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Um rapper deve contar narrativas que impactam na vida das pessoas

Para este grupo a música é fruto da amizade. Conheceram-se ainda muito novos, no bairro Sommerschield, na cidade de Maputo. Tudo começou sem grandes pretensões. Quando deram por si, estava criado o grupo Dark Room Productions, ou seja, DRP. Nesta entrevista, mesmo a propósito do mais recente álbum lançado, Agora ou nunca, o grupo fala da forma como pensa o RAP e do seu compromisso com a música.

 

Passados 15 anos depois do primeiro CD, DRP volta ao game, como os rappers gostam de dizer. Quais são as histórias por detrás deste Agora ou nunca?

Este é um álbum que nós já queríamos fazer há algum tempo. Só agora é que foi possível porque, nos últimos 15 anos, muita coisa aconteceu. Inclusive, muitos dos membros do grupo tiveram de sair do país por causa dos estudos, mas, quando voltamos, começamos a programar a produção deste nosso novo álbum, num contexto em que alguns de nós já trabalham e têm família. Ainda assim, conseguimos nos concentrar para este projecto Agora ou nunca. E este título vem do feeling que tínhamos. Quer dizer, ou fazíamos o álbum agora ou nunca mais iríamos fazer.

 

Agora com maturidade, o compromisso continua o mesmo?

Sim, e agora com mais determinação e seriedade no nosso trabalho.

 

DRP é um grupo preocupado em contar histórias através do Hip-Hop. Que narrativas, desta vez, quiseram levar ao público?

Trabalhamos três anos neste projecto. No momento que decidimos avançar com o álbum, sabíamos de que enquanto estivemos sem lançar, as coisas foram mudando. Aliás, o próprio RAP evoluiu muito em Moçambique. Actualmente, temos grandes artistas que estão a fazer coisas maravilhosas em termos de qualidade. Então, decidimos que com este álbum tínhamos de tentar abranger um bocado de todos os moçambicanos, sabendo que a nossa faixa etária é de 35 anos para cima e que as pessoas que ouvem Hip-Hop são jovens. Então, tínhamos de falar de coisas com as quais as pessoas pudessem se relacionar. E não há melhor maneira… ao invés de inventarmos histórias, pegamos nas nossas próprias histórias, no nosso dia-a-dia e transformamos isso em música. Julgamos que assim fica mais fácil para quem ouve poder se identificar. Se falássemos de coisas fora do nosso quotidiano, haveria o risco de as pessoas não se reverem e nós não nos revermos nas nossas músicas.

 

Ou seja, a ideia de a DRP existir com os outros é bem presente na maneira de pensar a música?

Sim, porque a DRP não é uma ilha. Um dos nossos grandes objectivos para este álbum, que não conseguimos concretizar no nosso primeiro, foi de abranger todo Moçambique. Sabemos que nas cidades a nossa música é muito consumida, mas temos de levar a música para onde as pessoas estão.

 

Do ponto de vista de participações, Agora ou nunca é um disco eclético. O que pretenderam ao levar ao CD autores como Tégui, Muzila, Duas Caras ou Simon Silver?

Desta forma quisemos absorver o máximo possível dos nossos artistas e, a partir daí, com eles partilhar o que é a DRP. Tínhamos planos de trabalhar com mais artistas, mas o tempo e a direcção para a qual estávamos a levar o álbum não permitiram. Acima de tudo, tínhamos de ficar bem focados no que queríamos fazer do Agora ou nunca.

 

Sei que neste Agora ou nunca a DRP teve a preocupação de produzir as músicas a pensar em actuações ao vivo. É verdade?

Sem dúvidas. Quando fizemos o álbum sabíamos que tínhamos de investir nessa componente ao vivo, até porque somos mais conhecidos como artistas que fazem performances. Sempre trabalhamos nisso e fomos dos primeiros grupos que, naquela altura em que não haviam condições, tentava fazer actuações com banda. Pensamos, neste álbum, como é que poderíamos mexer com as pessoas de uma maneira subtil. Por isso Agora ou nunca é mesmo uma viagem. Calculamos como cada música poderia impactar no show e continuamos a trabalhar nisso – o CD só saiu há algumas semanas. Portanto, tentamos sair da caixa, até para quebrar aquela ideia de que o Hip-Hop é um estilo de marginais…

 

É a pensar nisso que cantam sobre a mulher, a autoestima e uma forma de estar?  

Isso sempre foi a DRP. A DRP sempre teve essa consciência porque assim é o tipo de RAP que nós gostamos e escutamos. Há muitas pessoas que, quando fazem os álbuns, apenas pensam num tópico. Por exemplo, ou falam das ruas ou de política. Nós preferimos pensar que o Hip-Hop é um estilo de música para todos. Mulheres gostam de Hip-Hop, mas poucas vezes nós ouvimos músicas positivas sobre elas. Então, nós tentamos mudar essa narrativa e consciencializar os rappers no sentido de que temos de investir na nossa música. No fim do dia, música é arte, arte é produto e produto dá dinheiro. Nós estamos a falar dessas coisas no álbum, que é também para incentivar as pessoas. É isso o que nós sabemos fazer e queremos evoluir com isso.  

 

A segunda música do CD é “Golo”, que nos sugere a mais afamada modalidade desportiva do mundo. Que golo é esse que quiseram marcar como grupo?

