O País – A verdade como notícia

TiDias e a TSU

Por: Valério Maúnde

 

É manhã de sábado e Obadias, mais conhecido na zona por TiDias, está refastelado no sofá de palha da sua sala, com o controlo remoto da TV na mão, pulando de um canal para o outro, buscando um programa qualquer que o ajude a passar as horas. Sheila, sua esposa, após passar para cá e para lá, nos seus domésticos ofícios, não evita estranhar aquele incomum cenário, visto que não tem em memória a última vez em que o pai das crianças se tinha deixado estar em casa em pleno fim-de-semana. Sem dizer palavra, põe-se junto do marido e encosta as costas da mão direita à testa e depois ao pescoço do seu homem, medindo-lhe a temperatura, em clara suspeita de um possível ataque febril ou de qualquer anomalia na sua saúde. O gesto da mulher irrita o homem, que trata de repelir com rudeza aquela cuidadora e amorosa mão.

Sheila afasta-se com o mesmo silêncio com que se aproximara e volta às suas ocupações.  Dali a pouco, ouvem-se impacientes e insistentes dalcenças. Sussurrando, Obadias acautela a mulher sobre a resposta a dar – ela que diga que ele não está e ponto. Do interior da sala, dá para ouvir os diálogos travados no quintal entre a esposa e a dona Gertrudes, proprietária da barraca mais famosa do bairro, lá onde os homens entram às sextas e só saem aos domingos.

– Estou a pedir falar com TiDias – solicita a visitante.

– TiDias não está – responde Sheila em seco.

– Foi para onde? Vai voltar a que horas?

Para ambas as perguntas, a resposta é a mesma, que não sabe.

Esta é só a primeira de muitas outras visitas importunas que vão batendo à porta da casa do TiDias ao longo do dia. Nesta exacta sequência, vieram o dono do talho, o mecânico, o pedreiro, a mukherista e até o sapateiro, todos com o mesmo intento: cobrar dívidas declaradas, ocultas apenas para a Sheila, a quem o marido não dá conta das contas da família.

Farta de ser escudo, porta-voz, porteira ou o que quisermos chamar, Sheila decide não atender mais à porta. – Vai você atender tuas pessoas, estou cansada eu! – sentencia.

Vendo-se sem alternativa, Obadias chama pelo filho Manuelito de 5 anos e encarrega-o da função até ali desempenhada pela mãe. Já perto das 16 horas, pede dalcença o Tio Gaspar, o chefe do quarteirão. Com a honestidade próprias das crianças, Manuelito transmite, com precisão, a mensagem que lhe foi confiada pelo progenitor:  – TiGaspar, papá disse não está.

 Obadias, que acompanha o diálogo do interior da casa, percebe que o tiro saiu, não pelo cano, como era suposto, mas pela culatra, e sai às pressas para o quintal, carregando duas cadeiras plásticas e, antes mesmo de se sentar, trata de salvar a situação embaraçosa, alegando tratar-se de um mal-entendido, resultante da pouca idade do rapaz, que não foi capaz de compreender a instrução do pai.

O chefe do quarteirão finge condescender com o dono da casa e trata de apresentar, sem delongas, a razão da sua visita.

– Vizinho, vieram queixar na minha casa, dizem que estás a dever o bairro todo.

– Não é bem assim, chefe…

– Estás ou não estás a dever?

– Eu estou a dever, não nego, mas a culpa é do governo.

– O governo é que fez você pagar bebida a todos que estavam na barraca? O governo é que levou carne no talho? O governo é que foi deixar o teu sapato no madala[1] Kembo?

– Chefe, essas coisas fui eu, mas o governo prometeu TSU para este mês, mas não pagou até agora. Eu até entrei num Xitique de 20 mil e não sei como fazer.

– Fala com as pessoas, diz a verdade. Não há ninguém que não deve neste país.

– Mas vou dizer o quê eu?

– Pede paciência e repete o que os chefes disseram, que “a TSU terá efeitos retroactivos”.

– Mas nem sabem o que são retroactivos, esses.

– Eu também não sei…

 

 

[1] Velho, em Xichangana

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