O Presidente ruandês, Paul Kagame, negou hoje que o seu país esteja “a negociar seres humanos”, nas suas primeiras declarações sobre um plano do Reino Unido para enviar requerentes de asilo para o Ruanda.
“Não estamos a negociar seres humanos, por favor. Na realidade estamos a ajudar”, disse o chefe de Estado, num seminário virtual com a Universidade Brown, nos Estados Unidos, segundo noticia o Notícias ao Minuto.
De acordo com o controverso plano, anunciado na semana passada pelo chefe do executivo britânico, Boris Johnson (Partido Conservador), o Reino Unido irá transferir para o Ruanda os requerentes de asilo que atravessam o Canal da Mancha, como parte de uma nova estratégia de combate à imigração ilegal e aos grupos criminosos que a apoiam.
Kagame, que estava numa visita à República do Congo, Jamaica e Barbados quando o acordo foi assinado, disse hoje que seria errado pensar que o Ruanda está a receber dinheiro pelos migrantes.
O Presidente ruandês explicou que o Reino Unido abordou o seu país por causa da forma como Kigali lidou com a crise dos migrantes na Líbia. Disse, ainda, que em 2018, quando liderava a União Africana, decidiu oferecer abrigo aos migrantes bloqueados na Líbia quando tentavam chegar à Europa.
De acordo com o Notícias ao Minuto, quase mil migrantes foram acolhidos pelo Ruanda desde então, tendo dois terços deles sido realocados em países europeus e no Canadá.
Kagame considerou ter-se tratado de um processo bem-sucedido para o Reino Unido e outros países europeus, que “têm problemas com as migrações”.
O plano do Governo britânico passa por reenviar homens solteiros que chegam ao Reino Unido provenientes do outro lado do Canal da Mancha em pequenas embarcações, fazendo-os voar 6.400 quilómetros até ao Ruanda, enquanto os seus pedidos de asilo são processados.
No âmbito do acordo, inspirado nos que se aplicam na Austrália e em Israel, Londres financiará inicialmente o dispositivo no valor de 120 milhões de libras (144 milhões de euros) e o Governo ruandês esclareceu que ofereceria a possibilidade aos migrantes de se estabelecerem permanentemente no país, se assim o desejarem.
A iniciativa foi criticada pela Igreja anglicana, políticos e pela ONU, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que expressou, no dia do anúncio, a sua forte oposição ao plano britânico.
Mais de 160 organizações não-governamentais classificaram a medida como “cruel e mesquinha”, tendo sido também criticada por alguns deputados conservadores, enquanto o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, a apelidou de “impraticável” e com custos “exorbitantes”.
Os migrantes há muito que chegam ao Reino Unido através do norte de França, seja escondidos em camiões ou em ferries, ou – cada vez mais desde que a pandemia de COVID-19 fechou outras rotas em 2020 – em jangadas e pequenas embarcações, em travessias organizados por traficantes.
Mais de 28.000 pessoas entraram no Reino Unido em pequenas embarcações no ano passado, contra 8.500 em 2020 e apenas 300 em 2018. O registo de mortes não tem parado de aumentar.
Os governos britânico e francês trabalharam durante anos para impedir as travessias do canal, sem grande sucesso, trocando frequentemente acusações sobre quem é o culpado do fracasso.