Ainda na “ressaca” do dia da mulher, o “O País” traz-lhe histórias de “guerreiras” anónimas que desafiam o perigo para colocar comida na mesa de suas casas.
A nossa odisseia começou às 3h30 da manhã…numa altura em que as ruas e as estradas de Maputo estavam silenciosas. O único ruído era mesmo da nossa viatura…
Àquela hora, como é de praxe, reinava a escuridão…diga-se que só era interrompida pela iluminação pública e pelos faróis da viatura. A nossa reportagem entrou Polana Caniço a dentro a busca de uma história de vida, de um exemplo de mulher guerreira. Encontramo-la. O nome é Anastácia Nhantumbo e vive do pão.
4h00: Enquanto a cidade dormia…ela começa a sua rotina diária.
Solteira…abandona o sono e suas duas filhas menores e sozinha sai de casa. Desafia o silêncio da madrugada a procura do sustento para a sua família. Destemida, já está acostumada ao latir dos cães da vizinhança que estranhavam a movimentação.
Entretanto, a rotina de Anastácia não começa assim…recuemos. Antes de comprar o pão a grosso na padaria muito cedo, todas as noites (18h00) Anastácia leva ao colo Esmeralda (dois anos) e a mão Vânia (seis anos) para adorar a Deus.
Uma hora depois (19h00), na companhia das suas duas parceiras, Anastácia segue pela Avenida Vladimir Lenine num percurso de um quilómetro e meio para a padaria onde faz o pagamento do pão que irá levantar no dia seguinte. Porque elas têm uma rotina bastante preenchida, Esmeralda, a filha mais nova, embala no sono, enquanto isso, Vânia tem mesmo que marchar.
E porque nessas alturas, os passeios são assaltados pelas viaturas e as possas de água são também uma realidade, elas disputam os pequenos espaços que existem no passeio. Como o tempo é escasso para quem tem um dia preenchido, Anastácia estimula Vânia a acelerar o passo.
19h20: Chegam à padaria…depois de efectuarem o pagamento e já tomadas pela fadiga e sem onde repousar, apenas à água têm acesso.Assim termina uma parte de sua agenda. Anastácia regressa a casa porque no dia seguinte tem que acordar cedo. Até porque é assim todos os dias…
4h00: No dia seguinte, sem as suas filhas, Anastácia sai de casa e desafia a escuridão e o silêncio da madrugada. Muitas vezes caminha sozinha na rua…o som das suas sandálias só é alternado pelo ruído das viaturas ainda escassas na avenida Vladimir Lenine.
4h10: Ao chegar à padaria, o cenário é de mulheres deitadas no chão… Afinal, tal como Anastácia há outras que vivem do pão. Porque acordaram cedo, estas tentam esgotar parte do sono cortado. E tem que ser assim, porque a espera pelo pão pode durar horas e a fadiga é inevitável.
Passa uma hora…enquanto o pão coze no forno, a conversa espanta o sono das vendedeiras de pão. Anastácia está insistentemente a controlar a hora, porque tem mais tarefas e horários a cumprir.
6h00: O dia começa a clarear. Só depois de duas horas de espera é que o pão sai do forno, sendo que a seguir, a missão é de vender de casa em casa aos seus clientes. Tudo é feito a pé e exige paciência…
Os clientes que recebem o pão quente logo pela manhã veem vantagens. Osnaldo Eugénio, estudante universitário falou de benefícios. “É sempre bom receber o pão sem ter que sair de casa”, reconheceu para depois falar de mais vantagens “gosto muito do pão dela porque é volumoso”, reiterou, facto que roubou um sorriso de Anastácia.
O estudante natural de Niassa aproveitou a ocasião para deixar uma mensagem de encorajamento a Anastácia que para si é uma mulher batalhadora e não deve desistir de lutar para melhorar a sua condição.
Desistir, uma palavra que parece não fazer parte do vocabulário de Anastácia…que continua de casa em casa a distribuir pão.
Depois de uma hora a vender o pão, Anastácia deu uma pausa para nos contar a sua história. Tudo era cronometrado até porque a seguir tinha que se dirigir ao seu posto de trabalho onde é doméstica. Questionamos se não tinha medo de caminhar sozinha de madrugada numa zona tida como perigosa. “Não, não tenho medo…porque a primeira coisa que faço ao acordar é orar, quem tem Deus não teme nada”, disse.
À nossa reportagem, Anastácia contou que vivia com o seu marido na casa dos sogros, mas abandonou o lar depois de anos de sofrimento. “Sofria violência doméstica, era uma mulher humilhada. Quando decidi sair do lar (…) muitos não queriam acreditar que havia tomado essa decisão. Havia comprado algumas coisas, mas a minha saída levei pequenas coisas. Na casa dos pais do meu marido até disseram que não conseguiria recomeçar vendendo pão”.
Entretanto, contra todas as expectativas de quem não acreditava nela, foi vendendo pão que Anastácia se reergueu. Contou que não foi nada fácil recomeçar, pois muitos não compreendiam o seu trabalho. “Diziam que o meu pão era pequeno e muito fofo e que não iriam saciar. Mas mesmo assim, não perdi a minha fé e continuei a lutar. E porque acreditava, com andar do tempo passei a ter clientes que não conseguia satisfazer”, recordou.
Anastácia explicou que compra em média 30 pães e tem lucro de 60 meticais. Desse valor, 50 meticais faz xitique (poupança) diário com outras 14 mulheres. Do valor que recebe do xitique paga a renda (1400 meticais) e ainda sobra algum para pagar outras despesas.
O dinheiro que recebe como doméstica (2 mil meticais) vai também à poupança pois tem um sonho. “Quero construir a minha própria casa…sem ter que depender do homem”. Mulher de convicções próprias, Anastácia não para de sonhar.
E porque há muitas mulheres que ainda sofrem e se deixam humilhar, Anastácia deixou um segredo. “Não deixem de ajudar os vossos maridos. Não esperem que o vosso marido perca emprego para terem iniciativa de ajudar nas despesas caseiras. Uma mulher tem que ser ajudadora”, defendeu.
“GUERREIRA” DE 56 ANOS CUIDA DE MARIDO, FILHOS E NETOS
Na nossa excursão, procuramos outra história. Chama-se Rosalina Matsinhe. Além do pão, vende outros produtos para alimentar a sua família. Para quem a vê de longe, não imagina que ela esconde uma história interessante.
De 56 anos, graças ao seu negócio alimenta três filhos, três netos e seu marido que anda doentio. Levou-nos a sua casa, onde encontramos apenas o seu marido Telace Palote. Contou que desde que o marido parou de trabalhar nunca faltou comida em casa. “Nunca dormimos com fome. Podemos não ter jantar propriamente dito, mas pelo menos um chá temos para enganar o estômago”, disse confiante.
À contas com uma paralisia que reduziu a sua locomoção e capacidade de ajudar nas despesas caseiras, o senhor Palote, marido de Rosalina reconheceu o esforço da mulher. “Ela tem feito muito esforço para nos alimentar. Como ela bem disse nunca nos faltou comida aqui em casa desde que começou a doença”, disse.
Ela natural de Manjacaze, em Gaza, e ele de Maganja da Costa, na Zambézia, o casal mostra que o amor não tem barreiras, não tem condicionalismos e sobretudo não tem idade.