Nativos partilham que não se via uma situação semelhante desde as cheias do ano 2000. Em duas semanas, o caudal das águas do rio Maputo e seus afluentes ultrapassou em duas vezes o nível de alerta. Mais do que a chuva, o drama das povoações isoladas é agravado pela abertura das comportas das águas no vizinho Reino de Eswatini.
É como se estivessem numa ilha: de um lado está o rio Maputo e do outro um braço deste mesmo curso de água. Estão todos sitiados em quatro povoados do posto administrativo de Catuane, no distrito de Matutuine, província de Maputo. “Estamos a falar de cerca de 2.500 habitantes afectados. O grande constrangimento é a mobilidade”, introduz Nguliche Banda, chefe do posto administrativo.
A mobilidade de pessoas e bens de e para as quatro comunidades ficou interrompida devido à inundação de um afluente do rio – que carrega o nome da cidade e província de Maputo. O curso de água tem a sua nascente no vizinho Eswatini, que há duas semanas abriu as comportas para escoar água. A quantidade foi elevada de tal forma que o braço do rio, que andava há cerca de quatro anos seco, tem agora água com uma profundidade que chega a atingir 10 metros.
“Desde o ano 2000 que não vemos cheias como estas. Nos últimos anos, quando eram abertas as comportas, a água só terminava no rio Maputo. Não chegava a esta zona”, detalha Ernesto Cambale, natural do povoado de Zicala e chefe do Comité Local de Gestão de Calamidades.
Ademais: “surpreendeu a todos porque nenhuma das povoações conseguiu tirar os seus produtos da machamba. Por isso, tudo foi-se com a água”, desabafa o entrevistado.
As comunidades afectadas até tomaram conhecimento da abertura das comportas, através dos alertas lançados pelas rádios do Eswatini, mas passaram 24 horas até a corrente de água serpentear desde aquele reino até “engolir” toda produção que encontrou nas machambas feitas nas margens dos rios em Catuane. “Como ainda não tinha chegado a época da colheita, pouco podíamos aproveitar”.
Estamos a falar de pessoas que vivem em zonas de difícil acesso. Um dos acessos tornou-se ainda mais complicado com este problema. Para chegar a Zicala, um dos povoados afectados, a reportagem do “O País” teve de recorrer a pequenas embarcações de fabrico local. No povoado já se fala de escassez de alimentos.
“Está tudo perdido. Estamos todos parados. Nestes dias está difícil dar de comer à família”. As palavras são de Mboisse Tembe, natural de Zicala.
Além de perder toda a produção na qual a família apostou nesta época agrícola, o pai de quatro filhos perdeu parte da cozinha porque as chuvas, acompanhadas de ventos fortes, derrubaram uma árvore frondosa que estava no seu quintal há vários anos.
Há duas semanas a viver este drama, a esposa de Tembe fala de um cenário em que começa a faltar comida. Pela proximidade que o povoado tem com a vizinha África do Sul, conta a mulher, muitos recorrem àquele país vizinho para se abastecer, atravessando o rio Maputo em embarcações cujo custo ronda os 180 rands, pouco mais de 500 meticais.
Entretanto, há dias uma embarcação naufragou. Por sorte não causou mortes. “O barco virou com pessoas lá dentro e perdeu-se bagagens, documentos e dinheiro. Somos gratos porque ninguém perdeu a vida”, diz, aliviada, Judite Matavél.
Perante um cenário em que as águas podem levar duas semanas para baixarem, caso o Reino de Eswatini não volte a abrir as comportas, o governo local pondera prestar assistência alimentar. Contudo, somente para os idosos.
“Perdemos cerca de dois hectares de culturas. Estamos a falar de milho, mandioca e feijão nhemba. Este é o grande desafio que estamos a enfrentar”, refere o chefe do posto administrativo que alerta: “em termos alimentares, ainda não temos uma informação clara. O apoio que está a ser aprimorado, neste momento, é em relação aos idosos”.
REPARADA PONTE QUE DÁ ACESSO A CATUANE
Mas nem tudo vai de mal pior aquelas bandas. Depois de dois dias em que o desabamento da ponte sobre o rio Maputo, na região de Mahau, isolou mais de cinco mil pessoas, foi feita uma intervenção de emergência que desde quarta-feira já permite que pessoas e viaturas atravessem aquele ponto.
Com a intervenção da empresa sul-africana “Três Rios”, que explora liche e tomate nas terras aráveis de Catuane, foi criada uma solução provisória que consistiu na colocação de pedras e sacos de areia sobre a estrutura que tinha cedido.
“Ainda está-se a deixar as águas baixarem, mas já está no terreno algum material proveniente da Administração Nacional de Estradas para que logo que as águas baixarem se executar obras definitivas”, assegura Nguiliche Banda, sobre a infra-estrutura construída em 1994, há 26 anos, em substituição de uma outra ponte também derrubada pelo rio na década de 90.