O ano literário da Cavalo do Mar já começou. Para consumar o acto, em forma de lançamento, o livro escolhido é Os poros da concha, da autoria de Sangare Okapi. A colectânea de poemas será lançada esta quarta-feira, a partir das 18h, no Camões-Centro Cultural Português, em Maputo, e a cerimónia inclui um recital de poesia com o poeta Leo Cote.
Os poros da concha é constituído por 54 páginas e, de acordo com o autor, é um livro que sai de forma subtil. Na verdade, Sangare Okapi não esperava que, a esta altura, fosse este o projecto a ser publicado. Contra as suas expectativas, a obra surge como forma de respiração. É por essa via que o poeta pretende revelar o seu estado de angústia e, simultaneamente, de satisfação, como se a fronteira entre essas duas realidades fosse mesmo ténue.
Ora, além de se expressar em verso, Sangare Okapi quis, com a nova obra literária, homenagear aquela que considera a sua Simone de Beauvoir, adivinhe-se… a sua companheira, que sempre esteve ao seu lado e que o ajudou construir a identidade que hoje tem.
Sangare Okapi assume que este é um livro que, de certa forma, se difere dos outros por ele publicados, na medida em que apresenta temas aparentemente dispersos, mas que se unem ao nível do tema principal: o erotismo, “sempre com a intenção de homenagear à minha mulher e todas do mundo”.
Sem lengalengas redundantes, este livro escrito à maneira simplista reflecte aquilo que – o poeta exprime na primeira pessoa – “sinto pela minha Simone de Beauvoir”, claro, numa versão à moçambicana.
Os poros da concha foi escrito em um ano, com muitas dificuldades. Às vezes, Sangare escrevia com mar de lágrimas sobre o papel ou sobre à máquina. Este é um livro que desperta memórias do poeta e da sua Olga, essa Simone (Pérola) a quem o livro é dedicado. Talvez, por essa razão, o poeta pensa que, depois deste livro, não continua o mesmo, na plenitude, embora considere os seus passos no lirismo exibido em Inventário de Angústias ou Apoteose do Nada ou então em Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo. “É um livro que vale a pena lê-lo com lentes intimistas porque traz o que considero uma matriz antiga e que pretendo recuperar, com muito rigor no esquema rimático, na diversidade temática e na tentativa de mostrar que a língua portuguesa é um grande veículo que pode coexistir com as línguas locais, como nos lembra José Craveirinha nas suas obras”.
Esta obra é também uma partilha de afectos, de fidelidade e de sonhos, que devem ser preenchidos com paisagens que continuam em chamas. “Os que leram o livro dizem que é um dos meus melhores projectos literários. Quero acreditar que o amor vem à tona, com exercício na construção da imagem, investimento ao nível de técnicas de escrita para mostrar que a minha literatura não está estática, é dinâmica e de uma oficina de trabalho árduo”, afirmou Sangare.
Este é o quarto livro que Sangare escreveu, há tantos outros na gaveta. É o primeiro livro que o autor publica pela editora Cavalo do Mar.
Os Poros da Concha aglutina os três livros do poeta
Sobre a obra, o escritor e professor universitário, Lucílio Manjate, quem vai moderar uma conversa com o poeta, no Camões, diz: “Tive a felicidade de acompanhar de perto a gestação de Os Poros da Concha e tenho para mim que não é apenas mais um livro de poesia do Sangare. Este livro torna sólido um percurso poético de qualidade, já confirmado em Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo. Na verdade, Os Poros da Concha aglutina os três livros do poeta, Inventário de Angústias ou Apoteose do Nada, Mesmos Barcos… e Mafonematográfico Também Círculo Abstracto, seja pela recorrência obsessiva ao tema da angústia, seja pelo jogo de referências com outros poetas ou textos moçambicanos com que Sangare dialoga incansavelmente, seja ainda, também, por um certo experimentalismo estético que o poeta vem abraçando. É também um livro clássico ao seu jeito, não só por lembrar-nos nomes clássicos da poética moçambicana, como José Craveirinha, Rui Knopfli, Sebastião Alba, Luís Carlos Patraquim, mas veremos pela forma de boa parte dos seus textos. Os ângulos deste livro são vários, fala de pessoas individuais e colectivas, os seus sonhos e pesadelos, os seus centros e as suas periferias, os seus guetos. Mas é uma poesia, acima de tudo, lapidada, ou, como se diz na gíria dos poetas, ’tem lâmina’”.