Quem fez o coro dessa música foi o Jonaze e a mesma produzida por Leeleo. “Golo” foi a última música que nós gravamos, em 2018. Nessa altura estamos prestes a concluir o álbum. Então tivemos o sentimento de estarmos a conseguir alcançar a meta que tanto ambicionávamos. Felizmente conseguimos chegar lá… e, por isso, a música, com participação de Duas Caras, foi o primeiro single do nosso álbum. Outra coisa, muita gente, quando ouve a música, pensa no futebol, claro, o maior desporto do mundo e que nos traz muitas alegrias. Entretanto, com a música nós não estávamos a pensar apenas na modalidade, mas sobretudo em alcançar um objectivo. Esse era o nosso golo e nós já o marcamos.

 

O título do vosso primeiro CD, Era uma vez, nos introduz para uma narrativa. Agora ou nunca conduz a uma determinação. Como começam as vossas histórias e para onde gostariam que as mesmas vos conduzissem?

As nossas histórias começam com a nossa amizade, nós crescemos juntos e a maioria das nossas músicas, no princípio, foram criadas no quarto da Taíla. Naquela altura, preocupávamo-nos em fazer um exercício de composição sobre o ego, mas rapidamente percebemos que a música não é só isso. Existem tantas outras coisas relevantes, coisas que nos afectam. Quem ouve o nosso primeiro CD e nos conhece percebe que lá estão muitas músicas que relatam situações que vivemos. Por exemplo, “Get together”. Um dia antes de gravarmos essa música, nós realmente fizemos um “Get together”. Outro exemplo, o que Jonaze relata na música “A carta”, ele realmente escreveu numa carta para uma namorada dele que foi embora. Nós sempre tivemos essa proximidade que nos leva a partilhar histórias. E por termos uma mulher no grupo, a Taíla, isso sempre nos ajudou a estarmos focados na dimensão humana. Um rapper tem de contar narrativas que impactam na sua e na vida de outas pessoas, comunicando-se com os outros. É por aí que nós caminhamos.

 

Já agora, de que forma se consegue o equilíbrio entre o exercício sobre o ego, muito comum no RAP, e o lirismo, de tal forma que o rapper não se torne uma voz narcisista?

O “eu” ou o “ego” é qualquer coisa que a maioria dos rappers usa como capa. Esse é o ponto de introdução. É como toda a gente, na verdade. A nossa primeira preocupação, como pessoas, é o nosso “eu”. Enfim, o rapper está a mudar. Agora este ritmo é uma indústria de um bilião de dólares, anualmente. Há 20 anos, o RAP era considerado música de marginais. Hoje não se faz nada sem o RAP. Por isso, actualmente, as empresas assinam contratos com rappers para que sejam suas caras. Internamente, é o caso de Ellputo, que está a fazer trabalhos com muitas empresas grandes. Ellputo vende o Hip-Hop.

 

Era possível lançar um álbum assim há 15 anos?

Não, não era possível. Quando fizemos o nosso primeiro álbum, não tínhamos a intenção de o lançar para o público. Estávamos a fazer o álbum para os nossos amigos. Só que, começou a ficar tão bom que os nossos próprios amigos começaram a exigir… Ou seja, do ponto de vista criativo, a qualidade até existia para produzirmos um álbum como este há 15 anos, mas, emocionalmente, como grupo, não estávamos preparados. Agora, sim, estamos muito preparados.

 

A prova disso?

Estamos a fazer tudo sozinhos, como uma equipa. Temos o nosso manager, abrimos uma empresa. A DRP agora já não é apenas um grupo de música, também é uma empresa que produz roupas. Há 15 anos não estávamos com este nível de preparação e não teríamos alcançado a qualidade que o álbum tem e nem as participações que trouxemos. Não tínhamos a concentração necessária.

 

Qual é a música que mais deu gozo de gravar e a mais difícil?

A que deu mais gozo foi a primeira, “Agora ou nunca”, a que dá o título ao álbum; e a mais difícil foi a quarta, “Pouco a pouco”. Fizemos essa música com Mark Exxodus e tivemos de sair da nossa zona de conforto. Mas são esses desafios… Se não sais da tua ilha, ficas sozinho, isolado.  

 

Como gostariam que os moçambicanos, gostando ou não do Hip-Hop, olhassem para a marca DRP?                                                                                                                                                           

Gostaríamos que os moçambicanos percebessem que DRP é um movimento para promover artistas nacionais, sobretudo de RAP. É isso que nós queremos e já estamos a fazer. O nosso produtor, Leeleo, tem um estúdio e está a produzir vários artistas. Nós gostamos muito de Hip-Hop.

 

Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?

Sugerimos o disco Eleven, de Tégui; Resgate, da Mahla Filmes; Memórias em voo rasante, de Jacinto Veloso; e La famba bicha, de Jeremias Ngoenha.

 

Perfil

DRP significa Dark Room Productions (Quarto Escuro Produções) em referência ao estúdio/quarto de DaBrain (Ntanzi), onde se criava e avaliava as músicas: dentro de um quarto todo escuro. É um grupo de RAP, formado por amigos de infância: Afonso “Gusto” Coelho, Jonaze “Kwitas” Americano, Taila “Yillah” Carrilho, Dwalak “Mollas” Mendes, Nonulio “Fresh Nunas” Wetela, Lúcio “Lucky Luciano” Sumbana, Robert “D.K. Vader” Honwana e Leandro “Leeleo” Costa. Além de cantar, o grupo produz, edita álbuns e tem uma empresa de vestuário.

 

 

 

 

 

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