endividou-se para safar o seu príncipe do covil? E assim foi…combinou-se que o valor seria entregue em mãos a um amigo dele numa dessas ruas da cidade da Matola e tal sucedeu.

– Estranhei como estava vestida a pessoa que veio buscar o dinheiro. Era magra, com aparência estranha e débil, detalhou a senhora ao juiz.

O que ela não sabia, na altura, é que estava feito uma ovelha no meio de lobos.

Dias se passaram… feedback que é bom? Nadaaa!

– Ligava para aquele número…mas ninguém atendia. Recordou…

Noites em branco ela passou – já imagino a angústia e desespero…provavelmente mil e um cenários atravessaram os seus miolos – mas nada!

Eis que num dia…recebeu uma chamada proveniente da PIC (agora SERNIC – Serviço Nacional de Investigação Criminal). É que ela estava embrulhada num conjunto de contactos associados ao rapto, sim o rapto…mas como? Calmem já explico…

É que o seu suposto namorado não trabalhava com pedras preciosas coisíssima nenhuma….era sim um recluso a cumprir pena na BO (Cadeia – Supostamente – de Máxima Segurança). E o seu colega de cela – o polícia aquelee que ligou para exigir aquela quantiaaa a senhora – foi quem ligou para o filho da vítima do rapto a exigir o dinheiro de resgate. Isso mesmo…o resgate foi exigido a partir de uma das celas da BO.

– Não se explica… que num dia como hoje as equipas de fiscalização recuperem todos os telemóveis nas celas, para dias depois voltar a se encontrar mais aparelhos nos mesmos locais. Estranhou o juiz, com semblante de preocupação.

Durante a investigação descobriu-se que o namorado virtual não era quem se mostrava ser no perfil da rede social, não era tão jovem. Era sim… um colombiano de idade avançada.

E o amor incompreensível? Foi o juiz quem denunciou em sede de julgamento.

– Como a senhora foi capaz de fazer isso? Com tantas crianças órfãs desde a Matola até a cidade de Maputo, algumas delas em orfanatos?Como é que foi capaz? Questionou aquele juiz em tom de preocupação e sentimento de incompreensão perante a senhora burlada.

Sucede que depois da ligação feita pela PIC, acabou se concluindo que ela era mais uma vítima. Colocaram-na frente-a-frente com o seu carrasco.

– Porquê fizeste isso comigo? Questionou ela.

– Peço desculpas pelo que fiz, sinto muito. Disse o recluso

Palavras descritas pelo juiz em sede de julgamento.

O estranho é que mesmo depois do sucedido, ela comprou material higiénico e outros produtos para ofertar àquele homem. Uma atitude não encaixava nos parâmetros de lucidez daquele juiz.

– Mas minha senhora, o que pretendia com aquela atitude. É assim…alguém lhe faz tanto mal e ainda tem caridade para com ele? Aquele é um criminoso é um cadastrado. Reiterou o juiz perante um silêncio ingênuo da senhora que parecia não ter a dimensão das palavras do juiz.

E o débil, aquele que recebeu a quantia conseguida pela vítima do golpe? A investigação chegou à sua identidade…tratava-se de um recluso que se encontrava fugitivo da BO desde 2011. Foi quem – na companhia de seus comparsas – executou o rapto na Avenida de Angola. Na altura, eles dispararam contra a vítima – diga-se idosa – e porque até a sentença não se tinha seu paradeiro concluiu-se que não teria resistido aos ferimentos: foi dado como morto. Até a leitura da sentença… o fugitivo ainda vagueava por aí…não se sabia a sua localização. (Qual filme de hollywood? Cenas made in Mozambique.)

– Como é possível que alguém consiga fugir da BO, entre na cidade de Maputo execute um crime à luz do dia e a Polícia não o encontre. Não sei  porque é que a nossa Polícia não copia procedimentos tão simples quanto divulgar fotografias de pessoas suspeitas ou foragidas…Lamentou o juiz

E o martelo? Sim aquelee de madeira… Sentenciou que parte dos réus cumprissem penas de prisão maior por se ter provado o seu envolvimento naquele crime macabro.

Esta é apenas uma parte de várias histórias de um julgamento que cobri em 2015…não me esqueço!

 

 

Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas.

Mateus 10:16

 

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos