Rogério Samo Gudo defende a remoção de barreiras a nível de transacções comerciais e a desburocratização, para permitir que o ambiente de negócios melhore. Para Samo Gudo, a tecnologia é “a única esperança que nós temos”.
A História da MCNet é indissociável da Janela Única Electrónica. Quer falar do papel desta plataforma na economia?
A janela única electrónica é uma plataforma criada já em 2009 como um dos grandes objectivos do Estado de Moçambique para reformar a administração pública.
A visão nessa altura, obviamente, era desburocratizar, remover todas as barreiras que impedem ou que impediam os nossos empresários. Portanto, a visão sempre foi que a janela única seria o primeiro passo para aquilo que é o grande objectivo do nosso governo, de tornar o governo electrónico, um governo mais eficiente, mais moderno, que se ajuste àquilo que são as preocupações do momento, e também adoptando as melhores práticas, a transparência, a boa governação e por aí fora. A janela única surge num contexto em que deveria modernizar, criar uma transformação digital a nível do sector aduaneiro, das alfândegas e, nesse sentido, sim, foi um grande ganho para os moçambicanos, porque um dos grandes objectivos que nós conseguimos alcançar foi a redução do tempo de desembaraço aduaneiro.
E também, com a integração de várias instituições, temos mais de 25 instituições interconectadas à Janela Única Electrónica, entre instituições públicas e privadas como ministérios, bancos e várias outras entidades que também fazem parte da cadeia de comércio externo. E foi com essa base toda tecnológica que a Janela Única se tornou hoje um ecossistema em termos de transformação digital, porque ela vai fazendo de fonte para a integração das diferentes instituições que procuram a informação, que seja fidedigna, que seja de qualidade para os seus processos de planificação. Portanto, se nos perguntarem qual é a nossa visão, a visão é tornarmo-nos uma referência nacional em termos de transformação digital, adicionando valor aos nossos clientes, a todas as instituições públicas e privadas, usando as tecnologias de informação.
A MCNet é actualmente vista como umas das mais renomadas marcas no rol das que oferecem soluções tecnológicas para o desenvolvimento. Qual é o actual posicionamento da MCNet no mercado?
É preciso perceber aquilo que foi a base do surgimento da Janela Única Electrónica e da reforma pública, porque o Estado moçambicano tinha apostado no e-government. E hoje, com o desenvolvimento das tecnologias, o segundo nível que nós encontramos é o marketplace, que significa que todas as plataformas ficam integradas para oferecer uma melhor experiência a todos os utilizadores, tanto do sector público como do sector privado.
A janela única vem em terceiro plano. Portanto, a janela única electrónica, que é uma componente do marketplace, o que significa que na nossa perspectiva é crescer a janela única para integrá-la cada vez mais a novas plataformas que nós possamos não só operar a nível de comércio externo, mas também comércio interno, também em todas as outras áreas, sejam elas industrial, agrícola, porque o nosso papel é ser um unable, é habilitar a todas as instituições, tanto públicas como privadas, que possam ter o acesso à informação para tomar a decisão, portanto, nas transacções que ocorrem em cada minuto, em cada dia. E para tal, nós fizemos enormes investimentos na nossa capacidade técnica em termos de pessoas. Temos uma capacidade muito interessante, de moçambicanos, e também fizemos uma capacidade tecnológica, tanto a nível de infra-estrutura, em termos também de plataformas electrónicas. Mas nós perseguimos aquilo que é o grande milestone que nós temos em termos de preencher aquilo que são as necessidades e as dinâmicas do marketplace.
Com este investimento, o que temos hoje?
Temos, a nível da infra-estrutura, investimento a nível do data center, que é o cloud service e vai complementar aquilo que são as necessidades do mercado a nível de infra-estruturas e permitir com que os nossos clientes, tanto nacionais como estrangeiros, tenham acesso a um armazenamento ou cloud services de informação em infra-estruturas de classe mundial, portanto com alta qualidade, com disponibilidade, com escalabilidade, com preços competitivos, com segurança de informação, portanto, é aquilo que o mundo hoje em dia procura.
E a nossa perspectiva é que, para termos a escala necessária para manter a qualidade e eficiência dos serviços, precisamos também de actuar no mercado regional e internacional. E para isso nós já começamos, via parcerias, a trabalhar com algumas empresas internacionais que não vão poder partir lá muito em breve.
Que ganhos foram alcançados ao longo dos anos de implementação da Janela Única Electrónica?
Um dos maiores benefícios da nossa economia foi a redução do tempo de desembaraço. Passamos de cerca de duas, três semanas para 24 horas. Hoje em dia, mais de 80% das nossas transacções, dos nossos negócios, são feitas em menos de 24 horas. Também um dos milestones em relação ao nosso cliente, o Estado, era a melhoria e aumento da receita. Por outro lado, a introdução da janela única permitiu a redução da necessidade do uso de dinheiro vivo. Este custo foi reduzido substancialmente. Outro dos grandes objectivos que perseguimos era a capacitação institucional, a modernização, a gestão de mudança, na maioria dos casos, ou quase todas as instituições usavam papel, hoje já é um Paper Less. São instituições que usam cada vez menos papel. Também vimos enormes benefícios em relação ao processo de bancarização. A integração de todos os bancos na janela única permitiu uma maior confiança, uma melhor gestão de grandes temas que nós conseguimos colaborar com o Estado para redução, como o caso da grande guerra da lavagem de dinheiro, que é um dos temas que preocupa o Banco Central. E através de termos de compromisso, nós conseguimos reduzir as transacções fraudulentas. E, para além disso, nós criamos um ambiente, colaboramos com várias instituições para melhorar ainda mais o ambiente de negócios. A remoção de todas as barreiras em nível de transação, a desburocratização, isso permitiu também que o ambiente de negócios melhorasse bastante. Tivemos o reconhecimento do Banco Mundial na nossa contribuição na melhoria do ambiente de negócios, através da Janela Única Electrónica.
Quanto a JUE já arrecadou para os cofres do Estado?
Como sabe, nós somos uma instituição provedora de serviços à Autoridade Tributária, portanto, por lei, nós não somos autorizados a partilhar essa informação a não ser a própria. Eu teria muito gosto, porque um dos grandes ganhos que nós temos na janela única é a estatística. Temos informação de quase todos os sectores económicos, sobretudo todos os que interagem dentro da Janela Única Electrónica. Aí já trago aquilo que é o potencial, que são as oportunidades que também se geram à volta da janela única. É que cada vez mais ministérios e instituições públicas vão sentindo a importância de estarem integrados dentro da janela única, não só pela necessidade de troca de informação, e simplificação de procedimentos naqueles que directa ou indiretamente também actuam dentro da cadeia aduaneira, mas também porque ajuda as próprias instituições a confirmarem-se. Temos compliance com as regras de boa gestão.
Que oportunidades hoje foram abertas no mercado interno, à luz dessas novas soluções tecnológicas?
Hoje em dia, as tecnologias de informação, a janela única, o framework da janela única, permitem com que todas as instituições, de facto, facilmente possam adoptar as boas práticas que já são usadas pela Autoridade Tributária e o Ministério das Finanças através da Janela Única e Electrónica.
Mas também vimos várias oportunidades, por exemplo, quando nós, hoje em dia, falamos de carteira móvel e até a nível de telecomunicações, há vários novos serviços financeiros que surgiram, que são resultado de todo o ambiente tecnológico e do ecossistema que a janela única trouxe. Se olharmos para 10 anos atrás, em 2014, havia muito cepticismo em relação às tecnologias de informação. O entendimento público é que elas vêm para tirar emprego. Hoje, as pessoas percebem que as tecnologias, pelo contrário, elas vêm para ajudar, para sermos mais eficientes, mais organizados, com mais informação, para tomarmos decisões assertivas, dados os desafios que nós todos enfrentamos a nível do sector público e privado no dia-a-dia. Todas as instituições querem ser mais eficientes, porque os processos de negócios são cada vez mais caros e o cliente final quer pagar cada vez menos.
E há necessidade também de nos adaptarmos aos processos de negócios, ou a novas agências tecnológicas. Há sempre investimentos necessários e, para isso, é preciso que haja um elemento de facilitação nesse processo todo, que é a tecnologia. E a tecnologia de informação permite-nos dispor de informação com qualidade, com integridade, com toda a segurança, para as análises necessárias para nós tomarmos as decisões da forma mais eficiente e efectiva.
Até que ponto essas ferramentas colocam em risco o recurso ao capital humano para viabilizar os negócios? Por exemplo, a JUE não impactou na redução de capital humano em contacto com as mercadorias?
Óbvio que a presença humana inadequada nos processos administrativos é burocrática e cria constrangimento e actos de corrupção e impede que o sector privado possa avançar. Portanto, a tecnologia é transparente, tem este elemento de transparência, permite que permite com que todos os processos possam ser monitorizados, quem quer que seja, se houver um conflito entre as instituições pode-se provar, porque há registos. Nesse sentido, sim, nós podemos dizer que há redução e, na verdade, nós, através da Janela Única, alocamos adequadamente recursos onde foram necessários.
Isto significa que este capital humano não foi dispensado?
Não foram dispensados, porque crescemos. Estávamos em poucas fronteiras. A Autoridade Tributária estava em poucas fronteiras, hoje em dia nós cobrimos todas as fronteiras. E nós temos mais problemas ainda, porque há problemas de recursos para cobrir todas as necessidades da própria JUE. A consistência de que nós precisamos, devido ao nível de rotatividade… Porque a autoridade tributária tem necessidade de criar cada vez mais postos, porque a economia está a crescer, a população está a crescer, os problemas estão a crescer, a porosidade das fronteiras é maior, portanto os desafios da Administração Pública são cada vez maiores. Então, há necessidade de alocar da melhor forma os recursos necessários. Para isso, é preciso que haja informação, haja estatística. E é com base na JUE que nós atraímos essas informações para que a AT e todas as outras instituições dentro da cadeia possam tomar as decisões assertivas e permitirmos com que o nosso Estado não gaste recursos de uma forma desproporcional.
Todos os processos de reformas no país são acompanhados de desafios. No quadro da JUE, que desafios se podem apontar, sem deixar de lado a porosidade das fronteiras?
Sim, mas permita-me, primeiro, olhar de uma forma macroeconómica, para nós percebermos que os desafios que nós temos também são globais. Enfrentamos diferentes dimensões, a primeira a nível macroeconómico, os conflitos armados que têm um impacto enorme nas nossas economias, a escassez da moeda em todo o mundo, sobretudo em África, onde depende muito de apoio, e também as mudanças climáticas, os três factores juntos, sobrepostos, eles criam enormissimos desafios para qualquer administração, seja pública, seja privada. Portanto, aquele movimento de transacções que nós vimos no passado, antes de COVID-19, jamais veremos. Estamos a viver num novo mundo. Veja que acelerou a conectividade no mundo. As pessoas tinham necessidade de continuar a comunicar e a tecnologia ajudou a manter essa conectividade. A tecnologia de informação tem um papel crucial para a sobrevivência da espécie humana. E hoje quando falamos dessas três dimensões, a tecnologia é a única esperança que nós temos, ela. Ela vai nos permitir que, nos próximos anos, nós sejamos mais eficientes como seres humanos.
Hoje em dia, falamos da inteligência artificial. São extremamente necessários para que, nessas três dimensões, que são desafios globais, nós possamos manter o nosso desenvolvimento.
Como é que os provedores da tecnologia têm estado a posicionar-se para fazer face a estes desafios?
Vamos ter cada vez menos recursos, tanto financeiros como materiais, vamos ter cada vez mais eventos climáticos mais severos, e é preciso planearmos, alocarmos os recursos da melhor forma possível. Isso é possível se nós tivermos a informação íntegra muito bem organizada. Isso é o que nós temos estado a fazer através da transformação digital. Todos os investimentos que nós fizemos a nível da infra-estrutura, o nosso data center, o Cloud Service, é para responder a esta necessidade, para que todas as instituições tenham repositório de qualidade, em termos de informação, não só a nível local como internacional. Nós já temos um cliente internacional, que é o Alibaba, que demonstra a confiança naquilo que é a infra-estrutura moçambicana e o conhecimento moçambicano, aquilo que é são as técnicas ou as boas práticas internacionais.
Soou como uma polémica a retirada da obrigatoriedade da figura do despachante aduaneiro. Como reage a isso? Gera realmente algum impacto negativo?
Não temos como segurar o vento pelas mãos. Este resultado de transformação digital no mundo, como me referi, nas tecnologias de informação, permite com que os utilizadores, os últimos users, possam, com facilidade e comodidade, onde ele esteja, usando os appliances que ele tem, seja celular ou iPad, poder fazer a transacção, poder fazer o despacho aduaneiro.
Mas não impede que as grandes instituições, sejam privadas, sejam públicas, possam ter essa figura dentro da instituição. O que a lei diz é que deixa de ser obrigatório, mas não significa que eles deixaram de ter oportunidade. Tem de poder encontrar-se, adaptar-se às novas circunstâncias que são próprias da evolução tecnológica. A tecnologia vem para facilitar, colocar o cliente mais próximo.
Como está a relação com outros actores da cadeia do desembaraço aduaneiro?
Em relação ao Ministério da Economia e Finanças e à Autoridade Tributária, nós temos estado a trabalhar agora num projecto de interoperabilidade entre o sistema de janela única e o Sistafe. É um projecto muito interessante que vai permitir que estas duas plataformas, tanto de pagamento público, assim como de coleta de impostos, possam estar integrados e poder haver um valor agregado que possa ser passado para várias outras instituições públicas. Em relação à banca, como nós sabemos, a nível da regulamentação bancária, é muito exigente. Cada dia que passa, há novas necessidades de se conformar, e, nesse sentido, também nós temos estado a trabalhar, tanto com todos os bancos comerciais, como com o banco central, no sentido de melhorar e trazer cada vez melhores experiências nessas instituições.
Também vai perceber que, da mesma forma como a JUE, como plataforma, vai actualizando as versões anualmente, os bancos também têm essa necessidade. Trabalhamos com o Ministério da Saúde, com o Ministério da Agricultura, Ministério da Indústria do Comércio, Ministério das Pescas, nós trabalhamos com a maior a parte dos nossos ministérios e estamos a trabalhar, dia após dia, para que cada vez mais instituições públicas possam estar integradas e possam beneficiar-se desta forma.
Num contexto em que economia do país e global está em recuperação, que leitura faz do ambiente de negócios, as oportunidades e barreiras que se oferecem hoje?
As oportunidades são imensas para Moçambique. Se nós olharmos para o acordo do mercado livre na zona africana, há todo o potencial de Moçambique servir ou fornecer a todos esses países. E se levarmos em conta aquilo que é o nosso posicionamento do ponto de vista geográfico e o acesso que nós temos aos grandes mercados, tanto a nível da Ásia como da Europa, permite que Moçambique tenha um papel diferente dentro deste mercado enorme. E para isso tem de se posicionar de uma forma estratégica. Somos uma Power Pul. Portanto, temos tudo para dar certo em relação à produção e distribuição de energia, mas a África também está a transformar-se. A voz é de que os recursos minerais devem ser transformados localmente, tem de haver uma adição de valor. Moçambique pode desempenhar um papel muito importante. Um dos factores para a transformação da matéria-prima ou dos produtos primários é a energia eléctrica. Portanto, nós achamos que existe um enormíssimo potencial para que Moçambique seja um hub industrial que possa servir a todos os países interland e só se tem de identificar quais são os nichos de mercado, porque também não vamos querer fazer tudo.
Mas o que isso significa, do ponto de vista de acções concretas?
Significa que as técnicas de informação têm de prover as informações necessárias para tomar a decisão. Portanto, a análise analítica dos investimentos precisa de ser feita, assim como a partilha das informações a nível desta zona de comércio livre africano. É por isso que o MCnet está a posicionar-se como um player a nível da região, para atrair todos os investidores que também têm interesse ao longo deste mercado, tanto na provisão de cloud services, assim como a procura da janela única. Por isso, a nossa janela única, olhando para o futuro, nós estamos a olhar para uma plataforma online a que se pode aceder globalmente, tanto no nosso nível de África, assim como em todos os outros locais geográficos no mundo, para que os empresários possam tomar decisões assertivas e fazer os investimentos necessários.