Havendo a necessidade de regulamentar as actividades audiovisuais e cinematográficas em Moçambique, em conformidade com o disposto no artigo 37 da Lei n.º 1/2017, de 6 de Janeiro, o Conselho de Ministros, através do Decreto n.º 41/2017, de 4 de Agosto, aprovou o Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema. Trata-se, pois, de um instrumento que estabelece os mecanismos de aplicação da referida lei.
Com efeito, o espírito de criação deste instrumento legal materializa, de forma fiel, o conceito das indústrias culturais e criativas institucionalizado no País. Ora, se assumirmos que a cultura tem a potencialidade de contribuir para o desenvolvimento económico nacional, logo, é necessário instituir mecanismos que possibilitem aos fazedores das artes e cultura a contribuírem para o crescimento económico do País, fazendo jus ao pressuposto institucionalizado.
Aliás, o n.º 1 do artigo 63 (do supracitado decreto) indica, por exemplo, que 60% do valor das taxas fixadas no Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema se destinam ao Orçamento do Estado; 25% ao Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC) – organismo de apoio artístico-cultural no País; e 15% para o Instituto Nacional Audiovisual e Cinema (INAC). Estes valores, em primeira análise, revertem-se em benefício do desenvolvimento do sector e contribuem para o crescimento da economia nacional.
Mas onde reside o problema?
- No artigo 54 da lei supra, lê-se: “A autorização de rodagem e pesquisa de produção nacional incide sobre o orçamento da produção, desde que não seja inferior ao salário mínimo em vigor na Função Pública.”
Ao que se pode depreender, provavelmente, o problema não seja usar como base o salário mínimo para definir a taxa, mas a sua universalização. Assim, este dispositivo legal, além de não ser razoável, peca justamente por não criar categorias de pagamentos, pois, no nosso entender, não parece o mais acertado colocar no mesmo nível de pagamento um artista conceituado e um iniciante. Este, geralmente, usa recursos próprios para produzir a sua obra, e enfrenta diversas dificuldades, principalmente para a promover. A sua esperança, para uma projecção nacional, é ver a sua obra promovida na televisão. Por isso, parece-nos contraproducente que, num contexto de apoio cultural público e privado deficitário, ainda se tenha que cobrar a este novo talento uma taxa desta natureza. Aqui, o legislador é chamado a categorizar e/ou criar níveis de pagamentos, usando qualificadores que melhor se ajustem à nossa realidade sócio-económica.
Não obstante, é preciso reconhecer que há artistas estabelecidos. Para estes, parece-nos prudente que se cobre uma taxa de acordo com os níveis de crescimento económico do País, sendo o salário mínimo um dos indicadores. Em outros contextos, em que os artistas possuem uma “Carteira”, as taxas são cobradas baseando-se na classe da “Carteira do Artista”, ou seja, o artista de Classe A não paga a mesma taxa que o artista de Classe B, e assim sucessivamente. Portanto, este método evitaria o que estamos a assistir no País: a universalização das taxas e as suas inevitáveis consequências.
- O actual contexto: Para o Governo de Moçambique (GM), “a economia Moçambicana tem sido afectada por sucessivos choques internos e externos, com destaque para os efeitos das mudanças climáticas, as acções terroristas em Cabo Delgado, a Pandemia do Covid-19 e, mais recentemente, o conflito na Ucrânia”.
Segundo o posicionamento do Governo, o País está numa situação crítica, pelo que, para reverter este cenário, anunciou o lançamento do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), através do qual indicou 20 medidas para a retoma do crescimento económico. Porém, nenhuma destas faz menção directa ao sector cultural. Desta feita, é dissonante que, num contexto em que vendemos uma narrativa segundo a qual a cultura contribui para a economia nacional, esta não seja um dos beneficiários directo do PAE e de outras medidas de alívio económico.
Em contextos de Covid-19, para conter a propagação desta pandemia e salvaguardar a saúde pública no País, os artistas viram-se obrigados a ficar muito tempo em casa. Como resultado, alguns perderam contratos, os promotores de eventos ficaram estagnados, e as produtoras sem alternativas. E hoje, apesar de estar previsto na lei, não nos parece acertado, olhando para o actual contexto, cobrar taxas de rodagem nestes níveis. Ao proceder-se deste modo, ao invés de se fortalecer uma economia cultural, estaremos a matar a pouca esperança que a classe tem na estabilização das suas carreiras artísticas.
Por conseguinte, no nosso entender, a solução para este problema não passa necessariamente pela revisão da lei, pois os seus procedimentos levam tempo. Infelizmente, perdemos a oportunidade, no âmbito do PAE e de outras medidas anunciadas pelo Governo, de propor o não pagamento desta e de outras taxas num determinado período, enquanto o sector procura criar mecanismos para se estabelecer.
Portanto, o Ministério da Cultura e Turismo (MICULTUR) deve pensar num dispositivo legal de alívio ao sector cultural e criativo, apresentando argumentos plausíveis junto ao Governo central sobre a necessidade de se criar facilidades aos trabalhadores das artes e cultura, considerando o actual contexto económico do País. Alternativamente, com o apoio do sector privado, de financiadores nacionais e internacionais, o Governo pode pensar num programa de apoio cultural, subsidiando os artistas no pagamento de algumas taxas, usando como justificativa a mitigação dos efeitos da Covid-19 (como acontece nos transportes públicos e em outros sectores). Enquanto isso, continuamos a sonhar com um “Programa SUSTENTA” na cultura; um “Programa EMPREGA” na cultura; entre outras iniciativas de financiamento que o Governo institui para os outros sectores. Why not?