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Tasaver: ghostwriter e agente literário – dois ausentes necessários no nosso “sistema literário”

Esta coisa dos títulos tem das suas. Umas vezes esclarecedoras. Outras vezes desviantes.

Algumas, enfim, estão lá como a folha de louro está para alguns pratos: lá está, mas nem todos dão-se conta da sua presença ou ausência.

Dizer que os ghostwriters e os agentes literários são ausentes no nosso “sistema literário” pode-nos dividir imensamente. Por um lado, porque se se diz que estes são ausentes, por si só já denuncia que não temos um sistema. Daí o “amortecimento” do peso do termo através das aspas:

todo sistema literário que se prese tem de ter ghostwriters e agentes literários. Por outro, trata-se de uma colocação um tanto quanto acusatória, porque estas figuras existem no plano material, mas se escondem ou assumem outra identificação à semelhança dos críticos literários que se assumem como ensaístas e, por que não (?), dos escritores que se assumem como contadores de histórias. “Ya, são maningue cenas!”

Penso nestas figuras pelo bem que as mesmas fariam aos nossos escritores, quer emergentes, quer consagrados. São poucos os escritores que ganham a triste noção de que o “poço secou”, ou, na melhor das hipóteses, a água está cada vez mais escassa. É natural. É comum. Não é o fim.

Pode ser uma estação. Podem ser coisa da idade. Mas também pode ser uma sina. Cada um tem a sua, não é!? Não são raros os casos de “génios” que depois de terem produzido o seu Magnum Opus não se conseguiram superar. Rasgam os textos após duas linhas. É triste. É desolador.

Transtorna. Sobretudo quando se tem de responder à pergunta “para quando o teu próximo

livro?”

Muitos escritores (ou artistas, em geral) não têm consciência de que a criatividade é uma predisposição falível: tem momentos bons e maus. Os músicos, pela dimensão da representação do seu objecto de arte, convivem muito bem com as figuras de compositor, letrista, produtor e tantos outros que constituem uma verdadeira máquina por detrás da marca na qual o seu nome se tornou. A dúvida com a qual convivo é se os seus admiradores têm igual nível de compressão e cedência quanto a esse aspecto. É, em todo caso, matéria para outra conversa.

O nosso “sistema” em constante construção qual obra que nunca se assume como edifício acabado devido às constantes modificações, é permeado de revisitações (é o termo mais adequado que encontrei) de temáticas, de perfis de personagens, de descrições, etc., muitas vezes feitas pelo mesmo autor à semelhança de um arquitecto que faz diversos projectos no mesmo bairro e a diferença estivesse no tamanho dos compartimentos e nas escolhas dos proprietários na decoração dos edifícios.

Em situações deste género, mesmo que tal não signifique “crise de criatividade”, faz muito bem a figura de um ghostwriter ou de um agente:

  1. a) a primeira é, em muitas circunstâncias, admiradora senão seguidora do estilo de um certo autor. Estuda. Pesquisa. Imita e domina o estilo de tal autor muito melhor que o crítico literário que se dedica ao estudo de suas obras para fins académicos. É daquelas figuras que, geralmente, se for a publicar os seus próprios textos, haverá muita possibilidade de ser confundido com o autor que é objecto da sua imitação. Voltando à música, são vários “rumores” de artistas que cederam ao ímpeto de fazer a própria carreira para trabalhar nos bastidores de outro que já era uma marca. Bem analisada a questão, é uma relação contratual “win-win”. O público sai a ganhar e a “mídia cor-de-rosa” (hábito que, hoje, é coisa dos grupos de chat) perde a fofoca de “fulano é copista de fulano”.
  2. b) no caso do agente literário, além da dimensão “lobista” que este possa assumir, há um exercício de mentoria inicial que pode ser feito: nem todo livro deve ser, a priori, objecto de discussão com um editor. Este último tem um “mindset” corporativo que pode não ser o que o escritor precisa em primeira instância. Há um olhar que o agente tem que, na verdade, o editor também o tem, mas o segundo anda “contaminado” por certas pressões imediatistas que o podem impedir de dar valor a certas “aventuras” do escritor que, não raras vezes, estão adiantadas em relação ao seu tempo. E, curiosamente, é nesse tempo (presente) que o editor quer vender. Diga-se, porém, que esta disposição das funções só é válida onde há, efectivamente, um mercado.

Mas, pronto, vale a reflexão.

Em síntese e para o nosso agrado, temos estas figuras, mas ninguém as assume, conforme disse no início deste texto. Uns dizem-se revisores. Outros amigos (primeiros leitores do autor).

Alguns assumem-se como escritores experientes com amigos editores. Outros são jornalistas com lóbis nos corredores literários. Alguns, não poucos, são dinamizadores da leitura e escrita em clubes de leitura, agremiações culturais (literárias) e até professores. Com um pouco mais de interesse, organizamos o nosso dumbanengue literário e saímos todos a ganhar.

 

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